13 março, 2007

Linguagem revirada

Inversão do real

Linguagem invertida e exploração do Trabalho

por Vicente Romano



É frequente os seres humanos praticarem acções que no fundo desconhecem. O facto de alguém fazer algo não é demonstrativo de que saiba o que está a fazer. Costuma-se atribuir às máquinas a particularidade de realizarem uma finalidade que ignoram. O automóvel leva-nos a um destino sem disso ter consciência. É conduzido a ele. Porém, como diz E. Rauter, o facto de que nos comportemos como máquinas só na aparência é raro [1] .

Assim, falar é uma das acções humanas mais comuns. Contudo a maioria dos enunciados das pessoas são falsos. O anúncio da banca, por exemplo, propala a afirmação: "Ponha o seu dinheiro a trabalhar connosco". E muitos trabalhadores também dizem "O dinheiro trabalha", ainda que sejam eles a fazê-lo e não o dinheiro. Operários e empregados repetem o que ouviram, aonde vão eles buscar estas ideias que viram o mundo de pernas para o ar?

Os professores de economia afirmam o mesmo nas escolas e universidades já há muitos anos. Dizem que a terra, o capital, o trabalho e a publicidade comercial são factores de produção.

Porém o capital não faz nada, nem a terra, nem o trabalho [NT1] , nem muito menos a publicidade comercial. Quem faz tudo são os trabalhadores, os empregados e alguns empresários. A que devemos então a persistência de tais tergiversações, destes falsos enunciados? Talvez ao efeito gerado por essa forma de apresentar a produção, a saber: que os trabalhadores e empregados considerem o capital como algo que é mais importante que eles próprios, apesar de serem eles a criar o capital. Esse efeito é esta modéstia. [E uma tal modéstia] é uma qualidade dos escravos.

Na década de 1960 a 1970 o mundo empresarial considerou que a democracia havia ido longe demais. Basta-nos recordar as revoltas universitárias contra a guerra do Vietname nos EUA, o Maio francês de 68 ou o Junho de Berlim posterior. Havia que contrapor a estes movimentos campanhas de propaganda directa e indirecta, e influenciar o conteúdo das ideias académicas. As subvenções à investigação aumentaram então consideravelmente. Mas esse dinheiro assumiu um claro cunho ideológico com a criação de cátedras universitárias denominadas da "livre empresa". A sua função consistiu na inversão da tendência anti-empresarial dominante.

Numerosas fundações e institutos, como o American Enterprise Institute, grupos de peritos cooptados, os chamados "reservatórios de ideias", dedicaram os seus esforços à preparação e difusão de material educativo, programas de televisão, controlo ideológico dos meios de comunicação, etc. Abreviando em muito a exposição, estes recursos e esforços iriam culminar pouco tempo depois na relação "universidade – empresa". A sua criação sujeitou a teoria económica aos interesses das empresas, infectando-a. As investigações orientaram-se desde então para o interesse particular, e não ao geral.

Nos anos 80, com Reagan e Thatcher, impôs-se o denominado neoliberalismo, a desregulação e privatização do público. Institucionalizou-se a apologia do militarismo, desprezando-se por completo a análise dos efeitos dos gastos militares sobre a inflação e a produtividade. O desemprego passa a ser justificado como "voluntário", como "tempo de busca de trabalho" pelos trabalhadores. Os controles meio-ambientais são declarados improcedentes pelos seus elevados custos, com os economistas a ignorarem ou a ocultarem os seus benefícios sociais, inclusive o da saúde da população. Os que expressam opiniões concordes com os interesses das empresas são muito bem pagos e dispõem de todos os meios que desejem para publicar as suas opiniões.

Uma vez modelada a opinião dos profissionais, o seu impacto na opinião pública equivale a um exercício brutal de violência psicológica. Era necessário brutalizar a linguagem para impor ao público a aceitação de uma explicação da realidade que não era outra coisa senão pura ideologia patronal. Na sua fase actual, o capitalismo impôs uma série de conceitos que lhe camuflam a sua índole predatória e que contaminam as consciências. Assim, por exemplo, de há uns decénios para cá define-se a si próprio como sociedade livre de mercado.

Pois bem, como em informação não há nada inócuo, a colocação do qualificativo "livre" depois de "sociedade" e antes de "mercado" faz-se para destacar conscientemente que esta sociedade e este mercado são livres. E isso, por oposição a quê? A outras sociedades existentes, a outras formas de organizar a convivência humana e o intercâmbio económico que, segundo os ideólogos do capitalismo, não seriam nem poderiam ser livres.

Entre os conceitos mais rigorosos de liberdade encontramos o de Baruch Spinoza, filósofo holandês filho de emigrantes portugueses judeus, castelhanizado Benito Espinosa, que a entendia como conhecimento da necessidade, e o do biólogo evolucionista espanhol Faustino Cordón, que a define como a capacidade para prever a acção futura. A concepção histórico-materialista entende que a liberdade consiste no conhecimento da necessidade objectiva e na capacidade que lhe está subordinada de aplicar conscientemente as leis da natureza e da sociedade a fim de obter um domínio crescente sobre estas. A liberdade inclui também as condições económicas, políticas, jurídicas, espirituais, colectivas e pessoais. Daí que esteja submetida a um processo histórico.

Nas actuais condições do capitalismo tardio, as liberdades introduzidas pela burguesia ao longo dos séculos XVIII e XIX foram-se reduzindo à " liberdade de comprar e vender". Hoje em dia, a retórica da "sociedade livre" mostra a sua face mais falaz. Só violentando em extremo a linguagem se poderiam qualificar como sociedades livres todas as que durante o século XX estiveram sujeitas às ferozes ditaduras dos nazis, dos tonton macoutes de Duvalier, dos Trujillo, Somoza, Videla, Pinochet, Mobutu, Idi Amin, e tantos e tantos mais. A lista seria interminável, e também inclui as do século que agora se inicia, como as satrapias do Médio Oriente impostas e sustentadas pelas tropas neocoloniais dos EUA e dos seus cipaios europeus. No entanto nem um só destes regimes sanguinários alguma vez saiu fora do conceito de "sociedade livre de mercado".

A realidade é que o imperialismo vem declarando guerra a toda a sociedade livre e democrática ali onde ela surja e se oponha aos seus interesses de predador. Pode servir como exemplo a sinceridade brutal com que se manifestou H. Kissinger perante o golpe fascista contra a democracia chilena do 11 de Setembro de 1973. À pergunta do que se devia preservar, se a democracia ou a economia, o então secretário de Estado de Washington respondeu sem hesitar: "a economia". [2]

Torna-se assim evidente que o prioritário está na segunda parte da frase em questão, no "livre mercado".

Porém, se observarmos um pouco mais de perto o defensor estrénuo desta liberdade de mercado, os Estados Unidos, e se deitarmos uma olhadela à sua legislação, verificamos que não existe nenhum outro país no mundo que tenha imposto tantas leis restritivas à liberdade de mercado e de comércio. Como se sabe, estas restrições à livre circulação de mercadorias constituem a principal causa da pobreza do que se costuma chamar o Terceiro Mundo, ou seja, da maioria dos países.

Esta linguagem falsa, conscientemente elaborada para enganar, cada vez convence a menos e indigna a mais cidadãos, sejam eles dos países pobres ou dos ricos. Os protestos multitudinários de Seattle, Génova, Hong Kong, etc., aumentam ano após ano os níveis de consciência. A cada dia são mais numerosos os artigos, os livros e os organismos populares que denunciam esta situação injusta e falsa. Como diz Siv O'Neal, "O conceito de livre comércio erigido pelos ricos em salvador do mundo da pobreza e do aumento do desemprego e da horrenda desigualdade não é senão um acto de prestidigitação, uma ilusão vazia. É uma maneira de nos enganar a todos para que continuemos a acreditar que algo de positivo poderia alguma vez brotar desse imenso logro". [3]

Contudo a realidade dos factos é casmurra e põe a descoberto a falácia de tal linguagem. As desigualdades entre ricos e pobres aumentam em vez de se reduzirem. Sem incluir os milhões que existem nos EUA., 852 milhões de pessoas passam fome neste mundo, outros 815 milhões sofrem de desnutrição, 1.200 milhões vivem com menos de 1 dólar por dia, 250 milhões de crianças realizam trabalho em condições de semi-escravatura, sem mencionar as carências em medicamentos, em escolas e noutros direitos humanos fundamentais. A esperança de vida em África reduziu-se a 40 anos.

Julio Yao resumiu na perfeição o que o capitalismo oculta por detrás do conceito de livre comércio. Na comunicação que apresentou ao Encontro Internacional de "Propostas Alternativas na Agricultura, Acesso a Mercados, Comércio e Meio Ambiente, em alternativa à da Conferência Ministerial da OMC", expressa-o assim:

À luz da história, o "livre comércio" é um eufemismo que entranha um conflito semântico, uma contradição intrínseca. Que liberdade reconheceram os europeus aos povos africanos quando repartiram entre si esse continente sem pedir autorização aos verdadeiros donos? Que liberdade tinham esses povos africanos quando se os obrigou a firmar centenas de acordos comerciais e territoriais, de resto todos eles violados pelos europeus? De que liberdade gozavam os povos africanos se nem sequer tinham liberdade para ser pessoas, quando foram submetidos à escravatura, ao tráfico e comércio de escravos, para enriquecer tanto a Europa como os Estados Unidos nas plantações, nas fábricas e cidades? Que liberdade tiveram os peles-vermelhas, os Sioux, os Cheyennes e outras nações da América do Norte para regulamentar o seu comércio com os invasores quando a única liberdade que se lhes permitiu foi a de entregarem incondicionalmente todas as suas riquezas, possessões e patrimónios, as suas vidas? Que liberdade tinham os cubanos quando lhes impuseram em 1903 a Emenda Platt e quando lhes ocuparam Guantánamo? Que liberdade tinham os panamenhos quando em 1903 os Estados Unidos lhes impuseram um Tratado assinado por um estrangeiro [NT2] , mediante o qual o Canal, construído para o "livre comércio", permaneceria em perpetuidade nas mãos dos Estados Unidos, sem se permiti
r sequer ao Panamá o comércio na antiga Zona do Canal?
Aí estão a confirmá-lo, depositadas na Secretaria-Geral das Nações Unidas, as reclamações desses povoadores indígenas ao governo federal dos Estados Unidos pelas violações de centenas de tratados subscritos durante o século XIX. No "livre comércio" de hoje não há mais liberdade do que a que gozaram os escravos e servos para negociar o seu labor, ou seja, a sua produção, o seu património e a sua vida, com os esclavagistas e senhores feudais. Por outras palavras: nenhuma! E é esta a realidade do nosso sistema internacional e do comércio internacional: o seu carácter profundamente assimétrico e feudal. Não há livre comércio quando as partes negociantes ou contratantes actuam a partir de uma base profundamente desigual de poder. Não há livre comércio quando o objecto da negociação – o comércio internacional – está rodeado de circunstâncias estruturadas em manifesto benefício de uma das partes e em notório prejuízo da outra. Não há livre comércio quando o propósito da negociação é em si mesmo um objecto ilícito, algo que não é susceptível de ser negociado, como o é a forma e o conteúdo da vida dos povos. Não há livre comércio quando a negociação obriga à aceitação de compromissos que atentam contra a ética, a solidariedade humana e o direito à vida. Não há livre comércio se os acordos são o resultado predeterminado e lógico das condições e estruturas que rodeiam a negociação. Não há livre comércio se não se produz a vontade das partes contratantes mediante o seu livre consentimento. Não há livre consentimento se a vontade de uma das partes foi forçada, por qualquer meio que seja, à aceitação de um acordo. Não há livre comércio se as partes negociantes ou contratantes não detêm capacidade jurídica para comprometer o destino dos nossos povos. E se nas negociações não se verificam nem o livre consentimento nem a capacidade plena das partes contratantes ou negociantes, então os acordos comerciais estão viciados de nulidade e carecem de validade jurídica." [4]

A liberdade de mercado e de comércio significa, por exemplo, que o Iraque não podia vender o seu petróleo para satisfazer as necessidades da sua população e desenvolver a sua economia, ou que a Espanha não pode exportar para a Venezuela 12 aviões defensivos porque contêm peças fabricadas por companhias estadunidenses. Mas o caso mais gritante é o de Cuba, que sofre um bloqueio há já 47 anos num persistente propósito de lhe afogar a economia, a sua soberania e, em última instância, a sua revolução. Os EUA, o paladino do "livre mercado" e da "liberdade de empresa", não só proíbem os seus nacionais de vender ou comprar produtos a Cuba, como também promulgaram leis que impõem castigos aos que comerciem com Cuba, ainda que não sejam cidadãos ou empresas estadunidenses. Vejam-se, por exemplo, as leis Torricelli e Helms-Burton. Nelas se legisla a respeito da organização da sociedade cubana uma vez que se reincorpore ao capitalismo. Estabelece-se, inclusivamente, um organismo dedicado à tutela dos órfãos provocados pela intervenção militar. A quantos pensam então matar? Que negócios já têm maquinados com essas crianças? A sua venda para adopção ou a dos seus órgãos para transplantes a crianças ricas?

Como afirmámos num outro texto [5] , "ao longo de milhares de anos, os seres humanos desenvolveram a linguagem para a compreensão e a cooperação na resolução das suas tarefas. Mas hoje em dia as palavras e os conceitos são conscientemente utilizados para lançar a confusão, para violentar o entendimento e, em última análise, impor significados que entram em contradição com a realidade.

A Bíblia (Génesis, 11) diz que Deus confundiu aqueles que construíam a torre de Babel para lhes deter o progresso da obra, tornando incompreensível o que diziam. E é como se o Sr. Helms, o Congresso e o Governo dos EUA, todos eles supostos conhecedores da Bíblia e acérrimos defensores da civilização cristã, se houvessem erigido em deuses modernos, ocupados em confundir as pessoas e em impedir que a humanidade avance em direcção a formas de convivência mais solidárias e justas do que as actuais. Assim, as palavras perderam o seu significado original, adoptando um sentido contrário. Ficámos sem linguagem compreensível.

Há mais de 150 anos, Karl Marx, um emigrante alemão estudioso do capitalismo e um combatente por uma outra ordem social, humana, dizia o que se segue no Manifesto Comunista: " Por liberdade, nas actuais condições da produção, entende-se a liberdade de comércio, a liberdade de comprar e vender." [6] E este tipo de sociedade, actualmente no apogeu do seu percurso, denomina-se a si própria "sociedade livre de mercado". Porém os seus porta-vozes e gendarmes mundiais, com o Sr. Helms à cabeça, negam pelo que fazem o que predicam. Bloqueia-se, embarga-se, promulgam-se leis que proíbem a tão badalada liberdade de comércio. Até bombardeiam colheitas e florestas com veneno (como no Vietname) e minam portos (como na Nicarágua) na mira de impedir a livre circulação de mercadorias e de pessoas. Agora até se persegue e castiga os que comerciem com os governos que não agradam ou não se submetem. Cúmulo dos cúmulos, e que o entenda quem puder, o Congresso norte-americano denomina isto de "Lei da Liberdade e de Solidariedade democrática com Cuba".

Nenhuma das sanguinárias ditaduras latino-americanas, nem do mundo, incluindo a de Pol Pot no Cambodja, foi derrubada por congressistas e militares norte-americanos que lutassem em prol da liberdade desses povos. Nem a Pinochet, nem a Somoza, nem a Trujillo, nem a tantos outros lhes foi imposta uma lei para a liberdade e a solidariedade. Todas as intervenções, e muitas houve, foram feitas e continuam a fazer-se para derrubar governos democraticamente eleitos ou para impedir que sejam eleitos. Allende no Chile, Juan Bosch na República Dominicana, Jacobo Arbenz na Guatemala, Fidel Castro em Cuba, Hugo Chávez na Venezuela, etc. Para os Helms e demais caudilhos da democracia, os "bons" são os que assassinam e fazem desaparecer milhares de pessoas, os que "limpam" as cidades de crianças ao abandono (35 milhões só na América Latina) matando-as porque perturbam a estética urbana, os que exaurem os seus países com desfalques nas caixas nacionais e vão depositar o dinheiro em Miami ou na Suíça, e assim sucessivamente. Os "maus", pelo contrário, são os que constroem escolas, fazem baixar a mortalidade infantil e dão uma resposta social à pobreza, os que se esforçam por defender o humilde, os que se esforçam por melhorar as condições de vida e de trabalho dos seus povos.

