03 abril, 2006

Mitos do Neoliberalismo

Neoliberalismo: Mitos e realidade

por Martin Hart-Landsberg [*]

Tratados como o Acordo de Livre Comércio Norte Americano (NAFTA) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) aumentaram o poder e os lucros das transnacionais capitalistas à custa de crescente instabilidade e deterioração das condições de trabalho e de vida. Apesar desta realidade, as afirmações dos neoliberais de que a liberalização, desregulamentação e privatização produzem benefícios sem par foram repetidas tão frequentemente que muita gente do mundo do trabalho aceita-as como verdades incontestáveis. Assim, líderes de negócios e políticos nos Estados Unidos e outros países capitalistas desenvolvidos defendem reiteradamente suas tentativas de expandir a OMC e assegurar novos acordos como a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) como necessárias para assegurar um futuro mais brilhante para os povos do mundo, especialmente aqueles que vivem na pobreza.

Renato Ruggiero, por exemplo, o primeiro diretor-geral da OMC, declarou que os esforços liberalizadores da OMC tem "o potencial para erradicar a pobreza global na primeira parte do próximo século [XXI]".[1] Analogamente, escrevendo em Dezembro de 2005 pouco antes da reunião ministerial da OMC em Hong Kong, William Cline, membro sênior do Institute for International Economics, afirmou que "se todas as barreiras do comércio global fossem eliminadas, aproximadamente 500 milhões de pessoas podiam ser retiradas da pobreza ao longo de 15 anos... A atual Doha Round de negociações comerciais multilaterais na Organização Mundial de Comércio proporciona a melhor oportunidade única de a comunidade internacional alcançar estes ganhos". [2]

Portanto, se quisermos armar um desafio efetivo ao projeto de globalização neoliberal, devemos redobrar nossos esforços para vencer a "batalha das idéias". Vencer esta batalha exige, entre outras coisas, demonstrar que o neoliberalismo funciona como cobertura ideológica para a promoção de interesses capitalistas, não como estrutura científica para desvendar as consequências econômicas e sociais da dinâmica capitalista. Também exige mostrar os processos pelos quais o capitalismo, como sistema internacional, mina os interesses da classe trabalhadora ao invés de promovê-los, tanto no terceiro mundo como nos países capitalistas desenvolvidos.

O mito da superioridade do 'Livre comércio': Argumentos teóricos

Segundo os apoiantes da OMC e de acordos como a ALCA, estas instituições/acordos procuram promover o livre comércio a fim de aumentar a eficiência e maximizar o bem estar econômico. Este enfoque sobre o comércio esconde aquilo que é de facto uma agenda político-económica muito mais vasta: a expansão e o aumento das oportunidades de as corporações fazerem lucros. No caso da OMC, esta agenda tem sido prosseguida através de uma variedade de acordos que são destinados explicitamente a limitar ou realmente bloquear a regulação pública da atividade econômica em contextos que têm pouco a ver com o comércio, tal como ele é normalmente entendido.

Por exemplo: o Acordo sobre aspectos da propriedade intelectuais relacionados com comércio (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, TRIPS) limita a capacidade dos estados para negar patentes sobre certos produtos (incluindo outros organismos vivos) ou controlar a utilização de produtos patenteados nos seus respectivos países (incluindo a utilização de licenciamento obrigatório para assegurar preços acessíveis a produtos medicinais críticos). Ele também força os estados a aceitarem um aumento significativo na duração do período de tempo durante os quais as patentes permanecem em vigor.

O Acordo sobre medidas de investimento relacionadas com comércio (Agreement on Trade Related Investment Measures, TRIMS) restringe a capacidade dos estados de impor ao investimento direto estrangeiro (IDE) exigências quanto ao desempenho, contornando aqueles que exigiriam a utilização de inputs locais (incluindo trabalho) ou transferência de tecnologia.

Uma expansão proposta do General Agreement on Trade in Services (GATS) forçaria os estados a abrirem seus serviços nacionais de mercado (os quais incluem tudo, desde cuidados de saúde e educação a empresas públicas e comércio de retalho) a fornecedores estrangeiros, bem como a limitar a regulação pública da sua actividade.

Analogamente, um proposto Acordo de aquisições governamentais (Government Procurement Agreement) negaria aos estados capacidade para utilizar critérios não económicos, tais como trabalho e práticas ambientais, na concessão de contratos.

Estes acordos são raramente discutidos nos media principais precisamente porque levantam questões de poder privado versus público e não são facilmente defensáveis. Esta é uma das razões mais importantes porque aqueles que apoiam o projecto de globalização capitalista preferem descrever as disposições institucionais que ajudam a escorá-lo como acordos comerciais e defendem-nos na base das alegadas virtudes do livre comércio. Isto é uma defesa que infelizmente e injustamente mantem enorme influência entre o povo trabalhador, especialmente nos países capitalistas desenvolvidos. E, ao utilizar isto como fundamentação teórica, os advogados da globalização capitalista descobrem que é relativamente fácil encorajar a aceitação popular da proposição mais vasta de que resultados determinados pelo mercado são superiores aos que são socialmente determinados, em todas as esferas de atividade. Portanto, é importante que desenvolvamos uma crítica efetiva e acessível deste mito da superioridade do livre comércio. Na verdade, isso é uma tarefa mais fácil do que geralmente se supõe.

