06 janeiro, 2006

Sistema e Masculinidade

Políticas de masculinidade.
Panorama das teorias contemporâneas.

Fonte: http://stangoff.com/?p=101


Mick Leach

[Retirado de: Leach, Mike. (1994).
The Politics of Masculinity: An Overview of Contemporary Theory.
Social Alternatives, 12(4), January, pp. 36-37.]



As questões teóricas e políticas levantadas pelo feminismo contemporâneo têm provocado uma série de respostas sócio-culturais, em relação ao homem, e a masculinidade. A reação predominante é caracterizada pela reafirmação, apadrinhada pela mídia, do rígido papel do homem na sociedade, refletindo em estilo, ou mesmo reforçando, os limites restritos do mito da fêmea delicada.

Por contraste, os últimos vinte anos têm testemunhado uma pequena, mas crescente preocupação com as limitações, e natureza opressiva da convencional masculinidade. Esse artigo busca descrever o panorama atual das pesquisas que examinam as políticas de masculinidade, argüindo que a natureza da teoria é dependente da dinâmica comportamental das relações de poder.

As políticas de masculinidade.

Assim como a feminilidade, a masculinidade opera politicamente, a diferentes níveis. Em um nível, é uma forma de identidade, um meio de identificação que estrutura as atitudes e comportamentos pessoais. Em outro nível, distinto porém relacionado, masculinidade pode ser vista como uma forma de ideologia, o qual apresenta uma série de idéias que definem cargos, valores, e expectativas apropriadas pelo e para o homem.

É importante saber: esse tipo de masculinidade não é natural. Diferente da definição biológica da masculinidade, há a masculinidade como identidade de gênero construída socialmente, historicamente, e politicamente. Isto é a interpretação cultural da masculinidade, aprendida durante o convívio em sociedade, e em suas instituições. O caráter social e cultural da masculinidade é evidenciado pelas variações culturalmenteindependentes dos tipos de masculinidade, e pelas mudanças históricas nas definições predominantes do comportamento tipicamente masculino. Por exemplo, a noção do homem como ganhador do pão, ou provedor, emergiu no tardio século dezenove, com o advento do capitalismo industrial, substituindo conceitos pré-existentes de família, baseados no rendimento geral de produção.

Esse exemplo é uma instrutiva demonstração da natureza ideológica da masculinidade. Concepções de identidade, como ganhador do pão, ou dona de casa, operam para suportar e legitimar estruturas de desigualdade social, como a divisão sexual do trabalho entre homens (públicos/produtivos) e mulheres (privado/doméstico). A função ideológica primária dessas definições, é naturalizar as desigualdades nas relações de poder. A força ideológica da identidade de gênero é que a masculinidade ideológica é facilmente (e deliberadamente) confundida com a masculinidade biológica. Assumpções ideologicamente carregadas, recebem, através disto, um incontestável status de natural.

Desmascaras as políticas da ideologia, envolvem um exame das questões de poder e interesses. Usando o exemplo do ganhador do pão, é possível identificar pelo menos dois interesses, que se servem desta definição. O primeiro reflete a necessidade do capitalismo industrial, de mobilizar uma responsável e complacente força de trabalho. A noção de ganhador do pão, não somente legitima a divisão sexual do trabalho, mas também opera limitando a resistência a esta organização de trabalho pelas expectativas de transformação social, dentro das questões de responsabilidade e auto-estima. O segundo reflete o interesse (e a vantagem) do homem, em sustentar a subordinação econômica e dependência da mulher.

Uma análise similar, revela a função ideológica da masculinidade convencional, em sustentar a opressão sexual da mulher. Considerando que a masculinidade é definida pelo sexismo, a objetificação da mulher, a misoginia, homofobia, agressão e supressão das emoções, ele mantém e define como aceitáveis, padrões de violência doméstica e sexual contra a mulher. A extensão desses padrões de violência sexual nas sociedades ocidentais não pode ser considerada somente depravação. Eles precisam ser entendidos como estruturas de poder, como práticas sociais que consolidam as formas de dominância masculina. Isso não édizer que todos os homens são estupradores. Na verdade, isto mostra que os costumes dominantes da masculinidade são parte da manutenção de culturas sexistas que beneficiam a maioria dos homens, de alguma forma. A lógica do sexismo éultimamente a da objetificação e desumanização. Se a cultura do estupro é a extrapolaçao da cultura sexista , então representa somente uma parte dela.

Entender o significado político da masculinidade, então, envolve um exame de como a masculinidade está implicada nas estruturas de poder. Uma teoria adequada das políticas de masculinidade deve ser capaz de levar em conta, questões relativas ás relações de poder. Por exemplo, como a masculinidade opera para estruturar ou manter padrões de relações de gênero? Como a masculinidade está implicada em, ou estruturada por relações de classe no capitalismo moderno? De onde vêm as formas dominantes de masculinidade, e os interesses de quem elas refletem? Como podemos buscar uma forma de resistência, e mudança nessas formas dominantes?