Defender o colectivo, o que é comum, solidário, o humano, é barbárie. Enquanto que a prática do egoísmo, a lei do mais forte, a lei da selva, ainda que seja de asfalto, é civilização.

A família está na base da cultura cristã que o Sr. Helms e os legisladores norte-americanos defendem e propugnam. Mas as leis que elaboram proíbem os cubanos residentes ou com nacionalidade norte-americana de ajudar os seus familiares necessitados em Cuba. Praticar obras de misericórdia como, por exemplo, ajudar com medicamentos os doentes cubanos que deles necessitam é, segundo a Lei da Liberdade e da Solidariedade de Helms-Burton, "traficar com o inimigo" e, portanto, uma acção merecedora das mais severas penas. Ou seja, esta lei, mais ainda do que as anteriores, castiga aqueles que ajudam e premeia os que exploram o próximo.

Os defensores da paz, como se auto-intitulam os gendarmes do mundo, utilizam a linguagem da guerra, ainda que não a declarem mas contudo a pratiquem. Esta Lei da Solidariedade exige que sejam devolvidas aos seus anteriores proprietários as propriedades que o governo revolucionário confiscou. Se assim fosse, Cuba inteira passaria a ser propriedade de cidadãos norte-americanos, dado que os hectares que esses "danificados" reclamam excedem em muito a superfície total da ilha. Que restaria então da soberania tão exaltada pela própria Constituição ianque? Até que ponto estão dispostos a aplicar a si próprios a lei que querem impor aos outros e devolver aos seus proprietários originais, neste caso proprietários colectivos, ou seja, às tribos índias da América do Norte, as terras que lhes arrebataram a tiro nos séculos XVIII e XIX?

Na escola aprendemos que o sol se levanta a Oriente e se põe a Ocidente, e que o Japão é o país mais a Oriente, o país do sol nascente. Não senhor! Na linguagem dos Helms, o Japão é um país ocidental e Cuba, oriental. Os exemplos são tantos que cada um poderá encontrar os que quiser. Praticar-se-ia desse modo um bom exercício de saúde mental.

Este uso da linguagem para confundir já o aplicaram antes Goebbels e os seus acólitos nazis e fascistas. Portanto: Heil, Helms! Deus o salve a si e ao seu Congresso, e ao "friendly fascism" que querem impor ao mundo.

Isto, francamente, já não há quem o entenda. Haverá que destruir a moderna torre de Babel e recuperar a clareza das palavras. Até da linguagem nos privaram. Amplia-se a democracia aumentando, com o conhecimento, o número de pessoas que são capazes de reconhecer e articular os seus interesses e necessidades. Porém, não confundindo-as. Precisamente por isso é que a realidade é o melhor modificador da consciência, a que acaba por se impor. Daí que a tarefa primordial dos ampliadores de consciência, dos jornalistas, escritores, artistas, cineastas, etc., seja mostrar a realidade tal qual ela é. Assim se verá o que nela há a modificar.

É também por isso que não podemos fazer outra coisa senão solidarizar-nos com a declaração dos escritores e artistas cubanos quando afirmam: "Lutamos e criamos pela beleza, pela justiça, pela solidariedade e a dignidade. Nem o ódio, nem a sem-razão, nem a soberba que tornam cega a política anticubana do Governo e do Congresso dos Estado Unidos conseguirão afastar-nos de tão nobres causas."

Não obstante tudo isto, o imperialismo não pára de proclamar a "liberdade de empresa", um dos princípios sagrados dos inícios do capitalismo (Adam Smith).

A liberdade de empresa, a livre circulação de mercadorias e capitais, é o princípio fundacional, a trave mestra da formação social capitalista. Este imperativo categórico tem sido o argumento terminante utilizado contra toda a tentativa de organizar a sociedade de uma outra maneira. Daí que, por contraposição, o socialismo, que se propõe regular a liberdade burguesa de comprar e vender, não seja considerado uma sociedade livre, isto é, se rejeite como carente de mercado.

Vejamos porém alguns exemplos concretos de como entendem os EUA e os seus sócios do Primeiro Mundo esta liberdade de mercado.

Os Estados Unidos são o país que mais restrições impõe à importação de mercadorias de outros países. Quem disso duvide que leia a legislação aplicável e os acordos da Organização Mundial do Comércio. Ou que o pergunte aos governos dos muitos países pobres que tantas dificuldades têm para vender os seus produtos em condições de igualdade aos poucos países ricos. Não contente com isto, proíbe as exportações para os países que não se submetem aos ditames dos interesses das empresas e governantes ianques. Inclusivamente são-lhes impostos bloqueios e embargos, como aquele que Cuba sofre desde há 47 anos. Se necessário, minam-se os portos de acesso ou afundam-se a tiros de canhão os barcos que levam alimentos a esses povos, como sucedeu no caso da Nicarágua. Arruínam-se por todos os meios, ataques bacteriológicos e químicos incluídos, as economias de países e continentes, Vietname, Iraque, África ou América Latina. Os camponeses do Iraque não poderão mais usar as suas sementes. Vão ter que pagar patentes a à Monsanto e à Cargill.

Mas a mãe de todas as infâmias é aquela que nega a saúde e o direito à vida de povos inteiros com o pretexto de que assim o exige a defesa dos seus interesses nacionais, leia-se o lucro das suas empresas privadas. Assim, no dia 18 de Janeiro de 2003, o Governo dos EUA impediu que a OMC (Organização Mundial do Comércio) regulamentasse o acesso dos países pobres a medicamentos mais baratos, e até que se discutisse uma proposta brasileira que lhes permitia a compra de genéricos. O fundamentalismo da Administração Bush levou-a ao corte da sua quota para o Fundo da População das Nações Unidas (FNUAP), com a desculpa de que este organismo favorece o aborto. No entanto estes mesmos fundamentalistas já não se fazem o menor reproche quando gastam milhares e milhares de milhões de dólares em armas para massacrar seres humanos, crianças inclusive, pois claro.

As cadeias livres da televisão norte-americana (ABC, CBS, NBC) não sentem qualquer vergonha em apresentar os africanos como responsáveis pelas suas terríveis fomes e epidemias, como o demonstra um estudo efectuado pela revista Extra! (Dezembro de 2002). Estes grandes meios de comunicação, livres e democráticos, esquecem-se sempre de nomear os verdadeiros causadores de tantas desgraças, como foi denunciado na Cimeira de Joanesburgo, à qual Bush se negou a assistir.

Como é bem sabido, o Haiti, o primeiro país americano a emancipar-se da dependência colonial e a abolir a escravatura, é também o mais pobre do hemisfério. "Ali – diz Eduardo Galeano – "Há mais lava-pés que engraxadores: são os meninos que a troco de uma moeda lavam os pés dos clientes descalços, que não têm sapatos para engraxar." [7] Oitenta por cento da sua população de 8 milhões vive na mais absoluta pobreza. Durante várias décadas o país esteve sob o jugo da ditadura sanguinária de Papa Doc Duvalier e do seu filho Baby Doc, com os seus tontons macoutes a aterrorizarem a população pelo método dos assassínios arbitrários. Os EUA nunca levantaram a menor objecção, havendo-os apoiado com elevadas subvenções e ajudas.

Pois bem, após a eleição democrática de Jean-Bertrand Aristide em 1990, reeleito em Novembro de 2000, os EUA bloquearam as ajudas e os empréstimos ao Haití, e utilizaram o seu veto no BID (Banco Inter-americano de Desenvolvimento) para manter o embargo a este pequeno e empobrecido país. As ajudas vetadas, 30 milhões de dólares para saúde e 300 milhões para infra-estruturas e educação, teriam melhorado consideravelmente a assistência médica e evitado muitas mortes desnecessárias. Para fazermos uma ideia da dimensão desta perversidade basta pensar que um só dos centos de mísseis de cruzeiro lançados contra o Afeganistão e o Iraque custa 400 milhões de dólares. Como denuncia a ONG estadunidense Zanmi Lasante, este embargo está a penalizar um povo que apenas cometeu o "crime" de eleger, livremente e por ampla maioria, o seu presidente.

De modo análogo, e com o sempiterno pretexto da defesa dos seus interesses comerciais, os EUA vetaram em 2001 a adopção de um Protocolo de Convénio de Armas Biológicas, recusaram o Protocolo de Quioto sobre a Mudança Climática, negaram-se a assinar o Tratado de Proibição de Minas anti-pessoais, que tantas crianças matam e tornam inválidas, assim como o Tribunal Internacional sobre Crimes de Guerra, etc, etc.

Relativamente à sua política no Próximo e Médio Oriente e ao seu apoio às tiranias que ali existem, James Woosley, antigo director da CIA, justificava-a assim numa conferência que pronunciou a 14 de Novembro de 2002 na Universidade de Oxford: "Uma das razões pelas quais não temos mais democracias no Oriente Médio é porque fizemos do Oriente Médio a nossa gasolineira".

Com tais atitudes, cada será mais difícil aos EUA alardearem perante o mundo que são o garante das liberdades. É que o ser humano tem a capacidade de pensar. E, por conseguinte, a maioria dos homens e mulheres deste mundo está a aperceber-se de que o seu império económico-militar se vai deteriorando com o desmoronar do seu império moral. Já apenas conseguem convencer as escassas minorias que lucram com a sua política desumana.

A contundente ironia de El Roto resume esta liberdade numa das suas mordazes vinhetas com esta frase lapidar: “Chamam-no sistema de livre troca, mas se tentares trocá-lo despedem-te”.

Em suma, a liberdade de comércio e de mercado reduz-se apenas à liberdade dos ricos de venderem aos pobres os seus produtos e serviços.

O "neoliberalismo" martela-nos o cérebro com uma surriada de falsos termos que disfarçam e embelezam as suas ações depredadoras e desumanas. Entre os quais se destacam os seguintes: competitividade, eficiência, produtividade, flexibilidade, globalização, monetarismo.


Competitividade

A livre competição é um dos argumentos mais falazes que o capitalismo difunde. Está de tal maneira enraizado na consciência social que até os representantes da esquerda tradicional européia o aceitam. O imperativo categórico desta organização social é que a economia tem de ser competitiva, que para ter êxito na vida há que competir, temos de ser competitivos. No entanto a biologia evolucionista diz-nos que a humanidade surgiu da cooperação e da solidariedade. A competição, a luta por um pequeno território e pelo alimento nesse pequeno território é a lei da selva, a animalidade. Os hominídeos desprenderam-se da sua animalidade e converteram-se em seres humanos à medida que foram cooperando solidariamente na conquista do seu meio. Defender apenas e só praticar a competição equivale a proclamar a lei da selva como principio reitor de nosso comportamento, destacar o que é animal contra o que é humano. O capitalismo nega assim a verdadeira natureza do ser humano, a sua índole solidária e cooperante. O capitalismo é, pois, a negação humana, a inumanidade. Carlos Marx, que dedicou a sua vida ao estudo do capitalismo, escreveu, há mais de 150 anos, isto sobre a competição:

"A competição isola os indivíduos,não apenas os burgueses, mas mais ainda os proletários, fazendo-os enfrentarem-se entre si, apesar do que os aglutina. Daí que tenha que passar muito tempo antes que estes indivíduos se possam agrupar, à parte de que para este agrupamento – se ele não for puramente local – tem que começar por oferecer a grande indústria os meios necessários, as grandes cidades industriais e os meios de comunicação rápidos e baratos, razão pela qual só é possível vencer após longas lutas qualquer poder organizado que enfrente estes indivíduos isolados e que vivem em condições que diariamente reproduzem o seu isolamento. Pedir o contrário seria o mesmo que pedir que a competição não existisse nesta determinada época histórica ou que os indivíduos pudessem varrer da cabeça aquelas relações sobre as quais, como indivíduos isolados, não têm o menor controlo." [8]

Eficiência

O dicionário define-a como a virtude ou faculdade para produzir um determinado efeito. A rotina – o "dar à manivela", o "dar à nora" – da produção capitalista implica a ação conjunta de vários processos. Os diversos agentes econômicos que atuam no capitalismo tendem à maximização do benefício e ao crescimento econômico. É isto que os economistas do sistema denominam "eficiência". A palavra soa bem. Mas o que ela na realidade significa é a redução dos custos laborais e o uso crescente da tecnologia. Isto é, despedimentos cada vez mais frequentes e numerosos, vencimentos cada vez mais baixos, emprego cada vez mais precário. Em suma, a aceleração da "nora" [NT3] do capital, o aumento da "eficiência" traduz-se em maiores custos sociais.


Produtividade

A eficiência costuma vir acompanhada do conceito de produtividade. Dizem-nos que o aumento da produtividade é essencial. Mas se olharmos mais de perto, o termo produtividade mostra-se, no mínimo, ambíguo, em particular quando se aplica ao conjunto da economia. É algo difícil de medir. Assim, se um grupo de trabalhadores aumenta a produção de uma empresa à custa da sua saúde, é boa a produtividade?

Como se sabe, gerou-se ao longo dos últimos decênios um enorme abismo entre os benefícios da produtividade e os salários dos trabalhadores. As fantasias dos economistas do sistema procuram fazer-nos crer que o aumento da produtividade se traduz em maiores salários. Qualquer um de nós pode comprovar que isto é uma falácia. A realidade é a precariedade no emprego, os «contratos lixo», o trabalho semi-escravo para sobreviver de mulheres e crianças, etc.

A ênfase dos economistas oficiais na tecnologia como factor decisivo e a sua identificação com o livre comércio é vendida como um benefício evidente para os trabalhadores. Porém, para além dos «contratos lixo», o resultado foi aquilo que se denomina por deslocalização (externalização), tanto do trabalho especializado como do não especializado.

Flexibilidade

Assim, para facilitar aos empresários os despedimentos, fala-se de "flexibilidade", um conceito que é visto como panacéia para resolver todos os problemas da economia. Na realidade ele é um termo bem doloroso para todo trabalhador e trabalhadora desempregado/a. E quando um setor da economia ou uma empresa apresenta perdas? Diz-se que teve um "crescimento negativo". Usa-se este conceito de "prejuízo" para indicar que uma empresa veio a ganhar menos que no ano anterior, por exemplo, que ganhou 32.000 milhões em vez dos 35.000 milhões do exercício anterior.

A população de um país é coisificada como "capital humano, "material humano", "recursos", "consumidores", etc. Semelhante linguagem de desprezo pelo ser humano tem por encargo a inclusão nos balanços de algo que não é calculável, contável. E se prescindirmos do seu conteúdo religioso do século XVI, que significado tem hoje a palavra "reforma"? O dicionário do idioma recolhe o seu sentido positivo de inovação ou melhoria de algo. Quando se fala de inovação e melhoramento de uma sociedade usa-se o termo «revolução», e para o "fazer marcha-atrás", o de «contra-revolução». Porém, quando se trata de dar a reviravolta nas reformas que melhoraram a sociedade, já não se encontra no dicionário a palavra "contra-reforma".

Fazem-se reformas numa casa para a melhorar, não para piorá-la. Mas aplicando-se a reforma ao emprego já não é assim.

O Banco Mundial reconheceu que as reformas do governo militar transformaram o Chile num laboratório da "escola de Chicago", e que o público não foi informado das mudanças efectuadas. A esta experiência chamou-se "uma lição de pragmatismo". Bom, considerando que o Banco Mundial apoiou Pinochet, a designação reflecte, ao menos, o próprio pragmatismo do Banco.

