11 outubro, 2011

Zizek - Capitalismo nao eh democracia


O filósofo e escritor esloveno Slavoj Zizek visitou a acampamento do movimento Ocupar Wall Street, no parque Zuccotti, em Nova York e falou aos manifestantes. “Estamos testemunhando como o sistema está se autodestruindo. "Quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou".

 Leia a íntegra do pronunciamento de Zizek.

Slavoj Zizek

Durante o crash financeiro de 2008, foi destruída mais propriedade privada, ganha com dificuldades, do que se todos nós aqui estivéssemos a destruí-la dia e noite durante semanas. Dizem que somos sonhadores, mas os verdadeiros sonhadores são aqueles que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente da mesma forma.

Não somos sonhadores. Somos o despertar de um sonho que está se transformando num pesadelo. Não estamos destruindo coisa alguma. Estamos apenas testemunhando como o sistema está se autodestruindo.

Todos conhecemos a cena clássica do desenho animado: o coiote chega à beira do precipício, e continua a andar, ignorando o fato de que não há nada por baixo dele. Somente quando olha para baixo e toma consciência de que não há nada, cai. É isto que estamos fazendo aqui.

Estamos a dizer aos rapazes de Wall Street: “hey, olhem para baixo!”

Em abril de 2011, o governo chinês proibiu, na TV, nos filmes e em romances, todas as histórias que falassem em realidade alternativa ou viagens no tempo. É um bom sinal para a China. Significa que as pessoas ainda sonham com alternativas, e por isso é preciso proibir este sonho. Aqui, não pensamos em proibições. Porque o sistema dominante tem oprimido até a nossa capacidade de sonhar.

Vejam os filmes a que assistimos o tempo todo. É fácil imaginar o fim do mundo, um asteróide destruir toda a vida e assim por diante. Mas não se pode imaginar o fim do capitalismo. O que estamos, então, a fazer aqui?

Deixem-me contar uma piada maravilhosa dos velhos tempos comunistas. Um fulano da Alemanha Oriental foi mandado para trabalhar na Sibéria. Ele sabia que o seu correio seria lido pelos censores, por isso disse aos amigos: “Vamos estabelecer um código. Se receberem uma carta minha escrita em tinta azul, será verdade o que estiver escrito; se estiver escrita em tinta vermelha, será falso”. Passado um mês, os amigos recebem uma primeira carta toda escrita em tinta azul. Dizia: “Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar é tinta vermelha.”

É assim que vivemos – temos todas as liberdades que queremos, mas falta-nos a tinta vermelha, a linguagem para articular a nossa ausência de liberdade. A forma como nos ensinam a falar sobre a guerra, a liberdade, o terrorismo e assim por diante, falsifica a liberdade. E é isso que estamos a fazer aqui: dando tinta vermelha a todos nós.

Existe um perigo. Não nos apaixonemos por nós mesmos. É bom estar aqui, mas lembrem-se, os carnavais são baratos. O que importa é o dia seguinte, quando voltamos à vida normal. Haverá então novas oportunidades? Não quero que se lembrem destes dias assim: “Meu deus, como éramos jovens e foi lindo”.

Lembrem-se que a nossa mensagem principal é: temos de pensar em alternativas. A regra quebrou-se. Não vivemos no melhor mundo possível, mas há um longo caminho pela frente – estamos confrontados com questões realmente difíceis. Sabemos o que não queremos. Mas o que queremos? Que organização social pode substituir o capitalismo? Que tipo de novos líderes queremos?

Lembrem-se, o problema não é a corrupção ou a ganância, o problema é o sistema. Tenham cuidado, não só com os inimigos, mas também com os falsos amigos que já estão trabalhando para diluir este processo, do mesmo modo que quando se toma café sem cafeína, cerveja sem álcool, sorvete sem gordura.

Vão tentar transformar isso num protesto moral sem coração, um processo descafeinado. Mas o motivo de estarmos aqui é que já estamos fartos de um mundo onde se reciclam latas de coca-cola ou se toma um cappuccino italiano no Starbucks, para depois dar 1% às crianças que passam fome e fazer-nos sentir bem com isso. Depois de fazer outsourcing ao trabalho e à tortura, depois de as agências matrimoniais fazerem outsourcing da nossa vida amorosa, permitimos que até o nosso envolvimento político seja alvo de outsourcing. Queremos ele de volta.

Não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que entrou em colapso em 1990. Lembrem-se que hoje os comunistas são os capitalistas mais eficientes e implacáveis. Na China de hoje, temos um capitalismo que é ainda mais dinâmico do que o vosso capitalismo americano. Mas ele não precisa de democracia. O que significa que, quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou.