As maiorias das teorias que tentaram produzir um entendimento político da masculinidade tiveram dificuldade em produzir análises coerentes das relações de poder entre os gêneros. Considerações sociobiológicas, por exemplo, tentam levar em conta a natureza e poder masculinos com referências á biologia e fisiologia. Essa abordagem não pode considerar diferenças culturais ou redefinições históricas da masculinidade. As teorias relativamente mais sofisticadas da socialização por funções dos gêneros sofrem de similares desvantagens teóricas. Os teorizadores da função dos gêneros dominaram os trabalhos teóricos sobre masculinidade no século vinte, focando nas formas em que as pessoas são socializadas através de personalidades de gêneros masculinos ou femininos. Esta escola teórica, exemplificada pelo trabalho de Talcott Parsons, aborda a masculinidade como um cargo institucionalizado, aprendido através da família, e como tendo certas funções dentro deste contexto. Essa abordagem é superior à da sociobiologia, porque leva em conta a masculinidade como fenômeno social, mais do natural, e examina essas funções dentro de uma estrutura (a família). De qualquer maneira, a estrutura da família em si, continua inquestionável pelos teóricos da função dos gêneros, sendo tratada como a estrutura usada para análises. Consequentemente, as relações de poder e interesses que produzem a estrutura ficam de fora das teorias..

Além disso, a teoria das funções de gênero fornece pequenas analises das relações de poder dentro da estrutura da família, focando essa estrutura nas diferenças entre os gêneros, mais do que nas relações de gêneros. Consequentemente, ela tende a assumir um relacionamento de complementaridade entre masculinidade e feminilidade, em vez de um relacionamento de poder. (Jessica Benjamin mostra como complementaridade, em vez de reciprocidade , é um relacionamento de poder, assim como separados mas iguais o é, a respeito da segregação. SG)

Carrigan, Connel e Lee situam as questões de poder e relações de gênero na concepção própria, de Masculinidade Hegemônica. A ampla abordagem sociológica destes focaliza-se na produção histórica de categorias sociais, particularmente sobre como o predomínio da branca, e heterosexual masculinidade é mantido e reproduzido . Utilizar esse conceito, eles argumentam, invoca a questão de como grupos específicos de homens ocupam posições de poder e riqueza, e como eles legitimame reproduzem as relações sociais que geram a própria predominância (dominance).

Aproveitando a visão de teóricos do feminismo e liberdade gay, eles argumentam que o modo predominante de masculinidade constrói uma hierarquia nas políticas sexuais, com os homens brancos e heterossexuais no topo. A subordinação das outras formas de masculinidade, como a homossexualidade, é relacionada com toda uma lógica de subordinação da mulher ao homem. Homossexualidade édefinida como feminina, ou exceção masculina, e dessa forma, inferior. Homofobia é crucial para a definição de masculinidade, de maneira renega homens enquanto potenciais objetos de ligações emocionais ou sexuais. Conseqüentemente, a homofobia opera para reforçar temas de opressiva heterossexualidade, como competição masculina para legitimar objetos sexuais (mulheres). Além do mais, homofobia é essencial para definir estruturas familiares quebeneficiam os homens como um todo, mas beneficiam ainda mais a classe dominante masculina, na construção de uma divisão sexual do trabalho (em que a mulher é uma trabalhadora privada, sem remuneração , que sustenta os trabalhadores homens)

Connel argumenta que a hegemonia masculina pode ser vista como uma estratégia masculina para manter a subordinação econômica, sexual e política da mulher, e um processo ideológico de articulação desta estratégia. Evidência desta estratégia é notavelmente visível , em meios variados como mídias de massa, estruturas salariais, políticas de pensão, design das casas, e atitudes judiciais em casos de estupro.

Um desenvolvimento teórico posterior é digno de nota. Teóricos pós-estruturalistas, como Foucault, argumentam que as relações de poder são visíveis não somente através da ação repressiva direta dos atores políticos, como o estado, mas também através da construção de formas particulares de identidade coletiva e pessoal. Masculinidade é um bom exemplo disto. Policiado pelo estado através de leis, códigos morais, medicina, psiquiatria e ciência , indivíduos devem , no fim das contas, estar se auto policiando, no que suas ações refletem de maneira significativa os interesses políticos implícitos nas construções dominantes de identidade masculina.

Conclusão.
As vantagens dessas abordagens residem na habilidade para teorizar adequadamente a estrutura das relações de poder na construção da masculinidade. Masculinidade écrucialmente definida pelos fatos estruturais da dominância masculina sobre a mulher , e as hierarquias da economia capitalista. Essas teorias também permitem um entendimento da maneira pela qual as formas dominantes de masculinidade mudam a cada mudança nas relações de gênero e organização econômica. Importante,elas permitem aos diferentes tipos de masculinidade , como a homossexualidade, serem consideradas como um tipo de resistência, em vez de desvio.

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