Globalização

Com a extensão do capitalismo a todo o mundo, a linguagem do império introduziu um novo conceito, o de globalização. Quer-se significar com ele a generalização do modelo capitalista à economia mundial, a desregulamentação dos entraves nacionais à livre circulação de capitais e empresas (externalização), em suma, a uniformidade do mercado. Este fenómeno leva implícita a mundialização da consciência, a uniformidade do pensamento e da linguagem.

Sim, a globalização do capitalismo aumentou a interconexão e interdependência dos Estados e das economias, a velocidade de circulação do capital e das comunicações. E, juntamente com tudo isso, também a amplitude dos movimentos humanos, as migrações voluntárias ou forçadas de milhões de seres humanos. Acelerou ainda o fluxo de riquezas que corre dos muitos países pobres para os poucos países ricos, na inseparável companhia do agravamento da dívida externa.

A globalização neoliberal trouxe benefícios imensos para o capital, seja ele financeiro, especulativo, depredador. O saque do Iraque pela Autoridade Provisória da Coligação, um eufemismo para a ocupação norte-americana e britânica deste país mártir, é um bom exemplo da livre circulação de capitais. Milhares e milhares de milhões de dólares desapareceram do país sem que ninguém saiba a que contas correntes foram parar. [9]

Assim, muito longe de trazer a liberdade e o bem-estar ao mundo, esta globalização capitalista impôs ao mundo a direita radical, o neofascismo. A prometida prosperidade e erradicação da pobreza e da fome saldou-se por um rotundo fracasso. Foram incrementadas as desigualdades, propagadas as toxinas na cadeia alimentar, piorada a saúde, proletarizadas as classes médias, como se viu na Argentina ou Brasil, e mais e muito mais.

Como ilustração da liberdade de capitais sirva-nos o facto de que, desde 1970 até 2006, os países pobres já pagaram por 30 vezes a importância da dívida contraída com os organismos financeiros dos ricos. E se tomarmos em consideração os capitais evadidos para esse primeiro mundo, o preço eleva-se a 80 vezes o montante da dívida. É esta a tão cacarejada liberdade de movimento e de circulação dos capitais.

Que artimanhas linguísticas poderão ainda valer ao capitalismo que nos tenta convencer de que isto é progresso? Para os detentores do capital, sim. Mas para a imensa maioria da população mundial apenas significa maior empobrecimento e mais angústia. Os beneficiários são as indústrias de armamento, as petrolíferas, os interesses financeiros do império.


Não obstante, dia após dia aumentam os grupos sociais e povos que despertam deste logro e que empreendem acções de emancipação. Aí estão a confirmá-lo a ALBA (Alternativa Bolivariana para a América) que confronta a ALCA (Área de Livre Comércio para as Américas) patrocinada pelos EUA, a Revolução Bolivariana da Venezuela, o triunfo do índio aymará Evo Morales e do seu MAS (Movimento ao Socialismo) na Bolívia, os movimentos indígenas do Peru, México, etc. "Contra a globalização imperialista" – afirma Alfonso Sastre – "nós, os vermelhos, temos as armas da solidariedade e do internacionalismo". [10]

A consciência de que a liberdade de comércio apenas se traduz na pobreza e na sujeição dos países pobres da América, Ásia e África espalha-se como mancha de óleo. Veja-se, a título de exemplo, a resolução dos sindicatos do Sul da África, adoptada em Windhoek, a capital da Namíbia, a 7 de Dezembro de 2005. [11]

Monetarização


Na "sociedade livre de mercado" tudo se converte em dinheiro, a mercadoria universal. Não só se mercantilizam os produtos do trabalho, os objectos criados pelo engenho humano, como também os sentimentos, as carências e angústias, até as próprias pessoas. É o capital financeiro em todo o seu esplendor.

A monetarização é um artifício do capital para extrair aos mais pobres o pouco que ainda lhes resta do Estado social. Assim, na Federação Russa, o que sobrou da extinta União de Repúblicas Socialistas Soviéticas, os recém-chegados capitalistas que a governam descobriram a magia da monetarização mediante a qual as antigas prestações sociais são convertidas em moeda de curso legal. As ajudas que no anterior regime socialista permitiam aos mais desvalidos sobreviver, substituiu-as o atual regime capitalista por umas moedas.

Os subsídios de transporte, habitação, alimentação, assistência de saúde, etc, representavam para muitos a sobrevivência. O habilidoso governo de Putin resolveu cambiá-los em 100 rublos. Agora os pobres têm de pagar por esses serviços 500 rublos no "mercado livre". Não é, portanto, de estranhar que a população da Rússia diminua a cada ano de um milhão de pessoas, nem que a esperança de vida se haja reduzido em mais de dez anos ocupando agora a 136ª posição no mundo, nem que se vendam crianças para lhes traficar os órgãos, nem que um terço dos russos não chegue vivo à idade da reforma, nem que o suicídio seja a principal causa de morte. Estas são, entre outras, as vantagens da monetarização.


Desmaterialização

Uma das conseqüências desta contaminação linguística do vocabulário da economia é a desmaterialização, a abstração de toda a referência à materialidade dos processos sociais.

"A morte da distância", "O mundo tênue", a "Economia digital", "A organização virtual", são alguns dos títulos de livros publicados nos finais dos anos 90, na passagem do século, em pleno apogeu da globalização. Os prefixos "ciber", "tele" ou simplesmente "e" (de electrónica), os adjectivos "virtual" ou "em rede" podem ser apostos a uma série quase infinita de substantivos abstratos. No âmbito da economia, por exemplo, precedendo "empresa", "loja", "comércio", "trabalho", "banca", "compra", etc. Podem igualmente aplicar-se noutros âmbitos, como "cultura", "política", "democracia", "sexo", "espaço", etc.

Tem-se a sensação que surgiu algo de novo. O mundo, tal como o conhecemos, está a desmaterializar-se, a esfumar-se, desvanecer-se. É como se a atividade humana se houvesse reduzido à mera manipulação de abstrações perante a desaparição do mundo empírico.

Surgiu uma nova ortodoxia para a qual a única fonte de valor é o "conhecimento". O trabalho é algo de contingente e deslocalizável, a globalização é inexorável e inevitável. Seria por conseguinte inútil resistir-lhe.

Ursula Huws posiciona-se em contracorrente e pergunta-se até que ponto será certo que se tenha desmaterializado a economia, se expandam os serviços e que contributo trouxe o "conhecimento", isto é, as TIC (Tecnologias da Informação e da Comunicação), ao crescimento econômico. [12]

Teríamos assim um mundo paradisíaco de geografia sem distância, história sem tempo, valor sem peso, transações sem dinheiro. Em suma, a realidade como simulacro (Baudrillard), como ilusão.

Contudo, o fenômeno da deslocalização das fábricas dos países ricos do Primeiro Mundo para os pobres do Terceiro, o fato de que a imensa maioria da população continue sem ter acesso às TIC, ou seja, ao "conhecimento" tal como ele hoje é definido, que a terra continue a ser cultivada com máquinas modernas e pesadas, e o fato de que a todos os bens materiais haja que transportá-los de um local para outro, nada têm de ilusórios nem de "tênues". Eles não ocultam a realidade brutal, nada virtual, do caráter depredador, desumano, desta fase do capitalismo.

A matematização da economia leva a eufemismos tão encobridores como o de "crescimento negativo", para dizer menos lucros, ou o de "redistribuição negativa dos rendimentos", para significar empobrecimento dos trabalhadores e das massas populares.

Como já expusemos noutro local [13] , um dos princípios mais caros a este modelo de sociedade afirma que: "Uma situação econômica é ideal quando a economia se expande, sobem os salários e aumentam os lucros, há pleno emprego e os preços se mantêm relativamente estáveis".

Analisemos a que ações e omissões nos quer induzir este princípio. A frase abunda em pressupostos, em hipóteses por confirmar. E alinhava-as com tanta pressa que mal nos dá tempo de a questionar. Para desfazer hipóteses não há nada melhor do que fazer perguntas. Se fizermos as perguntas adequadas poderemos descobrir como é que a economia e os economistas se colocam ao serviço de interesses políticos específicos. Poderemos averiguar como é que propagam e inculcam uma bem interesseira cultura da economia.

Nem toda a gente está preparada para discernir as partes de um enunciado que contêm premissas falsas. E com frequência tampouco a instrução nos serve para grande coisa, sobretudo se carecemos de saber e meios especializados para analisar um enunciado e este não pode ser demonstrado pela lógica.

Se não nos bastam a experiência e o saber para reconhecermos a falsidade de uma premissa, resta-nos ainda aquele outro método útil para conseguirmos atingir o conhecimento que visamos. Quase todas as dúvidas de um enunciado podem ser esclarecidas com perguntas. Graças a elas as incertezas resolvem-se em conhecimento. E só o saber pode impedir que nas nossas cabeças surjam convicções falsas. Estas falsas certezas nascem das afirmações que não havemos examinado nem entendido.

Analisemos agora a mencionada definição de situação econômica ideal. Esta definição contém vários enunciados.

Um deles reza assim: "Uma situação econômica é ideal quando há...pleno emprego". Se aceitarmos este enunciado, aceitamos também o seu contrário: fora da situação ideal, no mundo real, não há pleno emprego. A realidade, e temos então que aceitá-la, é haver pessoas que não encontram qualquer trabalho, seja por serem demasiado velhas para que os consumidores de força de trabalho as contratem, seja porque estes as despedem. A última fórmula na moda para despedir diz mais ou menos isto: "Você foi considerado um elemento não indispensável". Uma tal frase significa que os trabalhadores não têm nenhuma garantia real de disporem de rendimentos certos. E se estamos de acordo com a hipótese também temos de aceitar que nos espoliem agora ou que nos atirem para uma situação de miséria financeira no futuro. Teremos pois de dizer: está certo que nos espoliem (que é pior não ser explorado do que sê-lo). Ao afirmar que o pleno emprego é uma situação ideal, e não um direito, estamos a enganar-nos a nós mesmos. A aceitar que devemos andar por aí a pedir trabalho, a considerar correcto que um qualquer, e a qualquer momento, possa decidir do que vai ser a nossa vida, se esse qualquer tiver herdado uma fábrica ou uma boa carteira de acções. É claro que o enunciado não corresponde aos nossos interesses. Assim, também nos podiam obrigar a aprender una frase como esta: "Uma situação económica é ideal quando, de 8 em 8 meses, oferecemos ao patrão o salário de um mês".

Outro dos enunciados afirma que "uma situação económica é ideal quando a economia se expande". É uma afirmação pouco clara. Porém lemo-la e ouvimo-la em todos os jornais e emissoras. Consideramo-la verdadeira porque os outros também a repetem. Dentro da nossa cabeça chega até a transformar-se numa certeza. Mas também esta se pode desmoronar à base de perguntas. Algumas afirmações só passam por verdadeiras porque a maioria as aceita, dado que de facto são falsas. Por isso têm tão ampla difusão, porque muito poucos as têm por verdadeiras. A maioria das pessoas crê que as representações, as idéias, sentimentos e conceitos provêm do interior das suas cabeças. Ignoram que elas percorrem o caminho inverso, de fora para dentro.

Sem que nos dêmos conta, o enunciado introduz na nossa consciência vários pressupostos. Um deles pretende fazer-nos crer que é útil produzir cada vez mais mercadorias e oferecer cada vez mais serviços. Isto pode ser proveitoso mas também pode ser prejudicial: depende dos produtos e dos serviços. Tampouco este pressuposto é esclarecido.

Um segundo pressuposto é o de que se pode consumir mais produzindo-se mais. Se isso fosse verdade, significaria que os trabalhadores podiam determinar como se empregar e distribuir os produtos do seu trabalho. Mas uma tal maravilha vai contra a lei. A lei determina que os produtores deixem uma parte do produto do seu trabalho nas mãos dos proprietários do capital, dos possuidores dos centros de produção.O que se passa nas fábricas demonstra que isso de "a maior rendimento mais consumo" é blá-blá-blá ou então mentira das grossas, dependendo da boca de que sai. Os que não sabem do que estão a falar passam por alto factos essenciais, e os que mentem silenciam-nos.

É bem sabido que as mulheres recebem um salário inferior ao dos homens quando executam o mesmo trabalho que estes. Assim, e mencionando tão só três dos países que costumam ser apontados como modelo, as vantagens dos preços dos produtos japoneses dependem em grande medida da exploração de mão-de-obra feminina barata. As mulheres japonesas ganham menos de metade do que ganham os homens e, tal como em Espanha e na maior parte do mundo, muitos dos trabalhos mais ingratos e desconsiderados são as mulheres a realizá-los. Cerca de 40% do trabalho feminino da produção social da Alemanha é efetuado sem que as mulheres cobrem o que quer que seja em troca. Nos Estados Unidos, o salário médio da mulher trabalhadora norte-americana equivale a apenas 58% do salário médio masculino. Também aqui são as mulheres que ocupam as categorias laborais mais baixas e precárias. A aludida economia em expansão não altera a reforçada exploração da mulher. A situação das mulheres trabalhadoras não se modifica porque trabalhem com maior rapidez ou produzam ainda mais.

Poder-se-ia começar por dizer que o aumento geral da produção supõe um tão grande benefício para todos que, em troca dele, a discriminação das mulheres se tornaria aceitável. A vantagem desse crescimento seria o melhor abastecimento dos cidadãos em bens de consumo. Uma outra vantagem residiria no embaratecimento dos produtos. Quantas mais unidades de um mesmo produto se fabricarem tanto mais baixos serão os custos de produção por unidade.

Entretanto, os estudos mostram que um melhor abastecimento da maioria em bens de consumo não depende tanto do aumento da produção como de que sejam produzidas outras mercadorias, de carácter útil, em maior quantidade.

Assim, por exemplo, os fabricantes de automóveis produzem cerca de 100 tipos diferentes de ignições que por fora nos parecem iguais. A maioria deles apenas se diferenciam pelas chaves, os contactos, o mecanismo eléctrico e mecânico, etc. Os fabricantes não conseguem pôr-se de acordo porque, ao que dizem, cada cliente tem os seus gostos próprios. Contudo, pelo menos metade da produção de ignições não satisfaz as necessidades técnicas das viaturas nem as dos compradores. Só satisfaz as necessidades de venda dos fabricantes.

Outro tanto se pode dizer das antenas. Em alguns centros de trabalho produzem-se motores eléctricos que não servem senão para levantar, pressionando um botão, as antenas dos carros quando vamos a conduzir. Os trabalhadores conhecem muitos outros exemplos de desperdício da sua força de trabalho, ou de produtos que só servem para destruir. E não há que recorrer como exemplo ao fabrico de armas, onde o desperdício é óbvio. Pense-se antes no truque das câmaras de filmar estreitas que não podem ser reparadas sem se partir a caixa que as contém.

Há uns anos atrás houve uma greve dos jornais em Nova Iorque que durou 80 dias. Durante esse tempo não saíram jornais e, por isso, não houve reclames comerciais, anúncios publicitários impressos. Os comerciantes nova-iorquinos queixaram-se das vendas terem descido vários milhares de milhões de dólares. As mercadorias que as pessoas não compraram durante esses 80 dias não lhes eram necessárias.

Esta não é a única prova de que com os reclames publicitários se podem incitar as pessoas a comprar coisas desnecessárias.

Os gastos em publicidade crescem, em percentagem, ao dobro do que cresce o PIB. No total, umas cinco ou seis super-companhias surgidas na década de 1990 dominam um mercado de cerca de 350 mil milhões anuais. Os gastos da indústria do reclame são também contados como produção. Numa economia em expansão aumentaria também esta forma de desperdício.

As mercadorias mais caras, destinadas a um pequeno sector de consumidores ricos, um Rolls Royce ou um grande iate, por exemplo, não são rentáveis para a TV. A televisão dispõe de audiências maciças e, por isso, é rentável anunciar bens de consumo maciço: sabão, detergentes, artigos de limpeza (compressas, desodorizantes) cosmética, alimentação, medicamentos sem receita.