Os argumentos que promovem o livre comércio geralmente repousam na teoria da vantagem comparativa. David Ricardo introduziu esta teoria em 1821 no seu Principles of Political Economy and Taxation. Ela é muitas vezes mal compreendida, a asseverar o óbvio, que os países têm ou podem criar diferentes vantagens comparativas ou que o comércio pode ser proveitoso. Na verdade, ela apóia uma conclusão política muito específica: a melhor política econômica de um país é permitir que a atividade do mercado internacional não-regulamentado determine sua vantagem comparativa e seus padrões nacionais de produção. [3]

Ricardo "provou" a sua teoria da vantagem comparativa utilizando um modelo estático de dois países do mundo, no qual Portugal é suposto ser um produtor mais eficiente - tanto de vinho como de vestuário - do que a Inglaterra, mas com grande superioridade na produção vinícola. Ricardo demonstrou que, no mundo que criou, tanto Portugal como a Inglaterra ganhariam com uma divisão internacional do trabalho no qual cada um produzisse o bem no qual tivesse a maior vantagem relativa ou comparativa. Assim, muito embora a eficiência da produção da Inglaterra fosse inferior à de Portugal em ambos os bens, a lógica do livre comércio levaria Portugal a concentrar-se na produção vinícola e a Inglaterra na de vestuário, com o comércio resultante entre eles a gerar o máximo de benefícios para ambos os países.

Os economistas da corrente predominante, enquanto continuam a aceitar as linhas gerais da teoria de Ricardo, desenvolveram refinamentos para a mesma.

O mais importante é a teoria de Hecksher-Olin, a qual argumenta que se a vantagem comparativa de um país é moldada pelos seus recursos de base, os países pobres do terceiro mundo deveriam especializar-se em produtos trabalho-intensivos; a teoria da equalização do fator-preço, a qual argumenta que o comércio livre elevaria o preço dos fatores utilizados intensamente (o qual será trabalho não qualificado no terceiro mundo) até que todos os fatores-preço sejam equalizados à escala mundial; e a teoria de Stopler-Samuelson, a qual argumenta que os rendimentos do fator escasso (trabalho nos países ricos, capital nos países pobres) aguentarão a maior parte do livre comércio. Nenhum destes refinamentos desafia a conclusão básica da teoria da vantagem comparativa de Ricardo. Eles, de fato, proporcionam apoio adicional para o argumento de que os trabalhadores no terceiro mundo serão os maiores beneficiários do livre comércio.

Tal como todas as teorias, a da vantagem comparativa (e sua conclusão) é baseada num certo número de pressupostos. Dentre os mais importantes estão:

· Há competição perfeita entre firmas.

· Há pleno emprego de todos os fatores de produção.

· Trabalho e capital são perfeitamente móveis dentro de um país e não se movem através de fronteiras nacionais.

· Os ganhos do comércio de um país são apropriados por aqueles que vivem no país e gastos ao nível local.

· O comércio externo de um país está sempre em equilíbrio.

· Os preços de mercado refletem precisamente os custos reais (ou sociais) dos produtos produzidos.

Mesmo uma olhadela rápida a estes pressupostos revela que são extensos e irrealistas. Além disso, se não forem satisfeitos, não há base para aceitar a conclusão da teoria de que políticas de livre mercado promoverão o bem estar internacional.

Exemplo: a suposição do pleno emprego de todos os fatores de produção, incluindo o trabalho, é obviamente falsa. Igualmente problemático é o processo implícito de reestruturação da teoria, o qual assume que (mas nunca explica como) trabalhadores que perdem seus empregos em resultado das importações geradas pelo livre comércio encontrarão rapidamente novo emprego no sector exportador em expansão da economia. Na realidade, trabalhadores (e outros fatores de produção) podem não ser igualmente produtivos em utilizações alternativas. Mesmo que ignoremos este problema, se a sua redistribuição não for suficientemente rápida, a economia recém liberalizada provavelmente sofrerá um aumento de desemprego, o que conduz a uma redução na procura agregada e talvez à recessão. Assim, mesmo se todos os fatores de produção acabassem finalmente por tornarem-se plenamente empregados, é bastante possível que o custo do ajustamento ultrapassasse os alegados ganhos de eficiência da reestruturação comercial induzida.

A suposição de que os preços refletem custos sociais também é problemática. Muitos mercados de produtos são dominados por monopólios, muitas firmas recebem subsídios substanciais do governo que influenciam sua produção e decisões de preços, e muitas actividades produtivas geram externalidades negativas significantes (especialmente externalidades ambientais). Portanto, a especialização comercial baseada nos preços de mercado existentes poderia facilmente produzir uma estrutura da actividade económica internacional com eficiência global mais baixa, conduzindo a uma redução do bem estar social.

Também há motivos para desafiar o pressuposto de que o comércio externo permanecerá em equilíbrio. Esta suposição depende de uma outra, que os movimentos da taxa de câmbio automaticamente e rapidamente corrigirão desequilíbrios comerciais. Contudo, taxas de câmbio podem ser facilmente influenciáveis pela actividade financeira especulativa, que as levam a moverem-se em direcções mais desestabilizadoras do que de equilíbrio. Além disso, como o comércio verifica-se cada vez mais através de corporações transnacionais que controlam redes de produção, é de longe menos provável que movimentos de taxas de câmbio gerem os desejados novos padrões de produção. Na medida em que movimentos das taxas de câmbio falhem em produzir os necessários ajustamentos comerciais num período razoavelmente curto, as importações deverão ser reduzidas (e o equilíbrio comercial restaurado) através de uma redução forçada na procura agregada, e talvez, de uma recessão.