A mudança é possível. O que é que consideramos possível hoje? Basta seguir os meios de comunicação. Por um lado, na tecnologia e na sexualidade tudo parece ser possível. É possível viajar para a lua, tornar-se imortal através da biogenética. Pode-se ter sexo com animais ou qualquer outra coisa. Mas olhem para os terrenos da sociedade e da economia. Nestes, quase tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco os impostos aos ricos? Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade. Querem mais dinheiro para a saúde? Eles dizem que é impossível, isso significaria um Estado totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos prometem ser imortais, mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados de saúde.

Talvez devêssemos definir as nossas prioridades nesta questão. Não queremos um padrão de vida mais alto – queremos um melhor padrão de vida. O único sentido em que somos comunistas é que nos preocupamos com os bens comuns. Os bens comuns da natureza, os bens comuns do que é privatizado pela propriedade intelectual, os bens comuns da biogenética. Por isto e só por isto devemos lutar.

O comunismo falhou totalmente, mas o problema dos bens comuns permanece. Eles dizem-nos que não somos americanos, mas temos de lembrar uma coisa aos fundamentalistas conservadores, que afirmam que eles é que são realmente americanos. O que é o cristianismo? É o Espírito Santo. O que é o Espírito Santo? É uma comunidade igualitária de crentes que estão ligados pelo amor um pelo outro, e que só têm a sua própria liberdade e responsabilidade para este amor. Neste sentido, o Espírito Santo está aqui, agora, e lá em Wall Street estão os pagãos que adoram ídolos blasfemos.

Por isso, do que precisamos é de paciência. A única coisa que eu temo é que algum dia vamos todos voltar para casa, e vamos voltar a encontrar-nos uma vez por ano, para beber cerveja e recordar nostalgicamente como foi bom o tempo que passámos aqui. Prometam que não vai ser assim. Sabem que muitas vezes as pessoas desejam uma coisa, mas realmente não a querem. Não tenham medo de realmente querer o que desejam. Muito obrigado

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18669

03 outubro, 2011

Liberalismo x Neoliberalismo 

Antonio Lassance


O inferno astral do neoliberalismo


O que está ruim ainda tem a chance de ficar pior. A crise profunda do neoliberalismo tem tido como efeito político a ressurreição do conservadorismo. Se os novos liberais perderam força, os conservadores tomaram muito de seu espaço. A última vez em que isso aconteceu foi após a I Guerra Mundial, com o nazismo e do fascismo.


O velho liberalismo romântico

O neoliberalismo é uma ideologia, uma visão de mundo. Mais precisamente, é uma visão de mundo adepta do individualismo, da competição, do Estado mínimo e da primazia do mercado, o que justifica sua filiação ao velho liberalismo. O que havia de novo nesse liberalismo?

O velho liberalismo de Adam Smith reservava funções claras ao Estado, mesmo que sumárias, como a defesa do território, a proteção (que hoje preferimos chamar de segurança pública), o recolhimento de impostos e a política monetária. Mas nenhum liberal clássico, ao defender o indivíduo, deixava de olhar a sociedade como um todo. A liberdade individual supostamente promoveria o bem estar da sociedade. Smith externava preocupação com o fato de que seus concidadãos, que vestiam o mundo, estavam em farrapos.

Para o neoliberalismo, porém, não existe sociedade; o que existe são indivíduos (frase de Margareth Thatcher, ex-primeira ministra do Reino Unido). Não existe serviço público que não possa e não deva ser prestado por empresas privadas (frase de David Cameron, atual primeiro ministro britânico).

Para o liberalismo clássico, as corporações eram um problema a ser atacado. “A riqueza das nações”, de Adam Smith, criticava a proteção estatal às companhias comerciais, que exerciam atividades mercantis de forma monopolística, financiadas e escoltadas com recursos públicos. Para o novo liberalismo, as corporações são “a firma” e são equiparadas aos indivíduos. São pessoas jurídicas e têm por trás de si acionistas (indivíduos). Ao contrário da versão original, para o neoliberalismo a riqueza dos indivíduos é apátrida, e não uma riqueza “das nações”.