Para quê incrementar a produção quando já se torna difícil convencer as pessoas de que determinadas mercadorias lhes são necessárias? E mal desaparecem os anúncios logo as pessoas compram menos. Atualmente produzem-se demasiadas mercadorias inúteis. A sua única utilidade reside no enriquecimento dos fabricantes que as produzem. Todavia não se produzem suficientes mercadorias úteis, como o demonstra a fome que há no mundo.

Apesar dos fabricantes produzirem mais mercadorias do que as que podem vender sem os gastos publicitários, nem por isso elas se tornam mais baratas. A cada ano produzem mais mercadorias, e a cada ano aumentam as suas vendas numa certa percentagem. Mas, apesar de haver maior oferta de mercadorias, os preços sobem. Os economistas não se cansam de afirmar que quanto mais se produza tanto mais se embaratecerão as coisas. Isto é verdade, porém as mercadorias só se tornam mais baratas na produção, não na venda. Os trabalhadores das fábricas perdem nelas a sua saúde para que de imediato subam os preços das coisas que têm que comprar. Quanto maior é o seu rendimento tanto mais caros se vendem os produtos do seu trabalho. Uma das principais vantagens da "expansão" económica, a saber, a redução dos custos, quem a embolsa são os empresários.

Os teóricos que afirmam que os preços baixam quando a produção aumenta, censuram-nos, dizendo que também baixariam se a gente não consumisse tanto. De repente, já não é válido o argumento anterior. Agora o argumento é este: os preços baixam ao aumentar a produção na condição de que as pessoas comprem apenas uma parte das mercadorias geradas por essa produção crescente; os preços só baixariam se uma parte das mercadorias não se vendesse. Mas então em que ficamos? É que a economia deve expandir-se precisamente para que a gente consuma mais, pelo menos é o que diz a teoria.

A teoria também diz que "o aumento da procura eleva os preços". Mas aos preços não os sobe a procura, sobem-nos os comerciantes. Estes aumentam os preços desde que encontrem compradores. Tudo isto não passa de uma pura e simples extorsão sobre as pessoas. Pois que a população não pode renunciar a muitas mercadorias e serviços ainda que estes sejam caros.

Outro argumento utilizado com frequência para explicar a subida dos preços é o de que "as reivindicações salariais pressionam à subida dos custos de produção". Isto soa ao ouvido de maneira convincente porque, visto por si só, é correto. Porém na produção de mercadorias intervêm também outros custos, além dos salários. Esses outros custos são quase três vezes mais altos.

A julgar pelas declarações de empresários e governantes, incluídos aqui os que se auto-intitulam de "socialistas", seriam os salários os culpados das crises econômicas. Por isso insistem, dia após dia, na necessidade de moderação, no congelamento e nos cortes salariais. Claro que o melhor seria que não houvesse assalariados, e assim tudo seria lucro. O crescente número de indigentes, tal como os seus filhos, poderiam ser transformados em conservas de carne, em salsichas, por exemplo, como sugeria mordazmente Jonathan Swift (1667-1745). Este escritor irlandês, autor de As viagens de Gulliver, demonstrou com cálculos bem precisos que muito se pode entesourar quando se carece por completo de escrúpulos e não se recua perante nada. Toda a riqueza é trabalho passado, efetuado anteriormente. O ouro nem sai por si só da rocha nem se mete sozinho nos cofres blindados dos bancos. Um bosque de abetos carece de valor se não houver trabalhadores que dêem aos troncos uma forma útil: vigas, tábuas, móveis. Aquele que possui muito dinheiro goza do direito às coisas que o trabalho criou. Sem esse direito aos produtos do trabalho não seria rico.

Se os trabalhadores e empregados entregam continuamente mais trabalho do que aquele que consomem há de ser possível seguir o rasto a este excedente. Sendo certo que sempre entregam mais do que aquilo que recebem, este "mais" tem de se encontrar em algum sítio, tem que se haver concretizado em saldo bancário, avião privado, fábrica, etc.

A distribuição da riqueza entre a população mostra para onde vão os valores produzidos pelos trabalhadores. Entre todas as opiniões que diariamente são elaboradas pela escola, a igreja, a imprensa, a rádio e a televisão, a mais propalada e a que mais tendência tem a permanecer é a de que o trabalhador autônomo não é explorado. As pessoas em causa aferram-se desesperadamente a esta opinião, como se no fundo soubessem que não é verdade. E ela é apresentada de uma forma que se revela perigosa para quem dela não comparta. Os especialistas astutos evitam a palavra "exploração" nos debates, a fim de não perderem a atenção e a benevolência do público que lhes paga. Fazem, pois, bem em explicar-se somente por cifras, e deixar as conclusões para os ouvintes. De resto, também é importante que as cifras saiam dos ministérios.

A opinião de que para eles já não há mais exploração nutre-se de um erro de lógica. As vítimas desta opinião dão por fato consumado que bem-estar e exploração não podem andar juntos. E a sua prova de que não são explorados é outra opinião: a de que a eles as coisas correm bem. Podemos discutir sobre este tema de a uma pessoa as coisas correrem bem porque ela o crê.

Porquanto, se a uma pessoa a exploram ou não, é algo que não tem nada que ver com os seus sentimentos nem com sua forma de pensar. O fato de que alguém seja ou não explorado depende de se é obrigado a enriquecer a outros. Também será explorado quando não se dê conta de que enriquece a outros, ou quando não quer admitir que seja assim. O escravo é mais consciente da sua situação do que o semi-escravo. E, de resto, também há escravos contentes.

O trabalhador produz a cada hora mais dinheiro do que aquele que recebe. Outro tanto sucede com os empregados. Já se viu aonde vão parar esses valores. Também já foi referido como diminui a parte dos salários nos custos de produção.

Se é correta a afirmação dos fabricantes de opinião e intermediários públicos da informação de que vivemos numa democracia, terá então de concluir-se que os trabalhadores e os pequenos e médios empresários decidiram gastar-se uns quantos bilhões entregando-os aos consórcios e grandes empresários, tendo resolvido, assim, renunciar a piscinas, instalações recreativas, hospitais e escolas.

Os ricos empregam diversos métodos para a redistribuição dos produtos do trabalho. Um deles consiste na subida excessiva dos preços. Um outro é a introdução de horas extraordinárias. (Numa máquina podem-se trabalhar 8 horas ou 12; a máquina custa em ambos os casos o mesmo, mas rende mais quando funciona 12 horas.) Um terceiro método baseia-se na produção de mercadorias com escasso valor de uso. A inutilidade de certos produtos é um dos efeitos mais perversos do domínio privado dos meios de produção. Destrói milhões de horas de trabalho para um fim absurdo. Quanto mais imprestável seja uma mercadoria mais cedo a terá de substituir o comprador. Substituir um objeto significa comprá-lo de novo. Comprar um objeto significa entregar força de trabalho em troca dele. Serve a confirmá-lo o banal exemplo das meias de fibra artificial que nunca se rompem. No entanto as nossas mulheres são obrigadas a comprar a cada passo novas meias. Para gastos absurdos como este têm de trabalhar tanto as mulheres como os maridos. E para a maioria isso quer dizer trabalhar grátis uma parte do seu tempo para um empresário privado. A confirmá-lo temos também a famosa lâmpada indestrutível, símbolo insuperável da razão social. Algo de semelhante acontece com a maioria dos objetos de uso. Nos laboratórios dos grandes consórcios industriais, os melhores cientistas, formados em instituições públicas, ou seja, financiadas com o dinheiro público, do povo, aplicam-se na elaboração de métodos que os fabricantes aproveitam de modo a reduzir a vida útil dos bens de consumo. A vida de um eixo, de uma mola, de um motor, de uma máquina de lavar roupa ou de um frigorífico pode ser reduzida através das correspondentes ligas de metais a utilizar. Os cientistas chamam a isto "obsolescência incorporada". No entanto um alto funcionário da indústria automobilística declarou, há alguns anos atrás, que já não é nenhum problema construir carros que funcionem durante cem anos sem ser necessária qualquer reparação. Quando já não se pode reduzir mais na duração dos materiais, o envelhecimento de um objeto é efetuado introduzindo-lhe pequenas modificações de forma. Isto é o que se verifica ano após ano na indústria do automóvel. Já vimos como o desperdício da força de trabalho se estende até às peças sobressalentes mais pequenas. Uma outra forma de desperdício imposta à massa da população, também já referida, é o reclame publicitário, isso que eufemisticamente se chama "Publicidade". Estima-se que entre 30% a 45% do preço dos produtos seja para pagar os reclames publicitários.

O esbanjar planificado da nossa força de trabalho (do nosso biotempo), das nossas reservas de matérias-primas (carvão, petróleo, gás natural, água, de tudo o que provém da terra), é uma das principais causas de que não tenhamos suficientes escolas, hospitais, creches, espaços recreativos para crianças, jovens e adultos, residências para a terceira idade, teatros, habitações dignas, um meio ambiente mais limpo, etc. Hoje trabalham-se bastantes mais horas do que as que são marcadas pela jornada oficial dos convênios de trabalho. Não nos estamos a referir apenas às horas extraordinárias. Também há que incluir as horas dos pluri-empregos, os biscates, os numerosos trabalhos domésticos, todos eles destinados a obter rendimentos complementares ou a não fazer despesas que reduziriam o nosso nível de vida. Bem vistas as coisas, uns e outros vêm a dar no mesmo.

Muitas pessoas morrem por falta de rins artificiais. Segundo o último relatório da FAO (Outubro de 2005), uma terça parte da humanidade sofre de desnutrição e carece de água potável, 11 milhões de crianças morrem antes de atingirem os 5 anos de idade, 17.000 deles morrem de fome a cada dia, 121 milhões não vão à escola, 250 milhões realizam trabalhos escravos, e assim sucessivamente. Contudo há casacos de peles e jóias, aviões, iates, castelos e mansões particulares; milhões de toneladas de embalagens supérfluas, montanhas de sucata, e a "publicidade". Enquanto que nas mãos dos proprietários o trabalho se transforma em riqueza e poder, nas mãos dos trabalhadores converte-se em lixo. Cada piscina que não é construída metamorfoseia-se na mansão de um milionário, numa máquina que produz novas embalagens de margarina ou num anúncio de detergente com prémio.

Até hoje os trabalhadores não foram capazes de controlar sequer a pequena fração de trabalho necessária para que a humanidade disponha de um número suficiente de rins artificiais. Se a economia se "expande" nestas condições, expande-se também a desumanidade, a barbárie e a exploração. A tese de que "uma situação econômica é ideal quando a economia se expande..." é falsa. É um instrumento para a criação de submissos. Tampouco esta tese corresponde aos nossos interesses. É uma frase que brota da linguagem dos senhores. Mas a afirmação mais surpreendente de todas as que mencionamos até agora é a de que: "uma situação econômica é ideal quando... aumentam os lucros". O que, dito em termos dos nossos interesses, vem a significar: "Só podemos ser felizes quando trabalhamos grátis numa parte cada vez maior das nossas vidas para umas quantas pessoas com quem nada temos a ver". Mas este mofar da maioria da população entra de modo furtivo no cérebro como se se tratasse de uma afirmação científica.

A maioria de nós assegura o seu sustento e o das suas famílias mediante um salário. Unicamente os menos se dedicam a traficar com o trabalho dos mais. Os trabalhadores e empregados não obtêm lucros, não se enriquecem. Porque haveríamos de desejar lucros? Porque haveríamos de abrigar o desejo de trabalhar grátis para outros? É caricato esperar semelhante desejo da nossa parte. Contudo é precisamente isso que fazem os nossos planificadores da opinião. O que revela o quão fácil é induzir as pessoas a realizarem os desejos de outrem.

O que os teóricos da economia e fabricantes de opinião designam como lucro poderíamos nós utilizá-lo na forma de menos horas de trabalho, bens de consumo mais úteis, melhores habitações, meio ambiente mais saudável e diversões mais agradáveis.

A inutilidade da produção é um dos efeitos mais perversos do domínio privado dos meios de produção.


Notas

[1] Cf. Rauter, E. A.: Wie eine Meinung in einem Kopf entsteht. Über das Herstellen von Untertanen, München, 1971, p.12.

[2] Este criminoso de guerra, que para maior sarcasmo recebeu o Prémio Nobel da Paz juntamente com o general e político vietnamita Le Duc Tho em 1973, negociava então com o seu nu integral que se vendia em poster nos supermercados. O vietnamita renunciou ao prémio.

[3] O'Neal, Siv: "Os acordos de 'livre comércio' – Hipocrisia e ilusão", em www.axisoflogic.com, traduzido para Rebelión e Tlaxcala por Germán Leyens, publicado em Rebelión 11-01-2006.

[4] Celebrado em Caracas a 16 de Novembro de 2005, publicada por Rebelión em 20.11.2005.

[5] Cf. Romano, Vicente: Estampas, Barcelona 2004.

[6] K. Marx e F. Engels: Manifesto comunista (1848), capítulo 2.

[7] No seu livro "As veias abertas da América Latina".

[8] Marx, C., Engels, F., "A ideologia alemã", La Habana 1966, nota de C. Marx na p.67.

[9] Veja-se Khor, Martin: "Onde é que foi parar todo o dinheiro do Iraque?", Rebelión, 19-10-2005.

[10] Sastre, Alfonso: "A batalha dos intelectuais", La Habana 2003, p.40.

[11] Resumimos os parágrafos que consideramos mais pertinentes:

"PREOCUPADOS com os níveis de pobreza, desemprego e exclusão social em África; a falta de acesso à educação e formação, saúde, a proliferação de enfermidades e sobretudo do HIV/sida, da tuberculose, malária e outras doenças infecciosas; pelos prolongados conflitos em alguns países; a ameaça que representa não alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio; a falta de proteção social que afeta especialmente as mulheres, a juventude, as pessoas com incapacidades, tanto adultos como crianças, e a situação da maioria dos trabalhadores, sujeitos a más condições de saúde e segurança;



PREOCUPADOS ADEMAIS porque a globalização não regulada conduz a crescentes desigualdades, à erosão dos direitos dos trabalhadores, ao crescimento do desemprego, ao aumento do número de "working poor" sobretudo na economia informal, às privatizações, à redução do papel do Estado, a desvalorizações do dinheiro, à supressão de subsídios, a que os custos da saúde e da educação tenham de ser suportados pelos cidadãos; à desregulação dos mercados de trabalho;



CONSTERNADOS por algumas normas da OMC que representam um atentado contra os serviços públicos, tal como são postuladas no Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS), REAFIRMAMOS que os serviços públicos vitais – educação, saúde, água, transportes públicos e outros serviços de primeira necessidade – devem ser excluídos das negociações sobre a liberalização do comércio que decorrem sob os seus auspícios, e que os governos devem manter o direito de regular e proteger o interesse público;



ESPECIALMENTE ESTUPEFACTOS pelo facto de os medicamentos imprescindíveis à vida (para doenças como a Sida/HIV, tuberculose e malária) estarem a ser negados aos pobres devido à persistência dos países desenvolvidos em salvaguardar os direitos de propriedade intelectual, contidos no acordo TRIPS;

POR TODO O ANTERIOR, ACORDAMOS NO SEGUINTE:

3. - Apelar aos nossos governos para que impeçam a corrida em direção ao mais baixo, em que se vêm obrigados a competir uns contra os outros, aviltando nesse processo as normas do trabalho para atrair investimento estrangeiro direto.

7. - No sector agrícola, conclamamos os países desenvolvidos a eliminarem todos os tipos de barreiras alfandegárias e não alfandegárias sobre os produtos provenientes do Sul, e que o Acordo sobre Agricultura assegure o respeito pelos trabalhadores agrícolas, e promova a segurança alimentar para todos.

