29 julho, 2011

A Extrema Direita Domina

Por Walter Hupsel . 26.07.11 - 16h48
Eles venceram

Há algum tempo muitos analistas vêm falando do crescimento da extrema-direita na Europa e no mundo. Eu mesmo já escrevi aqui neste espaço algumas vezes sobre o tema.

Como em todo discurso de ódio, que a caracteriza, a nova extrema-direita precisa encontrar seu inimigo. Se antes este era encarnado nos judeus apátridas, que “vagavam” pela Europa prontos a “pilhar” os recursos dos cristãos, hoje o inimigo atende pelo nome de muçulmano. São seres esquisitos, que às vezes usam uma espécie de turbante, que não acreditam no verdadeiro filho de deus, e que, algumas vezes, interpretam literalmente o que seu deus teria dito através do profeta Maomé.

Este crescimento não é nem tão novidade assim, e tem sua origem no fim do Bloco Soviético. Por um lado, os europeus “ocidentais” se viram ameaçados com aquela massa de pessoas procurando empregos, ansiosos em entrar no modo de vida capitalista. Isso levou a uma depreciação do valor do trabalho. Os novos bárbaros vinham do leste para destruir o sonho da Europa Cristã capitalista.

Por outro lado, os que viviam dentro da cortina de ferro se viram órfãos, jogados num mundo que desconheciam, e por isso temiam. Muito do movimento de completar o círculo e se voltar à extrema-direita foi feita por estes europeus do leste, numa curiosa contradição. Os ocidentais se sentiam invadidos e queriam proteção contra os invasores. Os orientais, novatos no mundo da competição, queriam o mesmo.

Em comum apenas o ódio contra aquele passageiro que chega no ônibus já cheio, cuja presença vai encher ainda mais o veículo, e que, por isso, é  visto com desconfiança pelos “nativos”. Estes, os mais recentes, são aqueles que não conseguem ser abarcados pela definição de Europa, os muçulmanos. Os ódios se juntam contra o terceiro.

Mas isso não interessa tanto. Interessa como a mídia repercutiu os atentados na Noruega na semana passada. Todos os veículos “ocidentais”, sem nenhuma exceção, correram para dizer que seriam obras de…. muçulmanos. As razões beiravam a esquizofrenia coletiva: desde a Líbia (com Kadafi relembrando os tempos da PanAm), até mesmo o Acordo de Paz de Oslo, que deveria por fim ao conflito Israel-Palestina, assinado por Yitzhak Rabin (Israel) e Yasser Arafat (OLP), mediado pelo então presidente dos EUA, Bill Clinton.

Os “especialistas”, atônitos com o ocorrido, tentaram, de toda e qualquer maneira, encaixar uma explicação qualquer que remetesse aos muçulmanos. Qualquer coisa, naquele momento, servia a eles, nos seus delírios, nas suas elucubrações. Diria eu que estavam estado de êxtase hipnótico, apontando o dedo rua afora e vendo fantasmas em todos os lugares.

Desde os primeiros momentos já estava claro, pra qualquer pessoa que tentasse entender o que se passava, que o alvo dos atentados não era a Noruega, ou mesmo o governo, mas sim um partido, uma posição política. Era claro, logo, que o atentado fora levado a cabo por razões internas.

O alvo, o modus operandi, tudo indicava solidamente pra nacionalistas noruegueses, para extrema-direita. Mas a mídia olhou, e não viu. Não quis ver.

Quando finalmente enxergou, as características “religiosas” do assassino, do terrorista norueguês, foram esquecidas. Ele tornou-se uma radical louco, um homem perturbado aos olhos dos jornais. Afinal era um de nós.

A mídia, seus intérpretes, seus analistas com doutorado em grandes universidades, especialistas em Relações Internacionais, em terrorismo, compraram acriticamente o discursos da extrema-direita do inimigo da Europa.

