25 abril, 2018

Escola sem partido - Nazi edition

Do livro: "Do raio X à bomba atômica", de Roberto Cesáreo

Philipp Lenard publicou, no jornal Völkischer Beobachter, uma carta aberta, na qual escreveu:
[...] a recente nomeação é um importante evento para todos aqueles que trabalham com ciência. Isto significa uma renúncia definitiva ao predomínio do que comumente aparece sob o nome de pensamento einsteiniano na física [...] [...] com a maciça invasão dos judeus em posições influentes nas universidades e nas academias [...]. (LENARD, 1930, p. 92).

(...)

Aos poucos, porém, os nazistas começaram a observar e ambicionar os cargos de direção nas universidades e, a partir do primeiro ano do regime, transferiram, para outras mãos, muitas reitorias.
(...)

Foi, então, sob um clima de desconfiança que o reitor Krieck declarou, em tom irritado, em uma assembleia de estudantes em Heidelberg: “[...] os professores não deveriam se resguardar declarando
apenas ‘sempre fomos nacional-socialistas’; nós, verdadeiros nacional-socialistas, devemos continuar a lutar corajosamente.” (HEISENBERG,1984, p. 124).

O nacional-socialismo cresceu nas universidades, em especial nas faculdades jurídicas e literárias, mas, certamente, muito menos nos ambientes científicos, particularmente na física.

Um interessante exemplo do clima da época é dado pelo relatório da visita que Max Planck, Prêmio Nobel de Física, e, desde 1930, presidente da Kaiser Wilhelm Gesellschaft (que equivale ao nosso Conselho Nacional de Pesquisa), fez, em 16 de maio de 1933, em Berlim, a Adolf Hitler. O encontro entre Hitler e Planck foi meticulosamente preparado. Em 23 de abril de 1933, Hitler tinha escrito a Planck cumprimentando-o pelo aniversário (ele tinha completado 75 anos), e Planck, aproveitando o pretexto para lhe agradecer, solicitou, em 2 de maio do mesmo ano, um encontro para lhe explicar a situação da KWG e os planos futuros.

Eis como Planck (1947), depois da guerra, descreve esse encontro:
Depois que Hitler assumiu o poder, eu tinha a responsabilidade, como presidente da KWG, de lhe apresentar minhas respeitosas saudações. Acreditava, também, poder utilizar essa oportunidade para fazer a defesa de meu colega judeu Fritz Haber, inventor de um processo de produção de amoníaco a partir do nitrogênio do ar, a cuja invenção Hitler devia o sucesso na guerra, desde o seu começo. Hitler me respondeu com estas palavras: “[...] eu não tenho nada contra os judeus, mas os judeus são todos comunistas, e é por isso que são meus inimigos e é contra isso que está direcionada a minha luta”. Comentei que existem diversos tipos de judeus, alguns dignos e outros indignos em relação à humanidade. Entre os primeiros estavam velhas famílias de antigas tradições e cultura germânica. Quando comentei sobre esse tipo de distinção, ele me respondeu:
“[...] isso não é verdade. Um judeu é um judeu. Onde estiver um judeu, outros judeus se reunirão a ele. Seria uma obrigação dos próprios judeus colocar uma linha divisória entre os diversos tipos. Não o fazem e, por este motivo, devo ser contra todos eles.” Ignorou a minha observação sobre o fato de que obrigá-los a emigrar produziria uma mutilação em nós mesmos, porque somos nós que temos necessidade da contribuição científica deles e agora irão para outros países. Ao invés de responder sobre estas questões específicas, começou a falar de modo geral e, no final, terminou dizendo: “[...] algumas pessoas dizem que, ocasionalmente, eu sofro ataques nervosos. Isto é uma calúnia!” E, dizendo isto, começou a bater rapidamente no joelho e a falar cada vez mais depressa e a
excitar-se cada vez mais, com terrível fúria, tanto que não me restou senão ficar em silêncio e ir embora. (PLANCK, 1947, p. 143).

(...)
Pode-se observar também que Planck, lucidamente, colocou em evidência as contribuições judias à ciência alemã e o perigo que, depois de algum tempo, com a contínua fuga dos cientistas judeus, isso pudesse vir a favorecer outros países. E, como já observado, foi exatamente o que aconteceu, em essência, a favor dos Estados Unidos. A visita de Planck a Hitler é relatada nas memórias de Heisenberg (HEISENBERG, 1894), para quem o próprio Planck fez o relato, provavelmente pouco depois da sua visita a Hitler.

Heisenberg, que passava por grave crise pessoal (ver capítulo 10), foi encontrá-lo em suas férias nos Alpes, para aconselhar-se. Assim Heisenberg relata o colóquio:
Planck pareceu-me muito envelhecido desde a última vez que o tinha visto. Sorria a muito custo, um sorriso doloroso. Parecia terrivelmente cansado.
“Falei com Hitler alguns dias atrás” – disse-me. “Esperava convencê-lo que expulsar os nossos colegas judeus importaria um dano gravíssimo para as universidades alemãs e para as pesquisas na física, em particular [...] [...] Não consegui, talvez porque não exista uma linguagem com a qual se possa falar com essas pessoas. Hitler perdeu todo o contato com a realidade [...] [...] está tão possuído por suas pseudoideias que ninguém mais pode discutir com ele. E um homem nessas condições só pode levar a Alemanha a um desastre [...]. Em suma, acredito que todos aqueles que têm um trabalho a realizar e que, certamente, não são obrigados a emigrar por motivos raciais ou de outra natureza, devem permanecer e lançar os alicerces para construir uma vida melhor, quando este pesadelo tiver terminado [...] [...] qualquer coisa que se faça, será insuficiente para impedir as injustiças menores, até que esta grande injustiça coletiva tenha terminado o seu curso. E pense, por favor, no futuro.” (HEISENBERG, 1984, p. 105).
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