10. - Pedimos mais transparência e democracia nos acordos comerciais internacionais, incluindo os processos de tomada de decisão na OMC, e o acesso dos sindicatos e de representantes de outras organizações democráticas à OMC. "

[12] Cf. Huws, Ursula: "A criação de um cibertariado. Trabalho virtual num mundo real" , Nova Iorque-Londres, 2003, pp. 126 e ss.

[13] Cf. Romano, Vicente: "A formação da mentalidade submissa" , várias edições. Edição portuguesa: Deriva Editores , Porto, 2006, 165 pgs., ISBN 972-9250-20-0



Notas do tradutor

[NT1] O autor está aqui a referir-se às noções "escolásticas" dos economistas do capital sobre o trabalho. Numa piada grosseira, poderíamos dizer: se o trabalho trabalha, mande-o trabalhar e aproveite para ir passear ou ler um bom livro. O trabalho é apenas e tão só: o amigo leitor ou eu a trabalhar. E o trabalho também não é um factor de produção: ele é a produção; apenas e tão só: o trabalhador em acção, em acto.

[NT2] O cidadão francês Bunau-Varilla, designado como Enviado especial e Ministro plenipotenciário em Washington da acabada de formar República do Panamá. A 4 de Março formou-se o Governo provisório da nova República, e a 18 desse mesmo mês, já Bunau-Varilla, também representante da Nova Companhia do Canal do Panamá, assinava o tratado na capital norte-americana.

[NT3] A palavra "noria", em castelhano, além de significar aparelho para tirar água dos poços, como nora em português, também tem o sentido de um emprego ou negócio em que nada se adianta, embora se trabalhe muito.

O original encontra-se em http://www.eleconomista.cubaweb.cu/2006/nro296/296_031.html. Tradução de Jorge Almeida.

Fonte: http://resistir.info/varios/uso_perverso_linguagem.html


===============
Original:


El uso perverso de la lengua

Por Vicente Romano-Rebelión

Es frecuente que los seres humanos realicen acciones sin conocer su trasfondo. El hecho de que alguien haga algo no demuestra que sepa lo que hace. La particularidad de realizar un designio sin conocerlo se suele atribuir a las máquinas. El automóvil lleva a un destino sin tener conciencia del mismo. Es conducido a él. Pero, como dice E. Rauter, el hecho de que nos comportemos como máquinas sólo es raro en apariencia[1].

Así, hablar es un de las acciones humanas más frecuentes. La mayoría de los enunciados de la gente son falsos. El reclamo de la Banca propaga, por ejemplo, la afirmación "Ponga su dinero a trabajar con nosotros". Y muchos trabajadores dicen también "El dinero trabaja", aunque son ellos quienes lo hacen y no el dinero. Obreros y empleados repiten lo que han oído, ¿de dónde sacan estas ideas que ponen el mundo patas arriba?

Los profesores de economía afirman lo mismo en las escuelas y universidades desde hace muchos años. Dicen que la tierra, el capital, el trabajo y la publicidad comercial son factores de producción.

Pero el capital no hace nada, ni la tierra, ni el trabajo, ni mucho menos la publicidad comercial. Lo hacen los trabajadores, empleados y algunos empresarios. ¿A qué se debe entonces la persistencia de estas tergiversaciones, de estos falsos enunciados? Tal vez al efecto de esta forma de presentar la producción, a saber: que los trabajadores y empleados consideran el capital como algo más importante que ellos mismos, a pesar de que son ellos quienes crean el capital. Esta modestia es el efecto. Es una cualidad de los esclavos

El mundo empresarial consideró que la democracia había ido demasiado lejos en la década de 1960 y 1970. Baste recordar las revueltas universitarias contra la guerra de Vietnam en los EEUU, el mayo francés del 68 o el posterior junio de Berlín. Había que contrarrestar estos movimientos con campañas de propaganda directa o indirecta, influir en el contenido de las ideas académicas. Las subvenciones a la investigación aumentaron considerablemente. Pero este dinero adquirió un claro tinte ideológico con la creación de cátedras universitarias denominadas de "libre empresa". Su función consistía en invertir la tendencia antiempresarial dominante.

Numerosas fundaciones e institutos, como el American Enterprise Institute, grupos de expertos cooptados, los llamados tanques pensantes, dedicaron sus esfuerzos a la preparación y difusión de material educativo, programas de televisión, control ideológico de los medios, etc. Resumiendo mucho, estos recursos y esfuerzos culminaron poco después en la relación "universidad-empresa". Esta creación sometió la teoría económica a los intereses de las empresas, contaminándola. Las investigaciones se orientaron entonces al interés particular y no al general.

En los 80, con Reagan y la Tatcher, se impuso el denominado neoliberalismo, la desregulación y privatización de lo público. Se institucionalizó la apología del militarismo, sin entrar para nada en el análisis de los efectos del gasto militar en la inflación y la productividad. El paro se justificaba como "voluntario", como "tiempo de búsqueda de trabajo" por los trabajadores. Los controles medioambientales son improcedentes por sus elevados costes. Los economistas ignoran u ocultan sus beneficios sociales, incluido el de la salud de la población. Quienes expresan opiniones acordes con los intereses de las empresas reciben dinero abundante y disponen de todos los medios que deseen para publicar sus opiniones.

Una vez modelada la opinión profesional, su impacto en la pública equivale a un ejercicio brutal de violencia psicológica. Había que forzar el lenguaje para imponer al público la aceptación de una explicación de la realidad que no era más que pura ideología patronal.

En su fase actual, el capitalismo ha impuesto una serie de conceptos que camuflan su índole depredadora y contaminan las conciencias. Así, por ejemplo, desde hace unos decenios se define a sí mismo como sociedad libre de mercado.

Ahora bien, como en información no hay nada inocuo, la colocación del calificativo "libre" detrás de sociedad o delante de mercado se hace para destacar conscientemente que esta sociedad y este mercado son libres. Y eso, ¿por oposición a qué? A otras sociedades, a otras formas de organizar la convivencia humana y el intercambio económico que, según los ideólogos del capitalismo, ni son ni pueden ser libres.

Entre los conceptos más precisos de libertad están el de Baruch Spinoza, filósofo holandés hijo de emigrantes portugueses judíos, castellanizado Benito Espinosa, que la entendía como conocimiento de la necesidad, y el del biólogo evolucionista español Faustino Cordón, que la define como la capacidad para prever la acción futura. La concepción histórico-materialista entiende que la libertad consiste en el conocimiento de la necesidad objetiva y en la subsiguiente capacidad de aplicar conscientemente las leyes de la naturaleza y de la sociedad a fin de obtener un dominio creciente sobre ellas. La libertad incluye también las condiciones económicas, políticas, jurídicas, espirituales, colectivas y personales. De ahí que esté sometida a un proceso histórico.

En las condiciones actuales del tardocapitalismo, las libertades introducidas por la burguesía a lo largo de los siglos XVIII y XIX se fueron reduciendo a "la libertad de comprar y vender". Hoy día, la retórica de la "sociedad libre" presenta su cara más falaz. Sólo violentando al extremo el lenguaje podrían calificarse de sociedades libres todas las que durante el siglo XX estuvieron sometidas a las feroces dictaduras de los nazis, los tonton macoutes de Duvalier, los Trujillo, Somoza, Videla, Pinochet, Mobutu, Idi Amín, y tantos y tantos más. La lista podría hacerse interminable, hasta incluir las del siglo que acaba de iniciarse, como las satrapías de Oriente Medio impuestas y sostenidas por las tropas neocoloniales de los EEUU y sus cipayos europeos. Ni uno solo de estos sanguinarios regímenes ha caído nunca fuera del concepto de "sociedad libre de mercado"

La realidad es que el imperialismo le ha declarado la guerra a toda sociedad libre y democrática allí donde asoma y se opone a sus intereses depredadores. Como ilustración puede servir la brutal sinceridad con que se manifestó H. Kissinger ante el golpe fascista contra la democracia chilena el 11 de septiembre de 1973. A la pregunta de qué se debía salvar, si la democracia o la economía, el entonces Secretario de Estado de Washington respondió sin el menor titubeo: "la economía".[2]

Se evidencia, entonces, que lo prioritario es la segunda parte de la frase en cuestión, el "libre mercado".

Pero si se mira un poco más de cerca, el defensor a ultranza de esta libertad de mercado, los Estados Unidos, y se echa un vistazo a su legislación, no existe ningún país en el mundo que haya impuesto más leyes restrictivas a la libertad de mercado y de comercio. Como se sabe, estas restricciones a la libre circulación de mercancías son la causa principal de la pobreza de lo que se viene llamando el Tercer Mundo, esto es, la mayoría de los países.

Este falso lenguaje, diseñado conscientemente para engañar, cada vez convence a menos e indigna a más ciudadanos, ya sea de los países pobres o de los ricos. Las protestas multitudinarias de Seattle, Génova, Hong Kong, etc., elevan año tras año los niveles de conciencia. Cada día son más numerosos los artículos, los libros y los organismos populares que denuncian una situación injusta y falsa. Como dice Siv O’Neal, "El concepto de libre comercio enarbolado por los ricos como el salvador del mundo de la pobreza, el aumento del desempleo y la horrenda desigualdad no es más que un acto de prestidigitación, una ilusión vacía. Es una forma de engañarnos a todos para que creamos que algo positivo puede resultar de este inmenso engaño"[3]

Pero los hechos son muy tozudos y ponen al descubierto la falacia de este lenguaje. Las desigualdades entre ricos y pobres aumentan en vez de reducirse. Sin incluir los de EE.UU., 852 millones de personas pasan hambre en el mundo, otro 815 sufren desnutrición, 1.200 millones viven con menos de 1 dólar por día, 250 millones de niños realizan trabajos en condiciones de semiesclavitud, sin mencionar las carencias de medicamentos, escuelas y otros derechos humanos fundamentales. El promedio de vida en África se ha reducido a 40 años.

Julio Yao sintetiza perfectamente lo que el capitalismo oculta tras el concepto de libre comercio. En la ponencia presentada en el Encuentro Internacional de "Propuestas Alternativas en Agricultura, Acceso a Mercados, Comercio y Medio Ambiente, ante la Ministerial de la OMC", lo expresa así:

"A la luz de la historia, el 'libre comercio' es un eufemismo que entraña un conflicto semántico, una contradicción intrínseca. ¿Qué libertad le reconocieron los europeos a los pueblos africanos cuando se repartieron su continente sin pedirles permiso a los verdaderos dueños? ¿Qué libertad tenían esos pueblos africanos cuando se les obligó a firmar cientos de acuerdos comerciales y territoriales, todos los cuales fueron violados por los europeos? ¿Qué libertad tenían los pueblos africanos si ni siquiera libertad tenían para ser personas, cuando fueron sometidos a la esclavitud, a la trata y al comercio de esclavos, para enriquecer tanto a Europa como a Estados Unidos en las plantaciones, en las fábricas y ciudades? ¿Qué libertad tenían los pieles rojas, los Sioux, los Cheyennes y otras nacionalidades de Norteamérica para reglamentar su comercio con los invasores cuando la única libertad que se les permitió fue la de entregar incondicionalmente todas sus riquezas, posesiones y patrimonios, todas sus vidas? ¿Qué libertad tenían los cubanos cuando les impusieron en 1903 la Enmienda Platt y cuando ocuparon Guantánamo? ¿Qué libertad tenían los panameños cuando en 1903 Estados Unidos les impuso un Tratado que firmó un extranjero, mediante el cual el Canal, construido para el 'libre comercio', quedaría a perpetuidad en manos de Estados Unidos, sin que se permitiese a Panamá siquiera comerciar en la antigua Zona del Canal?

Allí están, en la Secretaría General de las Naciones Unidas, los reclamos de estos pobladores indígenas al gobierno federal de Estados Unidos por las violaciones de cientos de tratados suscritos en el siglo XIX.

En el 'libre comercio' de hoy no hay más libertad que la que tenían los esclavos y siervos para comerciar su mano de obra, es decir, su producción, su patrimonio y su vida, con los esclavistas y señores feudales. En otras palabras, ¡ninguna! Y ésta es la realidad de nuestro sistema internacional y del comercio internacional: su carácter es profundamente asimétrico y feudal.

No hay libre comercio cuando las partes negociantes o contratantes gestionan desde una base profundamente desigual de poder. No hay libre comercio cuando el objeto de la negociación –el comercio internacional- está rodeado de circunstancias estructuradas que se manifiestan en beneficio de una de las partes y notoriamente en perjuicio de la otra. No hay libre comercio cuando el propósito de la negociación es en sí mismo un objeto ilícito, algo no susceptible de negociación, como lo es la forma y contenido de vida de los pueblos. No hay libre comercio cuando la negociación conlleva la aceptación de compromisos que atentan contra la ética, la solidaridad humana y el derecho a la vida.

No hay libre comercio si los acuerdos son el resultado predeterminado y lógico de las condiciones y estructuras que rodean la negociación. No hay libre comercio si no se produce la voluntad de las partes contratantes mediante su libre consentimiento. No hay libre consentimiento si la voluntad de una de las partes fue forzada, por los medios que sea, a aceptar un acuerdo. No hay libre comercio si las partes negociantes o contratantes carecen de capacidad jurídica para comprometer el destino de nuestros pueblos. Y si en las negociaciones no se verifican ni el libre consentimiento ni la capacidad de las partes contratantes o negociantes, los acuerdos comerciales quedarán viciados de nulidad y carecerán de validez jurídica."[4]

La libertad de mercado y de comercio significa, por ejemplo, que Iraq no pudiera vender su petróleo para satisfacer las necesidades de su población y el desarrollo de su economía, o que España no pueda exportar a Venezuela 12 aviones defensivos por llevar piezas fabricadas por compañías estadounidenses. Pero el caso más sangrante es el de Cuba, que sufre un bloqueo de 47 años con el firme propósito de ahogar su economía, su soberanía y, en última instancia, su revolución. Los EE.UU., el paladín del "libre mercado" y de la "libertad de empresa", no sólo prohíben a sus nacionales vender o comprar productos a Cuba o de Cuba, sino que han promulgado leyes que castigan a quienes comercien con Cuba, aunque no sean ciudadanos o empresas estadounidenses. Ahí están las leyes Torricelli o Helms-Burton, por ejemplo. En ellas se legisla la organización de la sociedad cubana una vez que se reincorpore al capitalismo. Se establece, incluso, un organismo dedicado a la asignación de los huérfanos que ocasionará la intervención militar. ¿A cuántos piensan matar, entonces? ¿Qué negocios tienen maquinados con esos niños, su venta en adopción o la de sus órganos para transplantes a niños ricos?

Como hemos dicho en otro sitio[5], "a lo largo de miles de años, los seres humanos desarrollaron el lenguaje para la comprensión y la cooperación en la solución de sus tareas. Hoy día, las palabras y los conceptos se utilizan conscientemente para la confusión, para violentar el entendimiento y, en última instancia, imponer significados que se contradicen con la realidad.

La Biblia (Génesis, 11 ) dice que Dios confundió a los que construían la torre de Babel para detener su progreso, haciendo incomprensible lo que hablaban. Parece como si el Sr. Helms, el Congreso y el Gobierno de los EE. UU, todos ellos supuestos conocedores de la Biblia y defensores acérrimos de la civilización cristiana, se hubieran erigido en dioses modernos ocupados en confundir a las gentes e impedir que la humanidad avance hacia formas de convivencia más solidarias y justas que las actuales. Así, las palabras han perdido su significado original y adoptado el contrario. Nos hemos quedado sin lenguaje comprensible.

Hace más de 150 años, Karl Marx, un emigrante alemán estudioso del capitalismo y propugnador de otro orden social más humano, decía lo siguiente en el Manifiesto comunista: " Por libertad, en las condiciones actuales de producción, se entiende la libertad de comercio, la libertad de comprar y vender."[6] Ese tipo de sociedad, actualmente en el apogeo de su desarrollo, se autodenomina "sociedad libre de mercado". Pero sus portavoces y gendarmes mundiales, con el Sr. Helms a la cabeza, niegan con los hechos lo que predican. Se bloquea, se embarga, se promulgan leyes que prohiben esa libertad de comercio. Hasta se bombardean cosechas y bosques con venenos (como en Vietnam) y se minan puertos (como en Nicaragua) con tal de impedir el libre tráfico de mercancías y personas. Ahora incluso se persigue y castiga a quienes comercien con los gobiernos que no agradan, o no se sometan. Para colmo, y que lo entienda quien pueda, el Congreso norteamericano la denomina "Ley de la Libertad y la Solidaridad democrática con Cuba".

