Bombardeamentos? Falar
de Deus? Obama está a seguir o guião dos jihadistas
24 de Agosto, 2014 -
16:11h | Robert Fisk
Barack Obama, antes de
voltar ao campo de golfe, informou ao mundo que nenhum Deus justo
permitiria (ao EIIL) fazer o que o grupo faz diariamente
O califado tem
produtores teatrais bastante estritos. Escreveram um sórdido e
selvagem guia. O nosso trabalho é responder a
cada uma das suas frases. Compreendem-nos o suficiente para saber o
que diremos. Assim, decapitaram James Foley e ameaçam fazer o
mesmo com um dos seus colegas. Que fazemos?
Exatamente o que previ há 24 horas: converter a morte de Foley numa
nova razão para continuar a bombardear o califado do EIIL.
E que mais nos
provocaram a fazer, ou pelo menos ao presidente norte-americano de
férias? Uma guerra em estritos termos
religiosos, que é exatamente o que eles queriam.
Barack Obama,
antes de voltar ao campo de golfe, informou ao
mundo que nenhum Deus justo permitiria (ao EIIL) fazer o que o grupo
faz diariamente.
Aí têm: Obama
converteu a barbárie do califado numa batalha inter-religiosa entre
deuses rivais; o nosso (ocidental) e o deles (o Deus dos muçulmanos,
claro). Isto é o mais que Obama se aproximou para rivalizar
com a néscia reação de George W. Bush quando, ao referir-se ao 11
de setembro, afirmou que nos bateríamos numa cruzada.
Agora, claro, Obama não
se referiu ao Deus muçulmano da mesma forma que Bush não tinha a
intenção de mandar milhares de guerreiros cristãos a cavalo às
terras bíblicas do Médio Oriente. De facto, Bush só enviou
guerreiros em tanques e helicópteros.
Obama mencionou
também que as vítimas do califado são “muçulmanas na sua imensa
maioria”, com o que deu a entender que o califado nem sequer é
muçulmano, apesar do seu entusiasmo em intervir no Iraque no
princípio deste mês não ter sido para ajudar esses milhares de
pobres muçulmanos, mas porque o preocupava que cristãos e yazidis
fossem perseguidos. E, então, existia o perigo potencial de que
houvesse vítimas norte-americanas, facto que os homens de Abú Bakr
Bagdadi compreenderam muito bem. Por isso assassinaram o pobre James
Foley. Não por ser jornalista, mas por ser norte-americano; um dos
norte-americanos que Obama prometeu defender no Iraque.
Independentemente de
Obama se esquecer que tinha reféns de nacionalidade norte-americana
na Síria, a tentativa de resgate levada a cabo pelo exército dos
Estados Unidos pelo menos prova que sabiam que Foley estava na Síria.
Mas, porque é que o EIIL está na Síria? Pois para derrotar o
governo de Assad, claro, que é o mesmo que nós tentamos fazer,
certo?
“
Por
que raio Obama achou que pode dizer aos muçulmanos o que um Deus
justo pode ou não pode fazer? O presidente lamentou a guerra
de Bush no Iraque, mas não se dá conta de que
milhões de muçulmanos no Iraque não acham que um Deus justo aceite
a invasão norte-americana ao seu país em 2003, ou
que dezenas de milhares de iraquianos tenham sido assassinados pelas
mentiras de Bush e de Blair
Por
que raio Obama achou que pode dizer aos muçulmanos o que um Deus
justo pode ou não pode fazer? O presidente lamentou a guerra
de Bush no Iraque, mas não se dá conta de que milhões de
muçulmanos no Iraque não acham que um Deus justo aceite a invasão
norte-americana ao seu país em 2003, ou que dezenas de milhares de
iraquianos tenham sido assassinados pelas mentiras de Bush e de
Blair.
Fiquei
chocado quando ouvi Obama dizer: Algo em que todos nós (sic) podemos
estar de acordo é que um grupo como o EIIL não tem lugar no século
XXI.
É o mesmo
discurso pedante que o velho malandro do Bill Clinton usou para
se dirigir ao Parlamento jordano após o impopular tratado do rei
Hussein com Israel; quando afirmou que todos os
grupos muçulmanos que se opuseram ao acordo eram formados por homens
do passado.
Por alguma razão, na
verdade achamos que os muçulmanos do Médio
Oriente precisam que lhes contemos a sua história e lhes expliquemos
o que os beneficia ou os prejudica.
Os muçulmanos
que estão de acordo que o assassinato de Foley foi um repugnante
crime contra a humanidade foram insultados por um cristão que lhes
disse o que um Deus justo aprovaria ou desaprovaria. E os que
apoiaram o assassinato estarão ainda mais convencidos de que os
Estados Unidos são, muito justificadamente, inimigos de todos os
muçulmanos.
Quanto ao sinistro
verdugo britânico John, inclino-me a pensar que viveu entre
Newcastle, Tyne ou Gateshead, pois dado que passei algum tempo em
Tyne achei que escutei uma pitada do sotaque característico dessa
região.
Mas John
bem pode ser francês, russo ou espanhol. Não é isso que
está mal na sua cabeça; trata-se de um fenómeno que afeta muitos
outros jovens, e milhares farão o mesmo que ele.
Como foi que, por
exemplo, um australiano permitiu que o seu filho posasse com a cabeça
decapitada de um soldado sírio? (Um militar que servia no exército
de Assad, cujo governo jurámos derrotar).
E como responderam os
nossos serviços de segurança? Com as suas tolices habituais, dando
a entender que o simples facto de ver esses horríveis vídeos de
execuções poderia constituir um crime terrorista. Que tipo de
idiotice é esta?
Pessoalmente, acho
igualmente ofensivo filmar – para depois mostrar na televisão –
o assassinato em massa de seres humanos mediante bombardeamentos. Mas
apesar disso mostramo-los, não é assim? Repetidamente
convidam-nos a observar nos nossos ecrãs de televisão os aviões e
drones a apontar ao alvo nas supostas posições dos combatentes do
EIIL e a imaginar a sua morte dentro da bola de fogo que calcina os
seus veículos. Que não possamos ver os seus rostos não torna isso
menos obsceno. Claro, as suas atividades são o oposto daquilo
por que lutava Foley, mas na verdade todos são militantes? Ainda não
ouvimos essa aberrante maldição linguística: dano colateral, mas
estou certo de que em breve ouviremos.
Que farão os nossos
chefes de segurança? Converter em crime terrorista ver os vídeos
das ações militares norte-americanas? Duvido, a não ser que nas
filmagens se mostre o sangrento assassinato de muitos civis. Então
sim poderiam argumentar, com justa razão, que ao vê-los se alimenta
o terrorismo. E então teríamos que deixar de cobrir as guerras.
Artigo de Robert Fisk,
publicado por “The Independent”, traduzido por Gabriela Fonseca
para o jornal mexicano La Jornada e por Carlos Santos para
esquerda.net
Sobre o/a autor(a)
Robert Fisk
Jornalista inglês,
correspondente do jornal “The Independent” no Médio Oriente.
Vive em Beirute, há mais de 30
anoshttp://www.esquerda.net/artigo/bombardeamentos-falar-de-deus-obama-esta-seguir-o-guiao-dos-jihadistas/33852
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