Outro fator de novidade do neoliberalismo era a globalização, uma marcha tida como inexorável para o domínio absoluto do globo por essas grandes corporações (comerciais, industriais, mas sobretudo financeiras). Bem diferente da ideia de divisão internacional do trabalho, que tinha como base as nações e o trabalho, e não as empresas e os fluxos financeiros. Romanticamente, Smith apontava um caminho para cada país encontrar seu lugar ao sol, produzindo de acordo com sua vocação. Deve-se dar um desconto ao romantismo de Adam Smith, pois ele era contemporâneo da poesia de Lord Byron, da música de Beethoven, da pintura de Delacroix. O mundo respirava romantismo por todos os lados e parecia que o progresso salvaria a todos.

A visão do neoliberalismo não é nada romântica. Os neoliberais são realistas até o último fio de cabelo. Eles são herdeiros da mutação genética introduzida no velho liberalismo pelo darwinismo social de Herbert Spencer, na segunda metade do século XIX. Sua vinculação a Friedrich Hayek tem traços claros que os colocam mais como apóstolos da lei do mais forte do que da lei do livre mercado.

Ascensão e queda do neoliberalismo
A construção do neoliberalismo desenrolou-se aos soluços, com inúmeros sobressaltos. Ele sobreviveu em estado vegetativo por décadas, até ganhar uma dimensão política avassaladora com o tridente formado por Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, nos anos 1980, personificado nas lideranças de Ronald Reagan, Margareth Thatcher e Helmut Kohl.

Sua força política empunhava um ideário econômico agressivo, cuja síntese mais propalada tornou-se conhecida como o “Consenso de Washington”.

O ciclo do neoliberalismo, quase como um ciclo biológico tradicional, durou cerca de vinte e cinco anos. É difícil encontrar hoje em dia algo que não traga sinais dessa herança. Mesmo com seus abalos, ao final dos anos 1990, ele ainda ganhou uma sobrevida por meio de governos da autointitulada “terceira via”. Sob este guarda-chuvas está uma legião composta pelos democratas nos EUA (Bill Clinton), socialdemocratas da Europa (Tony Blair, no Reino Unido; Gerhard Schröder, na Alemanha; Lionel Jospin, na França; Massimo D’Alema, na Itália) e parte da América Latina (como Fernando Henrique Cardoso, no Brasil; Carlos Andrés Perez, na Venezuela; Carlos Menem, na Argentina; e todos os governos da Concertación chilena).

O inferno astral
O neoliberalismo sofreria um profundo abalo e entraria definitivamente em seu inferno astral a partir de 2008, quando se ouviu um dobre de finados não na periferia do sistema, mas na catedral do capitalismo, em Nova York. Era o enterro da Lehman Brothers Holdings Incorporated.

Mas uma das características do neoliberalismo, além da ousadia e do cinismo, é a teimosia. Ele insistia em disputar projetos políticos e em ganhar eleições com seus arautos. Neles residiam as últimas esperanças de dar a volta por cima, recobrar as energias e reinventar formas de acumulação que evitassem que o capitalismo carregasse a pecha de ser um grande prejuízo para a vida da maioria dos mortais.

Para a surpresa dos incautos, o neoliberalismo conseguiu eleger novos garotos-propaganda. Na pátria-mãe, o Reino Unido, David Cameron; no Chile, Sebastián Piñera; na Alemanha, Angela Merkel.

O Reino Unido é o exemplo mais retumbante do fracasso estrutural do neoliberalismo. Sua política econômica tem como eixo a redução de serviços públicos e a tentativa de desmonte de estruturas de Estado, uma retórica persistente, mas pouco efetiva. O inglês mantém um alto grau de prestação de serviços públicos estatais. Conjunturalmente, a inflação está em alta, com as projeções beirando os 5% - pois é, eles não vão cumprir a meta de inflação, que por lá está fixada em 2%. O desemprego não só está em alta, como é o maior dos últimos dois anos.

A Escócia de Adam Smith, em má homenagem ao credo neoliberal, ostenta um grande número de serviços públicos gratuitos à população. Seu Estado de bem-estar social faz inveja ao dos ingleses. Os escoceses já haviam conseguido um parlamento próprio e agora têm ganhado mais adeptos em favor de sua independência. A política de desmonte, do governo Cameron, tem ajudado em muito a aumentar a adesão à proposta de secessão. As receitas da Escócia são suficientes para mostrar que, se alguém pode sair perdendo com a separação, é a Inglaterra.

No País de Gales, a seção local do partido conservador cogita até trocar de nome e reclama de sua associação ao legado de Margareth Thatcher. A má fama do thatcherismo, segundo pesquisas, os prejudica eleitoralmente.

No Chile, Piñera enfrenta as maiores manifestações desde Pinochet. Além dos estudantes nas ruas, grande parte dos moradores das cidades do sul do país, dependentes do gás subsidiado para se proteger do frio, protesta contra o reajuste do produto e o encarecimento do custo de vida.