Ninguna de las sanguinarias dictaduras latinoamericanas, ni del mundo, incluida la de Pol Pot en Camboya, ha sido derrocada por los congresistas y militares norteamericanos en aras de la libertad de sus pueblos. Ni a Pinochet, ni a Somoza, ni a Trujillo, ni a tantos otros se les aplicó una ley para la libertad y la solidaridad. Todas las intervenciones, y han sido muchas, se hicieron y se hacen para derrocar los gobiernos democráticamente elegidos o impedir que se eligieran. Allende, en Chile, Juan Bosch en la República Dominicana, Jacobo Arbenz en Guatemala, Fidel Castro en Cuba, Hugo Chávez en Venezuela, etc. Para los Helms y demás adalides de la democracia, los "buenos" son quienes asesinan y desaparecen a miles de personas, quienes "limpian" de niños abandonados (35 millones sólo en América Latina) las ciudades matándolos porque perturban la estética urbana, quienes esquilman a sus países con desfalcos de las cajas nacionales y depositan el dinero en Miami o en Suiza, y así sucesivamente. Los "malos" en cambio son los que construyen escuelas, reducen la mortalidad infantil y socializan la pobreza, quienes se esfuerzan por defender al humilde y mejorar las condiciones de vida y de trabajo de sus pueblos.

Defender lo colectivo, lo común, lo solidario, lo humano, es la barbarie. Mientras que practicar el egoísmo, la ley del más fuerte, la ley de la jungla, aunque sea de asfalto, es la civilización.

La base de la cultura cristiana que el Sr. Helms y los legisladores norteamericanos defienden y propugnan es la familia. Pero las leyes que hacen prohíben a los cubanos residentes o nacionalizados en EE. UU. ayudar a sus familiares necesitados en Cuba. Practicar obras de misericordia, como ayudar con medicamentos a los enfermos cubanos que los necesitan es, según la Ley de la Libertad y de la Solidaridad de Helms-Burton, "traficar con el enemigo" y, por lo tanto, acción merecedora de las mayores penas. O sea, que esta ley, más aún que las anteriores, castiga a quienes ayudan y premia a quienes explotan al prójimo.

Los defensores de la paz, como se autodenominan los gendarmes mundiales, utilizan el lenguaje de la guerra, aunque no la declaren, pero sí la practican. Esta Ley de la Solidaridad exige que se devuelvan a sus propietarios anteriores las propiedades confiscadas por el gobierno revolucionario. Si así se hiciese, Cuba entera pasaría a ser una propiedad de los ciudadanos norteamericanos, pues las hectáreas que reclaman esos "damnificados" exceden en mucho la superficie total de la isla. ¿Qué quedaría entonces de la soberanía tan ensalzada por la propia Constitución yanqui? ¿Hasta qué punto están dispuestos a aplicarse a ellos mismos la ley que pretenden imponer a otros y devolver a sus propietarios originales, en este caso colectivos, esto es, las tribus indias de Norteamérica, las tierras que les arrebataron a tiros durante los siglos XVIII y XIX?

En la escuela se enseña que el sol sale por Oriente y se pone por Occidente, y que Japón es el país más oriental, el país del sol naciente. Pues, no señor. Según el lenguaje de los Helms, Japón es un país occidental y Cuba, oriental. Los ejemplos son tan numerosos que cada cual puede buscarse los suyos, si quiere. Sería un buen ejercicio de salud mental.

Este uso del lenguaje para confundir lo aplicaron antes Goebbels y sus partidarios nazis y fascistas. Así que ¡Heil, Helms! Dios salve a Vd. y a su Congreso, y al "friendly fascism" que quieren imponer al mundo.

Esto, francamente, ya no hay quien lo entienda. Habrá que destruir la moderna torre de Babel y recuperar la claridad de las palabras. Nos han privado hasta del lenguaje. Se amplía la democracia aumentando, con la claridad, el número de personas capaces de reconocer y articular sus intereses y necesidades. Pero no confundiéndolas. Por eso la realidad es el mejor modificador de la conciencia, la que termina por imponerse. De ahí que la tarea primordial de los ampliadores de conciencia, los periodistas, escritores, artistas, cineastas, etc. sea mostrar la realidad tal cual es. Así se verá lo que hay que modificar en ella.

Por eso uno no tiene más remedio que solidarizarse con la declaración de los escritores y artistas cubanos cuando afirman: "Luchamos y creamos por la belleza, la justicia, la solidaridad y la dignidad. Ni el odio, ni la sinrazón, ni la soberbia, que nublan la política anticubana del Gobierno y del Congreso de los Estado Unidos conseguirán apartarnos de tan nobles razones."

Sin embargo, el imperialismo no para de proclamar la "libertad de empresa", uno de los principios sagrados de los comienzos del capitalismo (Adam Smith).

La libertad de empresa, la libre circulación de mercancías y capitales, es el principio fundacional, la viga maestra de la formación social capitalista. Este imperativo categórico ha constituido el argumento terminante utilizado contra toda alternativa de organizar la sociedad de otra manera. De ahí que, por contraposición, el socialismo, que intenta regular la libertad burguesa de comprar y vender, no se considere una sociedad libre, esto es, se repruebe como carente de mercado.

Pero veamos algunos ejemplos concretos de cómo entienden los EEUU, y sus socios del Primer Mundo, esta libertad de mercado.

Estados Unidos es el país que más restricciones impone a la importación de mercancías de otros países. Quien lo ponga en duda, que se lea la legislación pertinente y los acuerdos de la Organización Mundial del Comercio. O que se lo pregunte a los gobiernos de los muchos países pobres que tantas dificultades tienen para vender sus productos en condiciones de igualdad a los pocos ricos. No contento con esto, prohíbe la exportación a los países que no se someten al dictado de los intereses de las empresas y gobernantes yanquis. Incluso se les imponen bloqueos y embargos, como el que sufre Cuba desde hace 47 años. Si es necesario, se minan los puertos de acceso o se hunden a cañonazos los barcos que lleven alimentos a esos pueblos, como fue el caso de Nicaragua. Se arruinan por todos los medios, incluidos ataques bacteriológicos y químicos, las economías de países y continentes, Vietnam, Iraq, África o América Latina. Los campesinos de Iraq no podrán usar más sus semillas. Tendrán que pagar patentes a Monsanto y Cargill.

Pero la madre de todas las infamias se encarna en negar la salud y el derecho a la vida de pueblos enteros con el pretexto de que lo exige la defensa de sus intereses nacionales, léase el lucro de sus empresas privadas. Así, el Gobierno de los EE. UU. impidió el martes 18 de enero de 2003 que la OMC (Organización Mundial del Comercio) regulara el acceso de los países pobres a medicamentos más baratos, e incluso que se discutiera una propuesta brasileña para permitir que compren genéricos. El fundamentalismo de la Administración Bush la ha llevado a cortar su aportación al Fondo de Población de las Naciones Unidas (FNUAP) con la excusa de que este organismo favorece el aborto. Pero esos mismos fundamentalistas no tienen el menor reparo en dedicar miles y miles de millones de dólares en armas para masacrar seres humanos, incluidos los niños, claro está.

Las cadenas libres de la televisión norteamericana (ABC,CBS, NBC), no sienten vergüenza alguna en presentar a los africanos como los causantes de sus hambrunas y epidemias, según demuestra un estudio efectuado por la revista extra! (diciembre de 2002). Estos grandes medios, libres y democráticos, se olvidan siempre de mencionar a los verdaderos generadores de tantas desgracias, como se denunció en la Cumbre de Johannesburgo, a la que Bush se negó a asistir.

Como es bien sabido, Haití, el primer país americano que se emancipó de la dependencia colonial y abolió la esclavitud, es también el más pobre del hemisferio. "Allí" – dice Eduardo Galeano- "Hay Más lavapiés que lustrabotas: los niños que a cambio de una moneda lavan los pies de clientes descalzos, que no tienen zapatos que lustrar."[7] El 80% de su población de 8 millones vive en la más absoluta pobreza. Durante varias decenas de años estuvo sometido a la sanguinaria dictadura de Duvalier y su hijo Baby Doc , cuyos tontons macoutes aterrorizaban y asesinaban a discreción. Estados Unidos no opuso la menor objeción a sostenerlo con cuantiosas subvenciones y ayudas.

Pues bien, tras la elección democrática de Jean-Bertrand Aristide en 1990, reelegido otra vez en noviembre de 2000, EE. UU. Bloqueó las ayudas y préstamos a Haití, y utilizó su veto en el BID (Banco Interamericano de Desarrollo) para mantener el embargo a este pequeño y empobrecido país. Las ayudas vetadas, 30 millones de dólares para salud y 300 para infraestructuras y educación, hubieran mejorado considerablemente la asistencia médica y evitado muchas muertes innecesarias. Para hacerse una idea de tamaña perversidad, baste pensar que uno solo de los cientos de misiles de crucero lanzados contra Afganistán e Iraq, cuesta ya esos 400 millones de dólares. Como denuncia la ONG estadounidense Zanmi Lasante, ese embargo está penalizando a un pueblo cuyo crimen ha consistido en elegir él mismo, y por amplia mayoría, a su presidente

De modo análogo, y con el sempiterno pretexto de la defensa de sus intereses comerciales, EEUU vetó en 2001 la adopción de un Protocolo del Convenio de Armas Biológicas, ha rechazado el Protocolo de Kioto sobre Cambio Climático, se ha negado a firmar el Tratado de Prohibición de las Minas Antipersonales, que tantos niños mata e invalida, así como el Tribunal Internacional sobre Crímenes de Guerra, etc., etc.

En relación con su política en el Próximo y Medio Oriente y su defensa de las tiranías allí existentes, James Woosley, antiguo director de la CIA, la justificaba así el 14 de noviembre de 2002 en una conferencia pronunciada en la Universidad de Oxford: "Una de las razones por las que no tenemos más democracias en Oriente Medio es porque hemos contemplado Oriente Medio como nuestra gasolinera".

Ante tales comportamientos, cada vez le va a resultar más difícil a EE. UU. alardear ante el mundo que es el garante de las libertades. Como el ser humano tiene la capacidad de pensar. Por consiguiente, la mayoría de los hombres y mujeres de este mundo se están percatando de que su imperio económico-militar se está socavando con el desmoronamiento de su imperio moral. Ya sólo pueden convencer a las escasas minorías que se lucran con su política inhumana.

La mordaz ironía de El Roto sintetiza esta libertad en una de sus mordaces viñetas con esta frase lapidaria: "Lo llaman sistema de libre cambio, pero si lo intentas cambiar, te despiden."

En suma, la libertad de comercio y de mercado se reduce a la libertad de los ricos para venderles a los pobres sus productos y servicios.

El "neoliberalismo" nos martillea el cerebro con una andanada de términos falsos que ocultan y embellecen sus acciones depredadoras e inhumanas. Entre ellas destacan las siguientes: competitividad, eficiencia, productividad, flexibilidad, globalización, monetarización.

Competitividad

La libre competencia es uno de los argumentos falaces divulgados por el capitalismo. Está tan imbuido en la conciencia social que hasta los mismos representantes de la izquierda tradicional europea lo aceptan. El imperativo categórico de esta organización social es que la economía debe ser competitiva, que para tener éxito en la vida hay que competir, ser competitivos. Sin embargo, la biología evolucionista nos dice que la humanidad surgió de la cooperación y la solidaridad. La competencia, la lucha por el territorio y el alimento es la ley de la selva, la animalidad. Los homínidos se fueron desprendiendo de su animalidad y convirtiéndose en seres humanos a medida que fueron cooperando solidariamente en la conquista de su medio. Defender y practicar la competitividad equivale a proclamar la ley de la selva como principio rector de nuestro comportamiento, a destacar la animalidad frente a la humanidad. El capitalismo niega así la verdadera naturaleza del ser humano, su índole solidaria y cooperante. El capitalismo es pues, la negación humana, la inhumanidad. Carlos Marx , quien dedicó su vida al estudio del capitalismo, escribió, hace ya más de 150 años, esto sobre la competencia:

"La competencia aísla a los individuos, no sólo a los burgueses, sino más aún a los proletarios, enfrentándolos a unos con otros, a pesar de que los aglutine. De aquí que tenga que pasar largo tiempo antes de que estos individuos puedan agruparse, aparte de que para esta agrupación - si ésta no ha de ser puramente local- tiene que empezar por ofrecer la gran industria los medios necesarios, las grandes ciudades industriales y los medios de comunicación rápidos y baratos, , razón por la cual sólo es posible vencer tras largas luchas a cualquier poder organizado que se enfrente a estos individuos aislados y que viven en condiciones que reproducen diariamente su asilamiento. Pedir lo contrario sería tanto como pedir que la competencia no existiera en esta determinada época histórica o que los individuos se quitaran de la cabeza aquellas relaciones sobre las que, como individuos aislados, no tienen el menos control."[8]

Eficiencia

El diccionario la define como virtud y facultad para lograr un efecto determinado. La rutina – la noria – de la producción capitalista implica la acción conjunta de varios procesos. Los diversos agentes económicos que actúan en el capitalismo tienden a la maximización del beneficio y al crecimiento económico. Esto es lo que los economistas del sistema denominan "eficiencia". La palabra suena bien. Pero lo que en realidad significa es reducción de los costes laborales y uso creciente de la tecnología. Esto es, despidos cada vez más frecuentes y numerosos, sueldos cada vez más bajos, empleo cada vez más precario. En suma, la aceleración de la noria del capital, el aumento de la "eficiencia" se traduce en mayores gastos sociales.

Productividad

La eficiencia suele ir acompañada del concepto de productividad. Nos dicen que el aumento de la productividad es esencial. Pero si se mira de cerca, el término productividad es, por lo menos, ambiguo, en particular cuando se aplica al conjunto de la economía. Es algo difícil de medir. Así, si un grupo de trabajadores aumenta la producción de una empresa a costa de su salud, ¿es buena la productividad?

Como se sabe, existe un abismo enorme entre los beneficios de la productividad y los salarios de los trabajadores a lo largo de los últimos decenios. Las fantasías de los economistas del sistema nos quieren convencer de que el aumento de la productividad se traduce en mayores salarios. Cualquiera puede comprobar esta falacia. La realidad es la precariedad en el empleo, los contratos basura, el trabaja semiesclavo de mujeres y niños para sobrevivir, etc.

El énfasis de los economistas oficiales en la tecnología como factor decisivo y su fijación en el libre comercio lo venden como beneficio evidente para los trabajadores. Pero, aparte de los contratos basura, el resultado ha sido eso que se denomina deslocalización (externalización), tanto del trabajo especializado como no especializado.

Flexibilidad

Así, para facilitar a los empresarios el despido, se habla de "flexibilidad", concepto que se emplea como panacea para resolver los problemas de la economía. En realidad es un término doloroso para todo trabajador y trabajadora desempleado/a. Cuando un sector de la economía o una empresa ha tenido pérdidas? se dice que ha tenido un "crecimiento negativo". El concepto de "pérdidas" se utiliza ara indicar que una empresa ha ganado menos que el años anterior, por ejemplo, que ha ganado 32,000 millones en vez de los 35,000 el ejercicio anterior.