Neste quesito, tristemente posso falar: ela venceu. Pautou a mídia, espalhou o medo do outro e, como demonstrou, conquistou mentes.http://colunistas.yahoo.net/posts/12608.html
publicada sexta-feira, 29/07/2011 às 10:44 e atualizada sexta-feira, 29/07/2011 às 11:24



A era do preconceito
Por Celso Amorim, da CartaCapital

Nesta era da internet a informação é instantânea. A desinformação também. A notícia sobre os trágicos atentados de Oslo chegou-me enquanto eu navegava pelos sites que costumo frequentar para me atualizar sobre o que ocorre no mundo. Pus-me imediatamente em busca dos detalhes. Abri a página de uma respeitada revista internacional. Além de alguns pormenores, obtive também a primeira explicação, que veria em seguida nas versões eletrônicas dos jornais brasileiros, segundo a qual o perpetrador dos atos terríveis era alguém a serviço de um movimento fundamentalista islâmico. Dois dias depois do acontecido, quando ficou claro que, na verdade, se tratava de um extremista de direita que pertenceu a movimentos neonazistas, ainda é possível encontrar, mesmo com ressalvas (porque a internet comete essas “traições”), a mesma interpretação apressada, baseada no preconceito contra muçulmanos.

No caso da revista internacional, a interpretação não se limitou a essa caracterização genérica. Deu “nome e endereço” do facínora, que seria um iraquiano curdo ligado a sunitas fanáticos, vivendo no exílio desde 1991. O articulista foi mais longe. Apontou as possíveis motivações do crime hediondo, que estariam relacionadas com a presença de tropas norueguesas no Afeganistão e com a percepção, por parte dos tais fundamentalistas, da cumplicidade da imprensa norueguesa com caricaturas ofensivas ao Profeta.

Evidentemente, tudo isso era muito plausível, à luz do ocorrido no 11 de Setembro, descartando-se as hipóteses conspiratórias sobre aquele trágico episódio. Mas era igualmente plausível a hipótese, que acabou confirmada, de que se tratasse de outro tipo de fundamentalista, do gênero “supremacista branco”. O alvo do ataque era um governo da esquerda moderada, visto como tolerante em relação a imigrantes e aberto ao diálogo com as mais diversas facções em situações conflituosas, inclusive no Oriente Médio. Para sublinhar a natureza ideológico-religiosa do ato de violência, o terrorista visou também a juventude do partido, pacificamente acampada em uma ilha.

Algo semelhante havia ocorrido seis anos antes do atentado contra as Torres Gêmeas, quando outro fanático havia feito explodir um prédio público na cidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. Daquela feita, o Estado – e tudo o que ele simboliza como limitação ao indivíduo, percebido como independente e antagônico em relação à sociedade – foi o objeto da ira destruidora. Também naquela época, quando a Al-Qaeda ainda não havia ganhado notoriedade, as primeiras análises apontaram para os movimentos islâmicos.

Não ponhamos, porém, a culpa na internet. Ela apenas faz com que visões baseadas em preconceitos, que não deixam de refletir certo tipo de fundamentalismo, se espalhem mais rapidamente, com o risco de gerarem “represálias” contra o suposto inimigo. Felizmente, neste caso, a eficiente ação da polícia norueguesa impediu que isso ocorresse. Mas o risco existe de que, em outras situações, as tragédias se multipliquem, por vezes com o apoio de movimentos marginais inconsequentes, que buscam tirar partido dos eventos, assumindo responsabilidade por algo que não fizeram.

Não é possível ignorar que, no caso da invasão do Iraque, o preconceito, e não apenas a manipulação deliberada (que também existiu), estava por trás de vinculações absurdas, usadas para justificar decisões que causaram centenas de milhares de vítimas (há quem fale em 1 milhão). O suposto elo entre Saddam Hussein e o terrorismo nunca se comprovou, da mesma forma que eram falsas as alegações quanto à posse por Bagdá de armas de destruição em massa. Num primeiro momento, contudo, essas justificativas foram aceitas pela maioria da população norte-americana.

Não sejamos inocentes. Interesses econômicos e políticos, e não apenas preconceitos, motivaram a decisão de atacar o Iraque. Mas o pano de fundo de uma visão particularista do mundo, em que “diferente” se torna sinônimo de “inimigo”, ajuda a criar o caldo de cultura de que se valem os líderes para obter, das populações que governam, o indispensável apoio às suas custosas aventuras bélicas.