Também merecedor de desafio é o pressuposto de que o capital não é altamente móvel através de fronteiras nacionais. Este pressuposto ajuda a sustentar outros, incluindo o do pleno emprego e do comércio equilibrado. Se o capital é altamente móvel, então políticas de livre-mercado/livre-comércio poderiam produzir fugas de capital levando à desindustrialização, comércio desequilibrado e crise econômica. Em suma, as recomendações políticas dos apoiantes do livre comércio que decorrem da teoria da vantagem comparativa repousam sobre uma série de pressupostos extremamente dúbios. [4]

O mito da superioridade do 'Livre comércio': Argumentos empíricos

Os proponentes de políticas neoliberais muitas vezes citam os resultados de estudos de simulação altamente refinados para corroborar seus argumentos. Contudo, estes estudos são eles próprios seriamente enviesados, em grande parte porque confiam em muitos dos mesmos pressupostos da teoria da vantagem comparativa. O seguinte exame de dois importantes estudos revela como a confiança nestes pressupostos mina a credibilidade dos seus resultados.

Em 2001, Drusilla Brown, Alan Deardoff, e Robert Stern publicaram um estudo a afirmar que a eliminação de todas as barreiras comerciais, promovida pela OMC, acrescentaria US$ 1,9 milhão de milhões (trillion) ao produto econômico bruto do mundo em 2005. [5] O seu estudo foi amplamente divulgado em estórias na mídia, publicadas antes do início das negociações da OMC em Doha, Qatar, em Novembro de 2001.

O Banco Mundial também tentou calcular, na sua série Global Economic Prospects, os benefícios esperados da liberalização comercial. Em Global Economic Prospects 2002, concluiu que "integração mais rápida através do rebaixamento de barreiras ao comércio de mercadorias aumentaria o crescimento e proporcionaria cerca de US$ 1,5 milhão de milhões, de rendimento adicional cumulativo para países em desenvolvimento ao longo do período 2005-2015. A liberalização de serviços nos países em desenvolvimento poderia proporcionar ganhos ainda maiores — talvez até quatro vezes maiores do que esta quantia. [Os resultados também] mostram que a parte do trabalho no rendimento nacional aumentaria por todo o mundo em desenvolvimento". [6]

Os estudos de Brown, Deardoff, e Stern, e do Banco Mundial são baseados em modelos de equilíbrio geral computáveis, nos quais as economias são definidas por um conjunto de mercados interconectados. Quando os preços mudam - neste caso devido a uma mudança nas tarifas - os mercados nacionais de produtos são assumidos ajustarem-se para restaurar o equilíbrio. Uma vez que as economias são elas próprias conectadas através do comércio, as mudanças de preços também são assumidas gerar ajustamentos globais mais complexos antes de um novo equilíbrio ser alcançado. É mais na base de tal modelação que os autores destes estudos tentam determinar as consequências econômicas da liberalização comercial.

Este tipo de modelação é facilmente desafiado. Devem ser feitas suposições específicas acerca do comportamento de consumidores e produtores em diferentes mercados e em diferentes países, incluindo sua velocidade de ajustamento. Tabelas pormenorizadas do input-output nacional são também necessárias. Mas é necessário ainda mais. Exemplo: a fim de assegurar que o seu modelo será solucionável, Brown, Deardoff e Stern assumem que há apenas um único resultado de equilíbrio para cada cenário de liberalização comercial. Eles também assumem que há apenas dois inputs, capital e trabalho, os quais são perfeitamente móveis através dos sectores dentro de cada país, mas atados por fronteiras nacionais. Além disso, assumem que as despesas totais agregadas em cada economia são suficientes, e ajustar-se-ão automaticamente, para assegurar o pleno emprego de todos os recursos. Finalmente, assumem que taxas de câmbio flexíveis impedirão mudanças tarifárias de provocarem mudanças nas balanças comerciais.

Dito de forma diferente, os autores criaram um modelo no qual a liberalização não pode, como premissa, provocar ou piorar o desemprego, a fuga de capitais ou os desequilíbrios comerciais. Graças a tais premissas, se um país eliminar suas restrições comerciais as forças do mercado rapidamente e facilmente estimularão o capital e o trabalho a deslocarem-se para novas utilizações mais produtivas. E, uma vez que o comércio permanece sempre em equilíbrio, esta reestruturação gerará, por definição, um valor em dólares de novas exportações para cada valor em dólares de novas importações. Como observa Peter Dorman na sua crítica deste estudo: "Naturalmente, trabalhadores e governos teriam pouco com que se preocupar acerca de um tal mundo — desde que pudessem prontamente deslocar-se entre os sectores em expansão e em contracção da economia". [7]

Os economistas do Banco Mundial também utilizam modelos de equilíbrio geral computáveis no seu trabalho. Em Global Economic Prospects 2002, eles principiam sua estudo de simulação com "uma visão de partida acerca da provável evolução do países em desenvolvimento, baseada sobre as melhores hipóteses acerca de parâmetros geralmente estáveis - poupanças, investimento, crescimento populacional, comércio e crescimento da produtividade". [8] Este ponto de partida incorpora apenas aquelas mudanças no "regime de comércio global" que ocorreram a partir de 1997 e utiliza estas melhores hipóteses para estimar consequências econômicas para os anos de 2005 a 2015. A seguir, assumem a remoção de todas as restrições comerciais no período 2005 a 2010, com restrições reduzidas em um sexto a cada ano. [9] Finalmente, comparam as consequências econômicas estimadas a partir deste cenário de liberalização com aquelas do cenário de partida inicial a fim de determinar os ganhos da liberalização.

Este esforço de modelação também depende de vários pressupostos críticos e irrealistas. Um deles é que as reduções tarifárias não terão efeito sobre défices governamentais; eles permanecerão imutáveis tal como estavam à partida da projecção. Este pressuposto afirma que os governos serão capazes automaticamente de substituir as receitas das tarifas perdidas com novas receitas de outras fontes. Um outro pressuposto é que reduções tarifárias não terão efeito sobre balanças comerciais; elas permanecerão as mesmas tal como no ponto de partida da projecção. O pressuposto final é a existência do pleno emprego. Mais uma vez, um poderoso viés em favor do livre comércio é construído no coração do modelo por pressuposto, assegurando com isso um resultado pró-liberalização.