La población de un país se cosifica en "capital humano, "material humano" "recursos", "consumidores", et. Semejante lenguaje inhumano se encarga de incluir en los balances algo que no es calculable, contable. Si se prescinde de su contenido religioso del siglo XVI, ¿Qué significa hoy la palabra "reforma"? El diccionario de la lengua recoge su sentido positivo de innovación o mejora de algo. Cuando se habla de innovación y mejora de una sociedad se utiliza el término de "revolución", y para dar marcha atrás el de "contrarrevolución". Pero para darles la vuelta a las reformas mejoras de la sociedad no existe la palabra "contrarreforma".

Se hacen reformas en una casa para mejorarla, pero no para empeorarla. Aplicada al empleo no es así.

El Banco Mundial ha reconocido que las reformas del gobierno militar convirtieron a Chile en un laboratorio de la "escuela de Chicago", y que no se informó al público de los cambios efectuados. Esa experiencia ser denominó "una lección de pragmatismo". Considerando que el Banco Mundial apoyó a Pinochet, el nombre refleja su propio pragmatismo.

Globalización

Con la extensión del capitalismo a todo el mundo, el lenguaje del imperio ha introducido un nuevo concepto, el de globalización. Se significa con él la generalización del modelo capitalista a la economía mundial, la desregulación de las trabas nacionales a la libre circulación de capitales y empresas (externalización), en suma la uniformidad del mercado. Este fenómeno lleva implícita la mundialización de la conciencia, la uniformidad del pensamiento y del lenguaje.

Sí, la globalización del capitalismo ha aumentado la interconexión e interdependencia de los estados y de las economías, la velocidad de circulación del capital y de las comunicaciones. Y, junto con todo eso, la de los movimientos humanos, las migraciones, voluntarias o forzadas, de millones de seres humanos. Ha acelerado el flujo de riquezas desde los muchos países pobres a los pocos ricos, con la inseparable compañía de la deuda externa.

La globalización neoliberal ha reportado beneficios inmensos al capital, ya sea financiero, especulativo, depredador. El saqueo de Iraq por la Autoridad Provisional de la Coalición, eufemismo con que se denomina la ocupación usamericana y británica de este país mártir, constituye un buen ejemplo de la libre circulación de capitales. Miles y miles de millones de dólares han desaparecido del país sin que nadie diga a qué cuentas corrientes han ido a parar.[9]

Así que lejos de llevar la libertad y el bienestar al mundo, esta globalización capitalista ha impuesto la derecha radical, el neofascismo. La prometida prosperidad y erradicación de la pobreza y del hambre ha sido un rotundo fracaso. Ha incrementado las desigualdades, extendido toxinas en la cadena alimentaria, empeorado la salud, proletarizado las clases medias, como en Argentina o Brasil, y más y más.

Como ilustración de la libertad de capitales puede servir el hecho de que desde 1970 al 2006 los países pobres han pagado 30 veces el importe de la deuda contraída con los organismos financieros de los ricos. Y si se toman en consideración los capitales evadidos hacia ese primer mundo, la cantidad se eleva a 80 veces el monto de la deuda. Esta es la tan cacareada libertad de movimiento y de circulación de los capitales.

¿Qué artilugios lingüísticos puede seguir utilizando el capitalismo para convencernos de que esto es progreso? Para los detentadores del capital, sí, Pero para la inmensa mayoría de la población mundial sólo significa mayor empobrecimiento y angustia. Los beneficiarios son las industrias de armamento, las petroleras, los intereses financieros del imperio.

No obstante, cada día aumentan los grupos sociales y pueblos que despiertan del engaño y emprenden acciones emancipadoras. Ahí están el ALBA (Alternativa Bolivariana para América) frente al ALCA (Área de Libre Comercio para las Américas), patrocinada por los EE. UU., la revolución bolivariana de Venezuela, el triunfo del aymará Evo Morales y su MAS (Movimiento al Socialismo) en Bolivia, los movimientos indigenistas de Perú, México, etc. "contra la globalización imperialista" – afirma – Alfonso Sastre – "los rojos tenemos las armas de la solidaridad y del internacionalismo".[10]

La conciencia de que la libertad de comercio sólo se traduce en pobreza y sumisión de los países pobres de América, Asia y África se extiende como balsa de aceite. Véase, por ejemplo, la resolución de los sindicatos del Sur de África, adoptada en Windhoek, capital de Namibia, el 7 de diciembre de 2005.[11]

Monetarización

En la "sociedad libre de mercado" todo se convierte en dinero, la mercancía universal. No sólo se mercantilizan los productos del trabajo, los objetos creados por el ingenio humano, sino también los sentimientos, las carencias y angustias, y hasta las mismas personas. Es el éxito del capital financiero.

La monetarización es un artilugio del capital para exprimir a los más pobres lo poco que aún les queda del estado social. Así, en la Federación Rusa, lo que queda de la extinta Unión de Repúblicas Socialistas Soviéticas, los advenedizos capitalistas que la gobiernan han descubierto la magia de la monetarización mediante la cual las antiguas prestaciones sociales se convierten en moneda de curso legal. Las ayudas que en el régimen socialista anterior permitían sobrevivir a los más desvalidos, el actual régimen capitalista las sustituye por unas monedas.

Los subsidios al transporte, vivienda, alimentación, asistencia sanitaria, etc., significaban la supervivencia para muchos. El avispado gobierno de Putin los ha cambiado por 100 rublos. Pero los pobres tienen que pagar ahora por esos servicios 500 en el "mercado libre". No es de extrañar, por tanto, que la población de Rusia disminuya cada año en un millón de personas, ni que la esperanza de vida se haya reducido en más de diez años hasta ocupar ahora el 136 en el mundo, ni que se vendan niños para traficar con sus órganos, ni que un tercio de los rusos no llegue vivo a la edad de jubilación, ni que la principal causa de muerte sea el suicidio. Estas son, entre otras, las ventajas de la monetarización.

Desmaterialización

Una de las consecuencias de esta contaminación lingüística del lenguaje de la economía es la desmaterialización, la abstracción de toda referencia a la materialidad de los procesos sociales.

"La muerte de la distancia", "El mundo ingrávido", la "Economía digital", "La organización virtual", son algunos de los títulos de libros publicados a finales de los 90, en el cambio de siglo, en pleno apogeo de la globalización. Los prefijos "ciber", "tele" o simplemente "e" (por electrónica), los adjetivos "virtual" o "en red" se puede colocar ante una serie casi infinita de substantivos abstractos. En el ámbito de la economía, por ejemplo, con "empresa", "tienda", "comercio", "trabajo", "banca", "compra", etc. Igualmente se pueden aplicar a otros ámbitos, como "cultura", "política", "democracia", "sexo", "espacio", etc.

Se tiene la sensación de que ha surgido algo nuevo. El mundo, tal como lo conocemos , se está desmaterializando, se esfuma, se desvanece. Parece como si la acción humana se redujese a la mera manipulación de abstracciones ante la desaparición del mundo empírico.

Ha surgido una nueva ortodoxia para la que la única fuente de valor es el "conocimiento". El trabajo es algo contingente y deslocalizable, la globalización es inexorable e inevitable. Por lo tanto, es inútil resistirse a ella.

Ursula Huws se posiciona contracorriente y se pregunta hasta qué punto es cierto que se ha desmaterializado la economía, se expanden los servicios y qué aportación hace el "conocimiento", esto es, las TIC (Tecnologías de la Información y la Comunicación), al crecimiento económico.[12]

Tendríamos así un mundo paradisíaco de geografía sin distancia, historia sin tiempo, valor sin peso, transacciones sin dinero. En suma, la realidad como simulacro (Baudrillard), como ilusión.

Mas, el fenómeno de la deslocalización de las fábricas desde los países ricos del Primer Mundo a los pobres del Tercero, el hecho de que la inmensa mayoría de la población siga sin tener acceso a las TIC, esto es, al "conocimiento" tal como se define hoy; que la tierra se siga cultivando con máquinas modernas y pesadas, y que todos los bienes materiales haya que transportarlos de un sitio a otro, no son nada ilusorios ni ingrávidos. No ocultan la realidad brutal, nada virtual, del carácter depredador, inhumano, de esta fase del capitalismo.

La matematización de la economía lleva a eufemismos tan encubridores como el de "crecimiento negativo" por menos ganancias, o el de "redistribución negativa de los ingresos" por empobrecimiento de los trabajadores y de las masas populares

Como ya hemos expuesto en otro sitio[13], uno de los principios más caros de este modelo de sociedad dice que:"Una situación económica es ideal cuando la economía se expande, suben los sueldos y aumentan las ganancias, hay pleno empleo y los precios se mantienen relativamente estables".

Analicemos a qué acciones y omisiones nos quiere inducir este texto. La frase abunda en supuestos, en hipótesis sin confirmar. Y las hilvana con tanta prisa que apenas deja tiempo para preguntar. Para despedazar las hipótesis no hay nada mejor que hacer preguntas. Si hacemos las preguntas adecuadas podemos descubrir cómo la economía y los economistas están también al servicio de intereses políticos específicos. Podemos averiguar cómo propagan e inculcan una interesada cultura de la economía.

No todo el mundo está entrenado para discernir las partes de un enunciado que contienen premisas falsas. A menudo tampoco sirve de mucho la instrucción, sobre todo si carecemos de saber y medios para analizar un enunciado y éste no se puede demostrar con la lógica.

Si no bastan la experiencia y el saber para reconocer la falsedad de una premisa nos queda aún otro método útil para conseguir los conocimientos que nos faltan. Casi todas las dudas de un enunciado se pueden aclarar con preguntas. Gracias a ellas, las incertidumbres se traducen en conocimientos. Sólo el saber puede impedir que surjan convicciones falsas en nuestras cabezas. Estas convicciones nacen de afirmaciones que no hemos examinado ni entendido.

Analicemos ahora la mencionada definición de la situación económica ideal. La definición contiene varios enunciados. Uno de ellos dice así: "Una situación económica es ideal cuando hay....pleno empleo". Si se acepta este enunciado también hay que aceptar su contrario: fuera de la situación ideal, en la realidad, no hay pleno empleo. La realidad, y hemos de aceptarla, es que hay personas que no encuentran ningún trabajo, bien por ser demasiado viejas para los consumidores de fuerza de trabajo, bien porque éstos las despiden. La última fórmula utilizada para despedir es más o menos la siguiente: "Ha sido considerado usted persona no indispensable". La frase significa que los trabajadores no tienen ninguna garantía real de disponer de ingresos seguros. Si estamos de acuerdo con la hipótesis también lo estamos con que nos extorsionen y arrojen a una situación de penuria financiera en el futuro. Decimos entonces: está bien que se nos extorsione (que es peor no ser explotado que serlo). Al afirmar que el pleno empleo es una situación ideal, y no un derecho, nos engañamos nosotros mismos. Aceptamos que debemos pedir trabajo, consideramos correcto que cualquier persona, y en cualquier momento, puede decidir cómo vivimos, si esa persona ha heredado una fábrica o un determinado paquete de acciones. Esa afirmación no responde a nuestros intereses. También nos pueden obligar a aprender una frase como ésta: "Una situación económica es ideal cuando cada ocho meses le regalamos una paga al empresario".

Otro enunciado afirma que "una situación económica es ideal cuando la economía se expande". Se trata de una afirmación poco clara. La leemos y oímos en todos los periódicos y emisoras. La consideramos verdadera porque otros también la repiten. Dentro de nuestra cabeza llega a convertirse en convicción. Pero también ésta se puede desmoronar a base de preguntas. Algunas afirmaciones sólo se consideran verdaderas por la mayoría porque son falsas. Por eso tienen tan amplia difusión, porque muy pocos las tienen por verdaderas. La mayoría de la gente cree que las representaciones, ideas, sentimientos y conceptos salen del interior de sus cabezas. Ignoran que recorren el camino inverso, de fuera a dentro.

Sin notarlo, el enunciado lleva a nuestra conciencia varios supuestos. Uno de ellos pretende hacernos creer que es útil producir cada vez más mercancías y ofrecer cada vez más servicios. Puede ser provechoso y puede ser perjudicial: depende de los productos y de los servicios. Tampoco se aclara este supuesto.

Un segundo supuesto es el de que se puede consumir más si se produce más. Si esto fuese cierto, significaría que los trabajadores podrían determinar cómo se emplean y distribuyen los productos de su trabajo. Pero eso chocaría contra la ley. La ley determina que los productores dejen una parte del producto de su trabajo a los propietarios del capital, a los poseedores de los centros de producción.

Lo que pasa en las fábricas demuestra que eso de "a mayor rendimiento más consumo" es hablar por boca de ganso o una burda mentira, según de qué boca salga. Los que hablan por boca de ganso pasan por alto hechos esenciales y los que mienten los silencian.

 

Es bien sabido que las mujeres perciben un salario inferior al de los hombres por hacer el mismo trabajo que ellos. Así, y por citar tan sólo a tres de los países que se suelen poner de modelo, 1as ventajas de los precios de los productos japoneses dependen en gran medida de la explotación de una mano de obra femenina barata. Las mujeres japonesas ganan menos de la mitad que los hombres y, como en España y en la mayor parte del mundo, muchos de los trabajos más ingratos e insignificantes los realizan las mujeres. El 40% del trabajo social de la producción social de Alemania lo efectúan mujeres sin que cobren nada a cambio. En los Estados Unidos, el salario medio de la mujer trabajadora norteamericana equivale tan sólo al 58% del salario medio del varón. También aquí ocupan las mujeres las categorías laborales más bajas y precarias.

La susodicha economía en expansión no altera la reforzada explotación de la mujer. La situación de las mujeres trabajadoras no se modifica porque trabajen con más rapidez o produzcan todavía más.

Se podría empezar diciendo que el aumento de la producción general supone un beneficio tan grande para todos que, a cambio de él, podría aceptarse la discriminación de las mujeres. La ventaja de ese crecimiento sería el mejor abastecimiento de los ciudadanos con bienes de consumo. Otra ventaja sería el abaratamiento de los productos. Cuantos más ejemplares de un mismo producto se fabriquen tanto más bajos serán los costes de producción por ejemplar.

Sin embargo, los estudios muestran que el mejor abastecimiento de la mayoría con bienes de consumo no depende tanto del aumento de la producción como de que se produzcan otras mercancías en mayor cantidad. Así, por ejemplo, los fabricantes de automóviles producen unos 100 tipos diferentes de encendidos, que por fuera parecen iguales. La mayoría de ellos apenas se diferencian entre sí por las llaves, los contactos, el mecanismo eléctrico y mecánico, etc. Los fabricantes no pueden ponerse de acuerdo porque, según ellos, cada cliente tiene sus gustos. Pero al menos la mitad de la producción de encendidos no satisface las necesidades técnicas de los coches ni de los compradores. Sólo satisfacen las necesidades de venta de los fabricantes.

Otro tanto puede decirse de las antenas. En algunos centros de trabajo se producen motores eléctricos que no sirven nada más que para sacar, presionando un botón, las antenas de los coches cuando se conduce. Los trabajadores conocen muchos más ejemplos de despilfarro de su fuerza de trabajo, o de productos que sólo sirven para la destrucción. Y no hay que recurrir a la fabricación de armas, donde el despilfarro es obvio. Piénsese en el truco de que las cámaras estrechas de filmar no se pueden reparar sin romper la caja que las contiene.

Hace unos años hubo una huelga de periódicos en Nueva York que duró 80 días. Durante ese tiempo apenas salieron periódicos y, por tanto, apenas hubo reclamos comerciales, anuncios publicitarios. Los comerciantes neoyorquinos se quejaron de que las ventas descendieron en varios miles de millones de dólares. Las mercancías que la gente no compró durante esos 80 días no las necesitaba.

No es ésta la única prueba de que con los reclamos publicitarios se puede incitar a las personas a comprar cosas que no se necesitan.

El gasto en publicidad crece el doble que el PIB. En total, unas cinco o seis supercompañías surgidas en la década de 1990 dominan un mercado de unos 350.000 millones anuales. Los gastos de la industria del reclamo se incluyen también como producción. En una economía en expansión aumentaría también esta forma de despilfarro.