Na Alemanha, Merkel tem feito pouca coisa que pode ser considerada verdadeiramente neoliberal. Tanto que até seu companheiro de partido, Helmut Kohl, lhe faz críticas sistemáticas. Os socialdemocratas alemães parecem bem mais apegados ao neoliberalismo e dizem que a Alemanha vai pagar caro pelas “vacilações” de Merkel, que deveria ser mais dura em cobrar ajustes rigorosos em toda a zona do Euro.

O conservadorismo e seu contraponto
Mas a hora não é dada a comemorações. O que está ruim ainda tem a chance de ficar pior. A crise profunda do neoliberalismo tem tido como efeito político a ressurreição do conservadorismo. Se os novos liberais perderam força, os conservadores tomaram muito de seu espaço. A última vez em que isso aconteceu foi após a I Guerra Mundial, com o nazismo e o fascismo.

O conservadorismo tem como bandeiras o combate aos imigrantes, o protecionismo, o militarismo e o gasto social seletivo. Quer reduzir a prestação de serviços públicos e trocá-los por cheques, “vouchers” e descontos de imposto de renda, mas não exatamente por razões privatistas. Há um duplo propósito. Torna possível financiar empresas privadas nacionais para prestar serviços públicos essenciais e fecha a porta aos imigrantes, que vivem na ilegalidade e não podem receber esses benefícios focalizados.

O conservadorismo que tem no “Tea Party”, dos EUA, seu movimento mais proeminente, é protecionista, nacionalista, militarista, xenófobo, intolerante Os neoliberais não são a fonte desses cacoetes. Seus vícios originais são outros, embora aceitem compartilhá-los, principalmente o militarismo, se isso justificar vantagens competitivas.

Neoliberais apoiam a imigração como forma de atrair talentos de qualquer parte do mundo e reduzir o custo da mão-de-obra, assim como para manter uma ampla parcela de trabalhadores apartada de direitos sociais. São a favor do direito de mulheres muçulmanas escolherem se querem ou não usar a burka, pois sua proibição desrespeita a liberdade individual. São cautelosos quanto ao militarismo, pois seus gastos são elevados. Henry Kissinger e James Baker escreveram, meses atrás, um artigo condenando a intervenção na guerra da Líbia, com base em um cálculo da relação custo-benefício para os Estados Unidos.

Na crise financeira de 2008, os neoliberais foram, em grande medida, “liquidacionistas”, como o velho Hayek pregava. Disseram que os bancos em dificuldades deveriam ser deixados à sua própria sorte e quebrarem, se preciso fosse.

Se há um contraponto político ao conservadorismo, ele ronda a América do Sul. Está pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Venezuela, Equador e Peru. Com defeitos, limitações, tibiezas e inúmeros problemas. Na Europa e nos Estados Unidos, os movimentos de esquerda são de uma espontaneidade sem luxemburguismo (o da Rosa, não o do Vanderley). Dependem de associações civis pouco conectadas à luta política nacional e têm um profundo descrédito pelos partidos, inclusive os de ultraesquerda, afogados em sua própria retórica e empacados em sua falta de projeto.

Fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5205&boletim_id=1007&componente_id=16198

02 outubro, 2011

O que os economistas NÃO mostram29/11/05
Título: "Morte aos Economistas"
Lula Miranda


 
Das planilhas de cálculo dos economistas não escorre seiva, não escorre sangue (a não ser que pensemos em termos metafóricos). Ali,

não pulsa a vida. Apenas números frios, percentuais e estatísticas em seu gélido pragmatismo. Olhando para os hoje tão propalados

“ajustes” e “superávites” fiscais não se percebe a fome, a exclusão. Não se vê a dor e a tristeza estampadas na face dos idosos nas

quilométricas filas do SUS ou do INSS, madrugadas frias adentro. As planilhas dos economistas e seus ajustes fiscais nada revelam

além de um economicismo perverso e criminoso escamoteado por um discurso que sugere uma pretensa racionalidade no uso do

dinheiro público. Puro engodo e tergiversação. Morte aos economistas.

As planilhas dos economistas não revelam as preciosas vidas perdidas na guerra pérfida e inútil de todos os dias (aliás, todas as

guerras devem ser consideradas inúteis e pérfidas). Ali, nas planilhas dos tecnocratas, o futuro e a esperança são negados aos jovens.

Elas, na sua letra fria, não revelam a calamidade na educação ou na saúde. Não revelam os corpos esquálidos, o sorriso amarelo, que é

quase um não-sorriso, e os olhares sem vida das crianças indígenas e dos filhos dos lavradores do semi-árido que morrem de inanição.

Morte aos economistas.

As planilhas dos economistas não revelam o déficit habitacional, os sem-teto que se espojam maltrapilhos, famélicos e sujos pelas

sarjetas. Os moradores de Alagados na Bahia, da Brasília Teimosa no Recife ou do Buraco Quente em São Paulo – ou de qualquer outra

entre tantas favelas – tampouco são contemplados pelo “glamour” cínico dos tecnocratas e sua econometria de resultados ou pelo

rentismo dessa globalitária “financeirização” tão em voga. Ou muito menos o apartheid na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro, onde

estão devidamente apartados os que morrem no morro e os que vivem no asfalto. Não revelam o pavor de todo o dia nas grandes, ou

até mesmo pequenas cidades: a insegurança, o medo do próximo, o medo da violência. Morte aos economistas.

As planilhas dos economistas e seus superávites fiscais nos negam o sonho, o pão, a poesia de cada dia. Nos negam a cidadania. Nos

negam o inalienável direito de construirmos uma nação. Nos negam a soberania. Morte aos economistas.

A “sensatez” bem calculada dos economistas não apazigua o olhar de desalento do pai e/ou mãe de família desempregado(s). Os

economistas nada enxergam para além de “resultados” – mas aí, esclareça-se, esse “resultado” não tem nada a ver com o resultado de

fato (ou, em outras palavras, no que resultam as suas medidas na vida real), é apenas o registro escritural de resultados contábeis,

projeções orçamentárias e de custos. Morte aos economistas.

É bastante revelador que nenhum parlamentar tenha ainda sugerido a criação de uma Lei de Responsabilidade Social, que seria uma

espécie de lei magna, soberana e que se sobreporia às demais leis, inclusive, e principalmente, à Lei de Responsabilidade Fiscal – como a

Constituição se sobrepõe às demais leis ordinárias. A nenhuma gestor seria permitido deixar faltar merenda escolar e um ensino público

de qualidade às crianças e jovens em idade escolar. A nenhum gestor seria permitido deixar de oferecer um serviço de saúde de

qualidade aos habitantes do seu Estado, município ou país. A nenhum gestor seria permitido criar “campos de extermínio” como as

Febem superlotadas ou deixar crianças perambulando sujas e maltrapilhas pelas ruas das cidades, ou mesmo deixar idosos e

desvalidos vivendo na sarjeta. Mas nenhum parlamentar ou economista sugeriu a criação de uma Lei de Responsabilidade Social. Morte

aos economistas.

Esses verdadeiros cientistas da ignomínia que transformaram esse país, que poderia ser uma grande nação, num imenso laboratório de

perversidades e a nós todos em suas cobaias – verdadeiros cordeiros na imolação cotidiana. Morte aos economistas.



Sejam os economistas a serviço do médico Palocci ou aqueles a serviço dessa abominável “nova” leva de políticos que estão na moda, os

chamados “gerentes” ou “super-gerentes” (mas quem dita a moda mesmo?). Hoje, os mais incensados (pela mídia grande, é claro)

representantes dessa categoria são Geraldo Alckmin (SP) e Aécio Neves (MG), que afirmam ter feito um tal de “choque de gestão” –

mais uma falácia, mera grandiloqüência retórica e empulhação para legitimar, e até mesmo legalizar, toda uma sonegação aos direitos

mais básicos do cidadão. Em outras palavras, para justificar o desmonte do Estado, o salário miserável dos professores, a saúde

precária e a falta de reajuste para os servidores de um modo geral. Quem vive em São Paulo ou Minas Gerais sabe a verdadeira

calamidade e incompetência administrativa que são a mais perfeita (e verdadeira) tradução dessas gestões. Morte aos economistas e

seus “super-gerentes”.

Claro, e aí conto com a cúmplice generosidade e benevolência dos leitores, que estão isentos dessa minha sentença capital o meu colega

Paulo Nogueira Batista Jr., o Beluzzo, a Maria da Conceição Tavares, o Eduardo Carneiro e alguns outros poucos economistas que

sabem haver vida para muito além dos números. Para estes, a gente dá um salvo-conduto. Afinal, um ou outro economista a gente

ainda tolera. Até mesmo porque vamos precisar de alguns deles para edificar a nossa utopia. Ou não? Morte aos economistas.



N.E. - Uma informação acessória, a título de curiosidade: Lula Miranda é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade

Católica do Salvador – UCSal.http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=5374