Embora este viés seja suficiente para descartar a utilidade do estudo como um guia para a política, ainda vale a pena examinar seus resultados por duas razões. Primeiro, os benefícios projetados são menores do que alguém poderia imaginar, dado o irrestrito apoio do Banco Mundial à liberalização. Segundo, estudos posteriores do Banco Mundial revelaram benefícios significativamente menores. No seu estudo de 2002, o Banco Mundial concluiu que "medido em termos estáticos, o rendimento mundial em 2015 seria US$ 335 mil milhões a mais, com a liberalização comercial [das mercadorias], do que no ponto de partida". [10] Os países do terceiro mundo como grupo receberiam US$ 184 mil milhões, ou aproximadamente 52 por cento deste total de benefícios. Significativamente, US$ 142 mil milhões deste ganho do terceiro mundo é projetado como vindo da liberalização do comércio em bens agrícolas. Ainda mais notável, US$ 114 mil milhões são estimados como vindo da liberalização pelo terceiro mundo, do seu próprio sector agrícola. [11] A liberalização do comércio em manufaturas verifica-se ser um assunto menor. O total de ganhos estimados do terceiro mundo com uma completa liberalização do comércio mundial em manufaturas monta a apenas US$ 44 mil milhões.

Se fôssemos considerar estes números seriamente, eles certamente sugeririam que o terceiro mundo tem pouco a ganhar com um acordo real da OMC. Como observam Mark Weisbrot e Dan Baker na sua crítica a este estudo, "a remoção de todas as barreiras dos países ricos às exportações de mercadorias dos países em desenvolvimento - incluindo agricultura, têxteis e outros bens manufaturados - ...quando tais mudanças estivessem plenamente implementadas no ano 2015... acrescentaria 0,6 por cento ao PIB dos países de baixo e médio rendimento. Isto significa que um país na África Sub-saariana que deveria, sob os atuais arranjos comerciais, ter um rendimento per capita de US$ 500 por ano em 2015, teria ao invés, um rendimento per capita de US$ 503". [12] Além disso, como também destacam, estes magros ganhos seriam de longe excedidos pelas perdas incorridas com a submissão a outros acordos associados à OMC.

Estimativas mais recentes do Banco Mundial mostram ganhos ainda menores com a liberalização. Em Global Economic Prospects 2005, o Banco Mundial incorporou novos conjuntos de dados, os quais permitiram "incluir a considerável reforma entre 1997 e 2001 (ex.: implementação contínua do Uruguai Round e progresso da China no acesso à OMC), e um tratamento melhorado de acordos de comércio preferencial". [13] Em resultado, o total projetado dos ganhos estáticos a partir da liberalização do comércio de mercadorias caiu para US$ 260 mil milhões (em 2015, em relação ao cenário do ponto de partida), com apenas 41 por cento dos ganhos a acumularem-se no terceiro mundo.

Embora o povo trabalhador tenha sido mal servido pela globalização capitalista, muitos estão relutantes em desafiá-la porque foram intimidados pelos argumentos "acadêmicos" daqueles que a apoiam. Contudo, como vimos, estes argumentos são baseados em teorias e simulações altamente artificiais que deliberadamente deturpam o funcionamento do capitalismo. Elas podem e devem ser desafiadas e rejeitadas.

Neoliberalismo: A realidade

A era neoliberal pós-1980 foi marcada pelo crescimento mais lento, por maiores desequilíbrios comerciais e pela deterioração das condições sociais. A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) relata que "para os países desenvolvidos como um todo (excluindo a China), o déficit comercial médio na década de 1990 é mais elevado do que na década de 1970 em quase 3 pontos percentuais de PIB, ao passo que a taxa de crescimento é mais baixa em 2 por cento ao ano". [14] Além disso:

O padrão é de um modo geral semelhante em todas as regiões em desenvolvimento. Na América Latina a taxa de crescimento médio na década de 1990 é mais baixa em 3 por cento ao ano do que na de 1970, enquanto os déficits comerciais como uma proporção do PIB são aproximadamente os mesmos. Na África sub-saarina o crescimento caiu, mas os déficits aumentaram. Os países asiáticos conseguiram crescer mais rápido na década de 1980, enquanto reduziam seus défices de pagamentos, mas na de 1990 tiveram de incidir em déficits maiores sem conseguirem crescer mais rápido. [15]

Um estudo de Mark Weisbrot, Dean Baker, e David Rosnick sobre as consequências das políticas neoliberais sobre o desenvolvimento do terceiro mundo chega a conclusões semelhantes. Os autores notam que "ao contrário da crença popular, os últimos 25 anos (1980-2005) verificaram uma de crescimento econômico agudamente mais lento, e progresso reduzido nos indicadores sociais para a vasta maioria dos países de rendimentos baixos e médios [em comparação com as duas décadas anteriores]". [16]

Para aqueles que rejeitam as principais suposições subjacentes aos argumentos da corrente principal para o "congelamento" da atividade econômica internacional, este resultado não é surpreendente. Em traços grossos, a liberalização comercial contribuiu para a desindustrialização de muitos países do terceiro mundo, aumentando portanto a sua dependência das importações. Ao torná-las mais baratas e mais fáceis de obter, estimulou também um aumento na importação de bens de luxo. E finalmente, ao atrair a produção de corporações transnacionais para o terceiro mundo, aumentou também a intensidade de importações da maior parte dos produtos de exportação do terceiro mundo. Os ganhos da exportação não podiam manter-se, principalmente porque a crescente atividade exportadora do terceiro mundo e a competição (pressionada pela necessidade de compensar o aumento nas importações) tendeu a empurrar para baixo os rendimentos das exportações. As exportações também foram limitadas pelo crescimento mais lento e pelo protecionismo da maior parte dos países capitalistas desenvolvidos.

Num esforço para manter o comércio em crescimento e administráveis os déficits em transações correntes, os estados do terceiro mundo, muitas vezes pressionados pelo FMI e Banco Mundial, aplicaram medidas de austeridade (especialmente cortes draconianos em programas sociais) para reduzir o crescimento econômico (e as importações). Eles também desregularam os mercados de capitais, privatizaram a atividade econômica, e afrouxaram os regimes que regulavam o investimento estrangeiro num esforço para atrair o financiamento necessário para compensar os déficits existentes. Apesar de devastador para o povo trabalhador e para as possibilidades de desenvolvimento nacional, estas políticas foram, como pretendido, capazes de responder aos interesses do capital transnacional em geral e de um pequeno mas influente sector do capital do terceiro mundo. Esta é a realidade do neoliberalismo.

A dinâmica do capitalismo contemporâneo

Apesar de o termo "neoliberalismo" conseguir, sob vários aspectos, apreender a essência das práticas e políticas capitalistas contemporâneas, sob alguns aspectos importantes, é também um termo problemático. Em particular, ele estimula a visão de que existe uma ampla gama de opções políticas sob o capitalismo, sendo o neoliberalismo apenas uma das possibilidades. Os estados poderiam rejeitar o neoliberalismo, se quisessem, e implementar políticas sociais mais democráticas e intervencionistas, semelhantes àquelas empregadas nas décadas de 1960 e 1970. Infelizmente, as coisas não são tão simples. O "congelamento" da atividade econômica que é geralmente identificado com o neoliberalismo não é tanto uma má escolha política, quanto é uma resposta estrutural forçada, da parte de muitos estados do terceiro mundo, a tensões e contradições geradas pelo capitalismo. Dito de outra forma, é o capitalismo (como um sistema dinâmico e explorador), ao invés do neoliberalismo (como um conjunto de políticas), que devem ser desafiados e ultrapassados.

Os teóricos da corrente dominante habitualmente consideram o comércio internacional, as finanças e o investimento como processos separados. Eles estão de fato inter-relacionados. E, como realçado acima, o impulso capitalista por maior lucratividade geralmente trabalhou para pressionar os estados do terceiro mundo para dentro de uma liberalização e desregulação completa. Esta dinâmica teve importantes consequências, especialmente, mas não exclusivamente, para o terceiro mundo. Ela encorajou, em particular, as corporações transnacionais a avançarem seus objetivos através do estabelecimento e extensão de redes de produção internacional. Isto conduziu a novas formas de dominação sobre a atividade industrial do terceiro mundo que envolve a sua remodelação e integração por cima das fronteiras de modos que são cada vez mais destrutivos para as necessidades sociais, econômicas e políticas do povo trabalhador.

Durante as décadas de 1960 e 1970, a maior parte dos países do terceiro mundo perseguiram estratégias de industrialização através de políticas de substituição de importações dirigidas pelo estado e financiaram seus déficits comerciais com empréstimos bancários. Este padrão acabou subitamente no princípio da década de 1980, quando instabilidades econômicas nos países capitalistas do mundo, especialmente nos Estados Unidos, levaram ao ascenso das taxa de juros e à recessão global. Os custos dos países tomadores de empréstimos do terceiro mundo levantaram vôo e os rendimentos das exportações mergulharam, disparando a "crise da dívida" do terceiro mundo. Com o repagamento da dívida em causa, os bancos reduziram muito seus empréstimos, o que conduziu a um contínuo aprofundamento dos problemas econômicos e sociais do terceiro mundo.

Para ultrapassar estes problemas, os estados do terceiro mundo procuraram novos caminhos para impulsionar exportações e novas fontes de fundos internacionais. Progressivamente, eles acabaram por ver o investimento direto estrangeiro orientado para a exportação como a resposta. A competição por este investimento era feroz. País após país fez mudanças nos seus regimes de investimento, a grande maioria delas concebida para criar um ambiente mais liberalizado, desregulamentado e "amistoso para os negócios". As corporações transnacionais responderam avidamente a estas mudanças, muitas das quais elas e os seus governos ajudaram a promover. E, ao longo dos anos 1991-98, o IDE tornou-se a maior fonte única de entradas de capital líquido no terceiro mundo, representando 34 por cento do total. [17]

As novas tecnologias tornaram possível às corporações transnacionais baratear os custos de produção de muitos bens através da segmentação e divisão geográfica dos seus processos de produção. Elas portanto utilizaram seus investimentos para localizar os segmentos de produção com trabalho intensivo - em particular a produção ou montagem de partes e componentes - no terceiro mundo. Isto foi especialmente verdadeiro para os produtos eletrônicas e elétricos e vestuário, e certos bens tecnologicamente avançados tais como instrumentos ópticos.

O resultado foi o estabelecimento ou a expansão de numerosas redes de produção internacionais estruturadas verticalmente, muitas das quais estendidas sobre vários países diferentes. De acordo com a UNCTAD, "foi estimado, com base nas tabelas de input-output de um certo número de países da OCDE e mercados emergentes, que o comércio baseado na especialização dentro de redes de produção vertical representa mais de 30 por cento das exportações mundiais, e que cresceu em até 40 por cento nos últimos 25 anos". [18]

Apesar da competição feroz no terceiro mundo para atrair IDE, as corporações transnacionais tenderam a concentrar seus investimentos em apenas uns poucos países. Em geral, o capital americano enfatizou a América do Norte (NAFTA), ao passo que o capital japonês focou o Extremo Oriente e o europeu a Europa Central. Os países que "perderam" na competição do IDE geralmente foram forçados a administrar os seus problemas de comércio e finanças com austeridade. Aqueles países que "venceram" habitualmente experimentaram uma transformação relativamente rápida. Mais especificamente, tornaram-se grandes exportadores de manufacturas, especialmente de produtos de alta tecnologia como transístores e semi-condutores, computadores, partes de computadores e máquinas de escritório, equipamento de telecomunicação e suas partes, e maquinaria elétrica.

Em consequência deste desenvolvimento, a fatia das exportações do terceiro mundo constituídas por manufacturas elevaram-se de 20 por cento na década de 1970 e princípios da de 1980 para 70 por cento no fim da de 1990. [19] A participação do terceiro mundo nas exportações manufactureiras saltou de 4,4 por cento em 1965 para 30,1 por cento em 1993. [20]

Os economistas da corrente dominante afirmam que este aumento nas exportações de manufaturados demonstra os benefícios da liberalização, e assim a importância do acordo de liberalização estilo OMC para o desenvolvimento. Contudo, este argumento identifica falsamente IDE e exportação de manufaturas com desenvolvimento, adulterando seriamente a dinâmica de acumulação do capital transnacional. A realidade é que a participação em redes de produção controladas por corporações transnacionais pouco fez para sustentar a elevação de padrões de vida, estabilidade econômica ou perspectivas de desenvolvimento nacional.

Há muitas razões para este fracasso. Primeiro, aqueles países que tiveram êxito em atrair IDE habitualmente fizeram-no no contexto da liberalização e desregulação das suas economias. Isto geralmente resultou na destruição das suas indústrias internas pela competição das importações, provocando desemprego, um aumento rápido nas importações, e esvaziamento industrial. Segundo, as atividades localizadas no terceiro mundo raramente transferem qualificações ou tecnologia, ou encorajam ligações industriais internas. Isto significa que estas atividades raramente são capazes de promover um processo de desenvolvimento dinâmico e integrado nacionalmente. Além disso, as exportações produzidas são altamente dependentes das importações, o que portanto reduz muito os rendimentos do comércio exterior.

Finalmente, os processos de acumulação transnacionais tornam o crescimento do terceiro mundo cada vez mais dependente da procura externa. Na maior parte dos casos, o mercado primário final para estas redes é os Estados Unidos, o que significa que o crescimento do terceiro mundo acaba por depender cada vez mais da capacidade de os Estados Unidos sustentarem déficits comerciais cada vez maiores - uma proposição cada vez mais dúbia.

Poucos países escaparam a estes problemas. A UNCTAD, por exemplo, estudou os desempenhos econômicos de "sete dos mais avançados países em desenvolvimento" ao longo do período 1981-86. Hong Kong (China), Malásia, México, República da Coréia, Singapura, Província da China de Formosa, e Turquia. Estes estão entre os mais bem sucedidos exportadores de manufaturas do terceiro mundo. Mas, porque grande parte da sua atividade exportadora é organizada dentro de redes de produção controladas por corporações transnacionais, os ganhos para o bem estar do trabalhador ou para o desenvolvimento nacional foram limitados.

Exemplo: o valor acrescentado médio da manufatura para o grupo como um todo permaneceu sistematicamente abaixo do valor das exportações manufaturadas ao longo de todo o período, com a proporção a declinar de 76 por cento em 1981 para 55 por cento em 1996. E, embora o proporção média de exportações de manufaturas do grupo em relação ao PIB tenha ascendido agudamente, sua razão média de valor de manufaturas acrescentado em relação ao PIB geralmente permaneceu imutável. [21] Além disso, enquanto o grupo como um todo geralmente manteve um duro equilíbrio no comércio de bens manufaturados até finais da década de 1980, depois daquele ano as importações cresceram muito mais depressa do que as importações. A experiência do México talvez simbolize melhor a bancarrota desta estratégia de crescimento: "entre 1980 e 1997 a fatia do México nas exportações mundiais de manufaturados aumentou dez vezes, ao passo que a sua fatia no valor produtivo acrescentado global caiu em mais de um terço, e sua fatia no rendimento mundial (em dólares correntes) [caiu] cerca de 13 por cento". [22]

China: O caso mais recente de êxito neoliberal

O fracasso do capitalismo para proporcionar desenvolvimento não é devido a uma falta de dinamismo; na realidade o extremo oposto é que é verdade. Ao intensificar o desenvolvimento e a aplicação de nova produção e relacionamento de trocas dentro e entre países, este dinamismo provoca rápidas alterações nas fortunas econômicas dos países, criando um grupo de "vencedores" constantemente em mutação (e retrocesso) e um (cada vez maior) grupo de "perdedores", mascarando a conexão entre os dois. Mesmo o Extremo Oriente tem estado sujeito às instabilidades da dinâmica capitalista, tal como o demonstra a crise asiática de 1997-98 que devastou antigas "estrelas" como a Coréia do Sul, Indonésia, Tailândia e Malásia. Depois de rapidamente se distanciarem destes países (e das suas antigas louvações ao seu crescimento), a maior parte dos neoliberais passou a abraçar ansiosamente um novo campeão: a China. [23]

De acordo com a sabedoria convencional, a China tornou-se o maior recipiente de investimento direto estrangeiro do terceiro mundo, o maior exportador de manufaturas e a economia em crescimento mais rápido, em grande parte porque o seu governo adotou uma estratégia de crescimento baseada no privilégio à empresa privada e às forças do mercado internacional. Em resposta a esta nova estratégia, o IDE líquido na China cresceu de US$ 3,5 mil milhões em 1990 para US$ 60,6 mil milhões em 2004. As filiais de indústrias produtoras estrangeiras agora representam aproximadamente um terço do total de vendas de manufaturados da China. Elas também produzem 55 por cento das exportações do país e uma porcentagem significativamente mais elevada das suas exportações de tecnologia superior. Em consequência destas tendências, a proporção das exportações em relação ao PIB do país ascendeu firmemente, de 16 por cento em 1990 para 36 por cento em 2003. [24] Assim, o crescimento da China tornou-se cada vez mais dependente da atividade organizada de exportação das corporações transnacionais.

O investimento estrangeiro na verdade transformou a China numa plataforma exportadora em crescimento rápido, com alguma capacidade de produção interna significativa. Ao mesmo tempo, muitas das limitações desta estratégia de crescimento, as quais foram destacadas acima, também são visíveis na China. Exemplo: a atividade de exportação dominada pelo estrangeiro pouco fez para apoiar o desenvolvimento da produção nacionalmente integrada ou das redes de oferta tecnológica. [25] Além disso, como o estado chinês continua a perder seu planejamento e controle, e os recursos do país são cada vez mais incorporados em redes estrangeiras , em boa parte para satisfazer procuras no mercado externo, o potencial de desenvolvimento autônomo do país está a ser perdido.

O crescimento da China enriqueceu um relativamente pequeno mas numericamente significativo grupo de chineses com rendimento elevado, os quais desfrutam de oportunidades de consumo expandidas. Contudo, estes ganhos foram em grande parte suportados (underwritten) pela exploração da grande maioria do povo trabalhador da China. Exemplo: em consequência das políticas chinesas de liberalização do estado, as empresas possuídas pelo estado despediram 30 milhões de trabalhadores ao longo do período entre 1998 e 2004. Com as taxas de desemprego com dois dígitos, poucos destes antigos trabalhadores do estado foram capazes de encontrar um reemprego adequado. De fato, 21,8 milhões deles dependem atualmente da "pensão mínima vital média" do governo para a sua sobrevivência. Em Junho de 2005, esta pensão era igual a aproximadamente US$ 19 por mês; em comparação, o rendimento médio mensal de um trabalhador urbano era aproximadamente de US$ 165. [26]

Enquanto a nova produção de exportação dominada pelo estrangeiro gerou novas oportunidades de emprego, a maior parte destes postos de trabalho são extremamente mal pagos. Um consultor do U.S. Bureau of Labor Statistics estimou que os trabalhadores fabris chineses ganham uma média de sessenta e quatro centavos [de dólar] por hora (incluindo benefícios). [27] Em Guangdong, onde são produzidas aproximadamente um terço das exportações da China, os salários base na indústria produtiva foram congelados durante a última década. Além disso, poucos, se é que algum, destes trabalhadores têm acesso a habitação barata, cuidados de saúde, pensões ou educação. [28]

A transformação econômica da China não só decorreu com altos custos para o povo trabalhador chinês como também intensificou (assim como beneficiou) as contradições do desenvolvimento capitalista em outros países, incluindo os do Extremo Oriente. Exemplo: os êxitos exportadores da China nos mercados capitalistas avançados, em particular os dos Estados Unidos, expulsaram outros produtores do Extremo Oriente para fora daqueles mercados. Por necessidade, eles reorientaram suas atividades exportadoras para a produção de peças e componentes para uso das corporações transnacionais voltadas para a exportação que operam na China. Assim, todo o Extremo Oriente está a ser tecido em conjunto, num regime de acumulação regional que transpõe muitas fronteiras e dessa forma reestrutura a atividade e os recursos nacionais para longe das necessidades internas. A atividade e os recursos, ao invés, estão a ser organizados para servir mercados de exportação fora da região sob a direção de corporações transnacionais cujos interesses estão sobretudo na redução do custo sem se importarem com as consequências sociais ou ambientais. [29]

O muito mais lento crescimento pós-crise dos países do Extremo Oriente, e as pressões engrandecidas pela competitividade que estão a esmagar padrões de vida por toda a região, proporcionam uma prova forte de que este novo arranjo das relações econômicas regionais é incapaz de promover um processo estável de desenvolvimento a longo prazo. Enquanto isso, a explosão de exportações da China também acelerou o esvaziamento industrial das economias japonesa e americana, assim como o insustentável déficit comercial estadunidense.

Em algum ponto os desequilíbrios (econômicos e políticos) gerados por este processo de acumulação tornar-se-ão demasiado grandes, e terá de haver correções. Na medida em que a lógica da competição capitalista continuar não desafiada, pode-se esperar que os governos administrem os processos de ajustamento com políticas que provavelmente piorarão as condições para os trabalhadores tanto no terceiro mundo como nos países capitalistas desenvolvidos. Também se pode esperar que os advogados do neoliberalismo abracem este processo de ajustamento como recurso para "descobrir" a sua próxima estória de êxito, cuja experiência será então citada como prova da superioridade das forças do mercado.

Nosso desafio

Como vimos, argumentos que se dizem capazes de demonstrar que as políticas de livre comércio / livre mercado transformarão as atividades e as relações econômicas de maneira a beneficiar universalmente o povo trabalhador estão baseadas sobre teorias e simulações que distorcem a atuação real do capitalismo. A realidade é que números cada vez maiores de trabalhadores estão a ser capturados por processos transnacionais de acumulação de capital cada vez mais unificados. A riqueza está a ser gerada mas os povos trabalhadores em todos os países envolvidos estão a ser confrontados uns contra os outros e a sofrerem consequências semelhantes, incluindo o desemprego e a piora das condições de vida e de trabalho.

O povo trabalhador e as suas comunidades estão empenhados em crescente, embora desigual, resistência à situação. Embora cada vez mais efetiva, esta resistência ainda permanece em grande medida defensiva e politicamente sem foco. Uma razão para isto é que a teoria neoliberal continua a proporcionar uma poderosa cobertura ideológica para a globalização capitalista, apesar do fato de ela ser gerada e concebida para o avanço dos interesses de classe capitalistas. A outra razão é a natureza dinâmica do capitalismo contemporâneo, o qual tende a mascarar sua natureza destrutiva. Portanto, como participantes na resistência, devemos trabalhar para assegurar que as nossas muitas lutas sejam travadas de maneiras que ajudem o povo trabalhador a entender melhor a natureza dos processos de acumulação que estão a remoldar nossas vidas. Deste modo podemos iluminar as raízes capitalistas comuns dos problemas que enfrentamos e a importância de construir movimentos comprometidos com a transformação social radical e a solidariedade (internacional).

Notas

1- Citado em Ha-Joon Chang, Kicking Away the Ladder: Development Strategy in Historical Perspective (London: Anthem Press, 2002), 15.

2- William Cline, "Doha Can Achieve Much More than Skeptics Expect," Finance and Development (March 2005), 22.

3- Significativamente, a maior parte dos teóricos neoliberais não incluem o livre movimento das pessoas nos seu argumento.

4- Discussão adicional sobre a fraqueza teórica das teorias subjacentes do livre comércio podem ser encontradas em Arthur MacEwan, Neo-Liberalism or Democracy: Economic Strategy, Markets, and Alternatives for the 21st Century (New York: Zed Press, 1999), chapter 2; Graham Dunkley, The Free Trade Adventure: The WTO, the Uruguay Round and Globalism—A Critique (New York: Zed Press, 2000), chapter 6; and Anwar Shaikh, "The Economic Mythology of Neoliberalism," in Alfredo Saad-Filho, ed., Neoliberalism: A Critical Reader (London: Pluto Press, 2005).

5- Drusilla Brown, Alan Deardoff, & Robert Stern, CGE Modeling and Analysis of Multilateral and Regional Negotiating Options, Discussion Paper 468 (University of Michigan School of Public Policy Research Seminar in International Economics, 2001), http://www.fordschool.umich.edu/rsie/workingpapers/

Papers451-475/r468.pdf.

6- The World Bank, Global Economic Prospects 2002 (Washington D.C.: World Bank, 2002), xiii.

7- Peter Dorman, The Free Trade Magic Act, Briefing Paper (Washington, D.C., Economic Policy Institute, 2001), 2.

8- World Bank, Global Economic Prospects 2002, (Washington, D.C.: World Bank Publications, 2001), 166.

9- As restrições que são eliminadas incluem tarifas de importação, subsídios de exportação e subsídios à produção interna.

10- World Bank, Global Economic Prospects 2002, 167.

11- Este resultado é em grande parte um reflexo dos pressupostos do modelo do Banco Mundial. Como o sector agrícola no terceiro mundo é protegido por tarifas relativamente elevadas e supostas ineficientes, sua liberalização produz os maiores ganhos para o terceiro mundo. Esta visão da produção agrícola do terceiro mundo ignora todas as considerações culturais e ecológicas.

12- Mark Weisbrot & Dean Baker, The Relative Impact of Trade Liberalization on Developing Countries, Briefing Paper (Washington, D.C., Center for Economic and Policy Research, 2002), 1.

13- World Bank, Global Economic Prospects 2005 (Washington D.C.: World Bank, 2005), 127.

14- UNCTAD, Trade and Development Report 1999 (New York: United Nations, 1999), vi.

15- UNCTAD, Trade and Development Report 1999 , vi.

16- Mark Weisbrot, Dean Baker, & David Rosnick, The Scorecard on Development: 25 Years of Diminished Progress (Washington, D.C., Center for Economic and Policy Research, 2005), 1.

17- UNCTAD, Trade and Development Report 2002 (New York: United Nations, 2002), 103.

18- UNCTAD, Trade and Development Report 2002, 63.

19- UNCTAD, Trade and Development Report 2002, 51.

20- UNCTAD, Trade and Development Report 2005 (New York: United Nations, 2005), 131.

21- 21- UNCTAD, Trade and Development Report 2002, 77.

22- UNCTAD, Trade and Development Report 2002, 80.

23- Para uma discussão da ascensão da China como estória de êxito neoliberal ver Martin Hart-Landsberg & Paul Burkett, China and Socialism: Market Reform and Class Struggle (New York: Monthly Review, 2005), especially chapter 1.

24- Martin Hart-Landsberg & Paul Burkett, "China and the Dynamics of Transnational Accumulation: Causes and Consequences of Global Restructuring," Historical Materialism (forthcoming 2006).

25- Hart-Landsberg & Burkett, "China and the Dynamics of Transnational Accumulation."

26- China Labor Bulletin, "Subsistence Living for Millions of Former State Workers" (September 7, 2005).

27- Edward Cody, "Workers In China Shed Passivity, Spate of Walkouts Shakes Factories," Washington Post, November 27, 2004.

28- Para mais discussão das consequências sociais destrutivas das políticas de estado chinesas para o povo trabalhador bem como da sua resistência crescente a estas políticas ver Hart-Landsberg & Burkett, China and Socialism, chapter 3.

29- Esta reestruturação é examinada em pormenor em Hart-Landsberg & Burkett, China and Socialism, chapter 4, and "China and the Dynamics of Transnational Accumulation."

[*] Martin Hart-Landsberg ensina ciências econômicas no Lewis & Clark College em Portland, Oregon. É autor de cinco livros, incluindo China and Socialism: Market Reforms and Class Struggle (Monthly Review Press, 2005) e Development, Crisis, and Class Struggle: Learning from Japan and East Asia (St. Martin Press, 2000), ambos escritos em parceria com Paul Burkett.

Original:
http://resistir.info/mreview/neoliberalismo_landsberg.html

http://www.monthlyreview.org/0406hart-landsberg.htm

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