Las mercancías más caras destinadas a un pequeño sector de consumidores ricos, un Rolls Royce o un gran yate, por ejemplo, no son rentables para la TV. La televisión dispone de audiencias masivas, por eso es rentable anunciar bienes de consumo masivo: jabón, detergentes, artículos de limpieza (compresas, desodorantes) cosmética, alimentación, medicamentos sin receta.

¿Por qué ha de incrementarse la producción si resulta difícil convencer a las personas de que necesitan determinadas mercancías? Apenas desaparecen los anuncios las compran menos. En la actualidad se producen demasiadas mercancías inútiles. Su única utilidad es el enriquecimiento de los fabricantes que las producen. En cambio no se producen suficientes mercancías útiles, como demuestra el hambre del mundo.

Aunque los fabricantes pueden producir más mercancías de las que pueden vender sin los gastos publicitarios, no por eso son más baratas. Cada año producen más mercancías, y cada año aumentan las ventas en cierto porcentaje. A pesar de todo suben los precios. Los economistas no se cansan de decir que cuanto más se produzca tanto más se abaratarán las cosas. Esto es cierto, pero las mercancías sólo son más baratas en la producción, no en la venta. Los trabajadores de las fábricas se dejan en ellas la salud para que luego suban los precios de las cosas que tienen que comprar. Cuanto mayor es su rendimiento tanto más caros se venden sus productos. Una de las principales ventajas de la "expansión" económica, a saber, la reducción de los costes, se la llevan los empresarios.

Los teóricos que dicen que los precios bajan cuando la producción aumenta, nos reprochan que también bajarían si la gente no consumiera tanto. De repente ya no es válido el argumento anterior. Ahora el argumento es éste: los precios bajan al aumentar la producción suponiendo que la gente sólo compre una parte de las mercancías generadas por esa producción creciente; los precios bajarían si una parte de las mercancías no se vendiese. Ahora bien, la economía debe expandirse precisamente para que la gente consuma más, esa es al menos la teoría.

La teoría dice también "el aumento de la demanda eleva los precios". Los precios no los sube la demanda, sino los comerciantes. Estos alzan los precios mientras encuentren compradores. Todo lo cual viene a parar en una extorsión de la población. Pues la gente no puede renunciar a muchas mercancías y servicios aunque sean caros.

Otro argumento que se utiliza con frecuencia para explicar la subida de los precios es el de que "las demandas salariales presionan al alza los costes de producción". Y suena convincente porque, visto por sí solo, es correcto. Pero en la producción de mercancías intervienen también otros gastos, además de los salarios. Los otros costes son casi tres veces más altos.

A juzgar por las declaraciones de los empresarios y gobernantes, incluidos los que se autocalifican de "socialistas", los salarios son los culpables de las crisis económicas. Por eso insisten un día tras otro en la necesidad de la moderación, la congelación y los recortes salariales. Claro que lo mejor sería que no hubiese asalariados, y así todo serían ganancias. El creciente número de indigentes, junto con sus hijos, se podría transformar en conservas cárnicas, en salchichas, por ejemplo, como sugería mordazmente Jonathan Swift (1667-1745). Este escritor irlandés, autor de Los viajes de Gulliver, demostró con cálculos muy precisos que se puede ahorrar mucho cuando se carece de escrúpulos y uno no se asusta de nada.

Toda riqueza es trabajo pasado, efectuado con anterioridad. El oro no sale por sí solo de la roca y se mete en las cámaras blindadas de los bancos. Un bosque de abetos carece de valor si no hay trabajadores que les den a los troncos una forma útil: vigas, tablas, muebles. El que posee mucho dinero tiene derecho a cosas que ha creado el trabajo. Sin el derecho a los productos del trabajo no sería rico.

Si los trabajadores y empleados entregan continuamente más trabajo del que consumen, debe ser posible seguirle el rastro a ese excedente. Si es cierto que siempre dan más de lo que reciben, este "más" tiene que hallarse en algún sitio, tiene que haberse concretado en saldo bancario, avión privado, fábrica, etc.

La distribución de la riqueza entre la población muestra adónde han ido los valores producidos por los trabajadores.

Entre todas las opiniones que elaboran diariamente la escuela, la iglesia, la prensa, la radio y la televisión, la más propalada y la que más se resiste a desaparecer es la de que el autónomo no es explotado. La gente se aferra desesperadamente a esta opinión, como si en el fondo supieran que no es verdad. Y se presenta de forma que resulta peligrosa para la gente que no la comparte. Los ilustradores astutos evitan la palabra "explotación" en los debates públicos, a fin de no perder la atención y la benevolencia de su público. Hacen bien en hacerse entender solamente con cifras, y en dejar las conclusiones a los oyentes. También es importante que las cifras salgan de los ministerios.

La opinión de que ya no hay más explotación se nutre de un error de lógica. Las víctimas de esta opinión dan por hecho que bienestar y explotación no van juntos. Su prueba de que no son explotados es otra opinión: que a ellos les va bien. Se puede polemizar sobre si a una persona le va bien porque ella lo crea.

Pero si a una persona la explotan o no es algo que no tiene nada que ver con sus sentimientos ni con su manera de pensar. El que alguien sea o no sea explotado depende de si se ve obligado a enriquecer a otros. También será explotado cuando no se dé cuenta de que enriquece a otros, o cuando no quiere admitir que es así. El esclavo es más consciente de su situación que el semiesclavo. Por lo demás, también hay esclavos contentos.

El trabajador produce cada hora más dinero del que recibe. Otro tanto ocurre con los empleados. Ya se ha visto adónde van a parar esos valores. También hemos mencionado cómo disminuye la parte de los salarios en los costes de producción.

Si es cierta la afirmación de los fabricantes de opinión y de los mediadores públicos de información de que vivimos en una democracia, resulta entonces que los trabajadores y los pequeños y medianos empresarios han decidido gastarse unos cuantos billones en los consorcios y grandes empresarios, y renunciar, en cambio, a piscinas, instalaciones recreativas, hospitales y escuelas.

Los ricos emplean diversos métodos en la redistribución de los productos del trabajo. Uno de ellos consiste en la subida excesiva de los precios. Otro es la introducción de horas extraordinarias. (En una máquina se pueden trabajar 8 horas o 12; la máquina cuesta en ambos casos lo mismo, pero renta más cuando funciona 12 horas.) Un tercer método estriba en producir mercancías con escaso valor de uso. La inutilidad de ciertos productos es uno de los efectos más perversos del dominio privado de los medios de producción. Destruye millones de horas de trabajo para un fin absurdo. Cuanto más inservible sea una mercancía antes tendrá que sustituirla el comprador. Sustituir un objeto significa comprarlo. Comprar un objeto significa entregar fuerza de trabajo por él. Ahí está el ejemplo banal de la media de fibra artificial que nunca se rompe. Pero nuestras mujeres tienen que comprarse cada dos por tres nuevas medias. Para ese gasto absurdo tienen que trabajar las mujeres o los maridos. Y para la mayoría eso significa trabajar gratis una parte de tiempo para un empresario privado. Ahí está la famosa bombilla indestructible, símbolo insuperable de la razón social. Algo semejante ocurre con la mayoría de los objetos de uso.

En los laboratorios de los grandes consorcios industriales, los mejores científicos, formados en instituciones públicas, es decir, financiadas con dinero público, del pueblo, se aplican en la elaboración de métodos que los fabricantes aprovechan para reducir la vida de los bienes de consumo. La vida de un eje, de un muelle, de un motor, de una lavadora o de una nevera se puede reducir con las correspondientes aleaciones de metales. Los científicos denominan a eso "obsolescencia incorporada". Un alto empleado de la industria automovilística dijo hace unos años que ya no es ningún problema construir coches que funcionen cien años sin repararlos.

Cuando ya no se puede reducir más la duración, el envejecimiento de un objeto se produce introduciendo pequeños cambios de forma. Eso se puede apreciar cada año en la industria del automóvil. Ya vimos cómo el despilfarro de la fuerza de trabajo se extiende a los repuestos más pequeños. Otra forma de despilfarro que se impone a las masas de población es el reclamo publicitario, eso que eufemísticamente se llama "Publicidad". Se estima que entre un 30% y un 45% del precio de los productos es para pagar los reclamos publicitarios.

El despilfarro planificado de nuestra fuerza de trabajo (de nuestro biotiempo), de nuestras reservas de materias primas (carbón, petróleo, gas natural, agua, todo lo que proviene de la tierra), es una de las causas principales de que no tengamos suficientes escuelas, hospitales, guarderías, espacios recreativos para niños, jóvenes y adultos, residencias para la tercera edad, teatros, viviendas dignas, un medio ambiente más limpio, etc. Hoy se trabajan bastantes más horas de las que marca la jornada oficial de los convenios. No nos referimos solamente a las horas extraordinarias. También hay que incluir las horas de los pluriempleos, las chapuzas, los numerosos trabajos domésticos, todos ellos destinados a obtener ingresos complementarios o a no hacer gastos que reducirían nuestro nivel de vida. Al final es lo mismo.

Muchas personas mueren por falta de riñones artificiales. Según el último informe de la FAO (octubre de 2005), una tercera parte de la humanidad sufren desnutrición y carece de agua potable, 11 millones de niños mueren antes de cumplir 5 años, 17.000 de ellos mueren de hambre cada día, 121 millones no van a la escuela, 250 millones realizan trabajos esclavos, y así sucesivamente. Pero hay abrigos de pieles y joyas, aviones, yates, castillos y mansiones privados; millones de toneladas de envases superfluos, montañas de chatarra, y la "publicidad". Mientras que en manos de los propietarios el trabajo se transforma en riqueza y poder, en manos de los trabajadores se convierte en basura. Cada piscina que no se construye se convierte en la mansión de un millonario, en una máquina que produce nuevos envases de margarina o en un anuncio de detergente con premio.

Hasta ahora los trabajadores no han sido capaces de controlar la pequeña fracción de trabajo que se necesita para disponer de un número suficiente de riñones artificiales. Si la economía se "expande" en estas condiciones, se expande también la inhumanidad, la barbarie y la explotación. La tesis de que "una situación económica es ideal cuando la economía se expande..." es falsa. Es un medio para la creación de sumisos. Tampoco esta tesis responde a nuestros intereses. Es una frase salida del lenguaje de los señores.

Pero la afirmación más sorprendente de todas las que hemos mencionado hasta ahora es la de que: "una situación económica es ideal cuando ... aumentan las ganancias". Lo que, dicho en términos de nuestros intereses, viene a significar: "Sólo podemos ser felices cuando trabajamos gratis una parte cada vez mayor de nuestra vida para unas cuantas personas que nada nos importan."

Esta tomadura de pelo de la mayoría de la población entra de matute en el cerebro como si se tratase de una afirmación científica. La mayoría nos procuramos el sustento y el de nuestras familias mediante un salario. Tan sólo los menos se dedican a traficar con el trabajo de los más. Los trabajadores y empleados no obtienen ganancias, no se enriquecen.

¿Por qué vamos a desear ganancias? ¿Por qué hemos de abrigar el deseo de trabajar gratis para otros? Es grotesco esperar semejante deseo de nuestra parte. Pero eso es precisamente lo que hacen nuestros planificadores de la opinión. Lo que revela lo fácil que es inducir a las personas a realizar los deseos de otros.

Lo que los teóricos de la economía y fabricantes de opinión designan como ganancia lo podríamos utilizar nosotros mismos en forma de menos horas de trabajo, bienes de consumo más útiles, viviendas más hermosas, medio ambiente más saludable y diversiones más placenteras.

La inutilidad de la producción es uno de los efectos más perversos del dominio privado de los medios de producción.

[1] Cf. Rauter, E. A.: Wie eine Meinung in einem Kopf entsteht. Über das Herstellen von Untertanen, München 1971, p. 12.

[2] Este criminal de guerra, que para mayor sarcasmo recibió el Premio Nobel de la Paz junto con el general y político vietnamita Le Duc Tho en 1973, negociaba por entonces con su desnudo integral que se vendía como poster en los supermercados. El vietnamita renunció al premio

[3] O’Neal, Sir: "Los acuerdos de `libre comercio’ – Hipocresía e ilusión", en www.axisoflogic.com, traducido para Rebelión y Tlaxcala por Germán Leyens, publicado en Rebelión 11-01-2006.

[4] Celebrado en Caracas el 16 de noviembre de 2005, publicada por Rebelión el 20.11.2005.

[5] Cd. Romano, Vicente: Estampas, Barcelona 2004.

[6] K. Marx y F. Engels: Manifiesto comunista (1848), capítulo 2.

[7] En su libro Las venas abiertas de América Latina.

[8] Marx, C. Engels, F.: La ideología alemana, La Habana 1966, nota de C. Marx en la p. 67.

[9] Véase Khor, Martin: "¿Adónde fue a parar todo el dinero de Iraq?", Rebelión, 19-10-2005.

[10] Sastre, Alfonso: La batalla de los intelectuales, La Habana 2003, p. 40.

[11] Resumimos los párrafos que consideramos más pertinentes:

"PREOCUPADOS por los niveles de pobreza, desempleo y exclusión social en África; la falta de acceso a la educación y formación, salud, propensión a enfermedades y sobre todo HIV/sida, tuberculosis, malaria y otras enfermedades infecciosas; por los prolongados conflictos en algunos países; el peligro que supone no alcanzar los Objetivos de Desarrollo del Milenio; la falta de protección social que afecta especialmente a las mujeres, a la juventud, a personas con discapacidad, a los mayores y a los niños, y la situación de la mayoría de los trabajadores, sujetos a malas condiciones de salud y seguridad;

PREOCUPADOS ADEMÁS porque la globalización no regulada conduce a crecientes desigualdades, a la erosión de los derechos de los trabajadores, al crecimiento del paro, al aumento del número de "working poor" sobretodo en la economía informal, a las privatizaciones, a la reducción del papel del Estado, a devaluaciones, a la supresión de subsidios, a que los costes de salud y educación tengan que ser sufragados por todos los ciudadanos; a la desregulación de los mercados de trabajo;

CONSTERNADOS por algunas normas de la OMC que suponen un atentado hacia los servicios públicos, según se postulan en el Acuerdo General sobre el Comercio de Servicios (AGCS), REAFIRMAMOS que los servicios públicos vitales –educación, salud, agua, transporte público y otros servicios de primera necesidad- deben ser excluidos de las negociaciones sobre la liberalización del comercio que tienen lugar bajo sus auspicios, y que los gobiernos deben retener el derecho a regular y proteger el interés público;

ESPECIALMENTE ESTUPEFACTOS por el hecho de que los medicamentos imprescindibles para la vida (para enfermedades como Sida/HIV, tuberculosis y malaria) están negados a los pobres por la insistencia de los países desarrollados en salvaguardar los derechos de propiedad intelectual, contenidos en el acuerdo TRIPS;

POR TODO LO ANTERIOR, ACORDAMOS LO SIGUIENTE:

3.- Llamar la atención de nuestros gobiernos para impedir una carrera hacia lo más bajo, al estar obligados a competir unos contra otros rebajando durante este proceso las normas del trabajo para atraer inversión extranjera directa.

7.- En el sector agrícola, llamamos a los países desarrollados a eliminar todas las formas de barreras arancelarias y no arancelarias sobre los productos provenientes del Sur, y que el Acuerdo sobre Agricultura asegure el respeto de los trabajadores agrícolas, e intensifique la seguridad alimentaria para todos.

10.-Pedimos más transparencia y democracia en los acuerdos comerciales internacionales, incluyendo los procesos de toma de decisión en la OMC, y la accesibilidad de los sindicatos y representantes de otras organizaciones democráticas a la OMC. "

[12] Cf. Huws, Ursula: The making of a cybertariat. Virtual work in a real world, Nueva York-Londres 2003, pp. 126 y ss.

[13] Cf. Romano, Vicente: La formación de la mentalidad sumisa, varias ediciones.http://www.eleconomista.cubaweb.cu/2006/nro296/296_031.html

Nenhum comentário: