Rafael Castilho: Fim
do Orkut fecha a Praia Grande das redes sociais
publicado em 2 de
outubro de 2014 às 9:50
quinta-feira, 3 de
julho de 2014
O fim do Orkut e o
preconceito social na internet
por Rafael Castilho,
em seu blog
O fim do site de
relacionamentos Orkut poderia ser analisado tão somente como um
fenômeno do mercado da internet e da tecnologia. Seria possível
pensarmos em como é efêmero o sucesso nesta sociedade de consumo e
a velocidade com que as modas passam no mercado digital.
Mas existem outras
questões que colaboraram decisivamente para o ocaso instantâneo do
Orkut e seu inevitável fim.
Eu que não sou nada
atento às tendências da internet, ainda que tenha um blog muito
prosaico há quase quatro anos, certa vez cometi uma gafe que não
pensava ser tão grave. Ao ver duas amigas posando para uma foto com
uma belíssima paisagem ao fundo, exclamei:
– Olha só! Foto
para Orkut, heim?
A resposta foi seca
e amarga:
– Facebook, por
favor…
Fiquei intrigado em
tentar saber o porquê de o Orkut, outrora tão badalado, causava
agora constrangimento e embaraço.
Não sou do tipo que
se atualiza rápido. Demoro em perceber certas novidades cotidianas.
Parecia-me muito curioso me dar conta que as mesmas pessoas que até
outro dia se divertiam e se esbaldavam no Orkut, agora se mudavam
rapidamente para o Facebook. Uma debandada instantânea que parecia
dizer: “o último que sair é o mais brega”.
Na ocasião me
ocorreu dizer que o Orkut era a Praia Grande dos sites de
relacionamento. Todo mundo havia se divertido aos montes por lá. Mas
agora, algumas pessoas sentiam vergonha de dizer.
Entre outras coisas,
o Orkut
morreu porque as classes pobres que recém descobriam a internet
passaram a frequentar a rede social. Rapidamente, o site ficou
identificado como “coisa de pobre” na internet.
No Facebook
estaríamos mais protegidos dessa “gente de mau gosto”.
Imediatamente à
migração coletiva, muitos comentários na nova rede reclamavam de
uma suposta “orkutização” do Facebook.
O
Brasil é o país dos camarotes Vips. Seja nas baladas,
nos estádios de futebol, no carnaval, nos hospitais, nas escolas e
universidades. Não seria diferente na internet.
O
grande pavor que redundou no fim do Orkut é a igualdade social.
A desigualdade já faz parte da vida mental dos brasileiros.
Estar no mesmo “status” ou “comunidade” de gente considerada
“abaixo” nas classes sociais, faz com que as pessoas
ameaçadoramente pareçam iguais. E o brasileiro sente
horror à igualdade.
Na internet
circulavam, e de alguma maneira ainda circulam, as chamadas pérolas
do Orkut. São fotografias com pessoas se divertindo de maneira
supostamente ridícula. Coisa de pobre, diriam uns e outros.
A recente mobilidade
social, ainda que tímida, permitiu com que boa parte da população
pudesse desfrutar certos bens de consumo e frequentarem espaços onde
antes sequer poderiam entrar.
É absolutamente
compreensível que ao aspirar pertencer ao que
se entende por classe média, as pessoas incorporem certos códigos
socialmente identificados com o sucesso econômico.
A
foto de uma pessoa tomando uísque junto à piscina de plástico pode
parecer ridícula para quem está acostumado a frequentar locais de
veraneio. Do mesmo modo que para um
estrangeiro pode parecer curioso um brasileiro de classe média
voltando de viagem com uma dezena de malas cheias de mercadorias de
lojas que para eles são tão comuns.
O desejo de consumo
das classes pobres causa espanto em quem se acostumou a desfrutar uma
posição relativamente privilegiada na pirâmide social. Melhor
seria se os pobres dessem atenção às suas necessidades
consideradas básicas como educação e moradia. Porém, na prática
não é assim que funciona. Neste
país o prestígio está diretamente ligado ao poder de compra. À
aquisição de bens de consumo e de certos códigos de riqueza, que
na prática funcionam como crachás de distinção social.
Qual o triunfo mais
visível do neoliberalismo senão a construção de uma sociedade
individualista onde o desejo de consumo orienta, motiva e movimenta
as populações. Criamos uma sociedade em que
você vale o que você tem. Se assim funciona em todas as
esferas, por que então a população pobre desejaria coisas
diferentes do que é valorizado no conjunto da sociedade?
É bem verdade que
pode parecer esquisito uma pessoa ainda não acostumada a desfrutar
de certos bens de consumo ostentando isso na internet. Porém, mais
sofrível que isso é quando a indústria cultural se apropria de
certas expressões culturais das classes pobres brasileiras,
resignificando e colocando em nova embalagem para a classe média
consumir.
Daí surgem
aberrações
como o Baile Funk para “Patricinhas” e “Mauricinhos”, além
do Forró ou o Sertanejo “Universitários”.
Apropriam-se de expressões culturais originais, subtraindo um
sentimento genuíno que aparentemente é inconveniente do ponto de
vista estético e transformam num movimento que
embora se chame “universitário”, não tem nada de inteligente.
Ao contrário, serve
como expressão de exclusão e preconceito.
A menina que tira
foto de biquíni, tomando sol na laje de uma casa na periferia
brasileira pode parecer ridículo. Ora, o que falar então do
filhinho de papai que sai cantando por aí que “o Morro do Dendê é
ruim de invadir”?
O fim do Orkut nos
mostra que a inclusão daqueles que estavam “em baixo” na
sociedade, automaticamente exerce uma pressão para os que outrora
estavam “em cima” subam mais ainda. A simples promessa de
igualdade com quem antes estava abaixo na escala social, faz com que
alguns automaticamente se sintam mais pobres. Isso vai muito além
das redes sociais. É algo que se sente nas grandes cidades
brasileiras. Não
é à toa que vivemos uma crise de percepção de felicidade nas
classes médias urbanas e que exista uma insatisfação
crônica em certos setores. Muitos
sentem-se mais pobres ou com a necessidade de se tornarem mais ricos.
A classe média
sente pavor da pobreza. Até porque a classe média brasileira ainda
é muito recente. Na vida das pessoas ainda é muito viva a memória
de pobreza. São muito raras as famílias que têm três gerações
de abastados. Em geral, as lembranças ainda são de um passado em
que os avós eram retirantes ou imigrantes esfomeados. Esta é uma
lembrança que atormenta.
As
“pérolas do Orkut” causavam pavor porque as pessoas se viam
naquelas condições. Só achavam graça porque conhecem muito bem
aquela realidade.
A
classe média se alia politicamente e incorpora como seus os
interesses da elite. Tudo isso num enorme esforço de pertencimento.
Da mesma forma que
usam grifes de roupas caras costuradas por algum trabalhador
escravizado em alguma oficina clandestina escondida por aí.
Incorporam novos códigos para pertencer.
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/rafael-castilho-fechou-praia-grande-das-redes-sociais.html