A Noruega não corre esse risco. Como disse o primeiro-ministro Stoltenberg, o terrorismo insano não destruirá a democracia do país nórdico, que, ademais, se tem notabilizado por importantes iniciativas em favor da paz. Aliás, é o ódio às pessoas que promovem a paz e o entendimento, além da intolerância e do fanatismo, que está na raiz desse bárbaro atentado. Infelizmente, não só o orgulho, como queria a romancista inglesa, mas também o ódio costuma ser um companheiro inseparável do preconceito.


Leia outros textos de Outras Palavrashttp://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/a-era-do-preconceito.html

27 julho, 2011

O Terror da Extrema-Direita

Tragédia da Noruega deve levar Europa a agir contra extremismo
2011-07-27 09:27


Quando o mundo acreditava que isto era obra do terrorismo islâmico internacional, todos os homens de Estado, de Obama a Cameron, disseram que estavam ao lado da Noruega na nossa luta contra o terrorismo. E agora, em que consiste a luta? Todos os dirigentes ocidentais têm o mesmo problema dentro das suas fronteiras. Travarão uma guerra contra o crescente extremismo de direita, contra a islamofobia e o racismo? O artigo é de Aslak Sira Myhre, escritor norueguês.

Aslak Sira Myhre (*)

Como qualquer outro cidadão de Oslo, vagueei pelas ruas e os edifícios atacados. Visitei até a ilha em que foram massacrados os jovens ativistas políticos. Partilho do medo e da dor do meu país. Mas a questão continua a ser, por quê, e esta violência não foi cega.

O terror na Noruega não veio de extremistas islâmicos. Nem tão pouco da extrema esquerda, ainda que ambos tenham sido acusados muitas vezes de constituírem uma ameaça interna ao “nosso modo de vida”. Até agora, incluindo aquelas horas terríveis da tarde de 22 de julho, o pouco terrorismo que conheci no meu país veio sempre da extrema direita.

Durante décadas, a violência política neste país foi praticamente um exclusivo dos neo-nazis e de outros grupos racistas. Nos anos 70, atentaram com explosivos contra livrarias de esquerda e contra uma manifestação do Primeiro de Maio. Nos anos 80, dois neo-nazis foram executados sob a suspeita de terem traído o seu grupo. Nas últimas duas décadas, dois jovens noruegueses não-brancos morreram por causa de ataques racistas. Nenhum grupo estrangeiro matou ou feriu pessoas em território norueguês, à excepção dos serviços secretos de Israel, a Mossad, que assassinou por engano um inocente em Lillehammer em 1973.

No entanto, e apesar destes eloquentes antecedentes, quando este devastador terrorismo agora nos golpeou, as suspeitas recaíram imediatamente sobre o mundo islâmico. Eram os fundamentalistas islâmicos. Tinham que ser eles.

Prontamente se denunciou um ataque à Noruega, ao nosso modo de vida. Logo que a notícia foi divulgas, algumas raparigas vestidas com hijabs e de aparência árabe foram perseguidas pelas ruas de Oslo.

Natural. Durante pelo menos 10 anos disseram-nos que o terror vinha do leste. Que um árabe é, por natureza um suspeito; que todos os muçulmanos estão contaminados. Regularmente, vemos como a segurança aero-portuária examina pessoas de cor em salas separadas; há infinitos debates sobre os limites da “nossa” tolerância. Na medida em que o mundo islâmico se converteu no “Outro”, começamos a pensar que o que nos distingue a “nós” de “eles” é a capacidade de matar civis a sangue frio.

Há, é claro, outra razão para que todos estejamos atentos à al-Qaeda. A Noruega participa na Guerra do Afeganistão há 10 anos, durante algum tempo interviemos também na Guerra do Iraque e agora atiramos bombas sobre Tripoli. Há um limite de tempo para participar na guerra antes da guerra nos atingir.

Mas, apesar de todos sabermos disto, apenas se mencionou a guerra quando sofremos o ataque terrorista. A nossa primeira resposta assentava na irracionalidade: tinham que ser “eles”. Eu temia que a guerra que travávamos no estrangeiro pudesse chegar à Noruega. E depois? Que aconteceria à nossa sociedade? À nossa tolerância, ao nosso debate político e, sobretudo, aos nossos imigrantes e aos seus filhos nascidos na Noruega?

Mas não foi assim. Uma vez mais, o coração das trevas profundamente dentro de nós próprios. O terrorista era um homem branco e nórdico. Não um muçulmano, mas sim um muçulmanófobo.

Logo que isso ficou claro, a carnificina começou a ser discutida como obra de um louco; deixou de ser vista como um ataque à nossa sociedade. Mudou a retórica; as manchetes dos jornais mudaram o foco. Ninguém fala já de guerra. Fala-se de um “terrorista”, no singular, não no plural: um indivíduo particular, não um grupo indefinido facilmente generalizável para incluir simpatizantes ou qualquer outra pessoa. O ato terrível é agora oficialmente uma tragédia nacional. A questão é: teria acontecido da mesma forma se o autor fosse um louco, mas de origem islâmica?

Eu também estou convencido que o assassino está louco. Para caçar e executar adolescentes numa ilha durante uma hora, teve que perder o juízo. Mas, tal como no caso do 11 de setembro de 2001 ou no caso das bombas no metro de Londres, trata-se de uma loucura com causa, uma causa que é tanto clínica como política.

Qualquer pessoa que tenha dado uma olhadela às páginas web dos grupos racistas, ou seguido os debates online dos jornais noruegueses, terá notado a fúria com que se difunde a islamofobia; o ódio venenoso que escritores anônimos vomitam contra as ideias anti-racistas e contra a esquerda política. O terrorista de 22 de julho participava nesses debates. Foi um membro ativo de um dos grandes partidos políticos noruegueses, o partido populista de direita (Partido do Progresso da Noruega). Abandonou-o em 2006 e procurou a sua ideologia na comunidade de grupos anti-islamistas da Internet.

Quando o mundo acreditava que isto era obra do terrorismo islâmico internacional, todos os homens de Estado, de Obama a Cameron, disseram que estavam ao lado da Noruega na nossa luta contra o terrorismo. E agora, em que consiste a luta? Todos os dirigentes ocidentais têm o mesmo problema dentro das suas fronteiras. Travarão uma guerra contra o crescente extremismo de direita, contra a islamofobia e o racismo?

Umas horas depois da explosão, o primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, disse que a nossa resposta ao ataque deveria ser mais democracia e mais abertura. Se se comparar com a resposta de Bush aos ataques do 11 de Setembro, há razões para nos sentirmos orgulhosos. Mas no rescaldo da mais terrível experiência que a Noruega conheceu desde o final da II Guerra Mundial, eu gostaria que se fosse mais longe. É necessário ter em conta este trágico incidente para lançar uma ofensiva contra a intolerância, o racismo e o ódio crescentes, não só na Noruega, não só na Escandinávia, mas em toda a Europa.

(*) Escritor norueguês, director da Casa da Literatura em Oslo e ex-dirigente da Aliança Eleitoral Vermelha da Noruega



(**) Artigo publicado no jornal britânico "Guardian", traduzido para espanhol por Mínima Estrella para Sin Permiso e para português por Carlos Santos para esquerda.net

Fonte: Carta Maiorhttp://ativistape.webnode.com.br/news/tragedia-da-noruega-deve-levar-europa-a-agir-contra-extremismo/#.TjAEWprenww.tweet

Tragédia da Noruega deve levar Europa a agir contra extremismo
2011-07-27 09:27


Quando o mundo acreditava que isto era obra do terrorismo islâmico internacional, todos os

homens de Estado, de Obama a Cameron, disseram que estavam ao lado da Noruega na nossa

luta contra o terrorismo. E agora, em que consiste a luta? Todos os dirigentes ocidentais têm o

mesmo problema dentro das suas fronteiras. Travarão uma guerra contra o crescente

extremismo de direita, contra a islamofobia e o racismo? O artigo é de Aslak Sira Myhre,

escritor norueguês.

Aslak Sira Myhre (*)

Como qualquer outro cidadão de Oslo, vagueei pelas ruas e os edifícios atacados. Visitei até a

ilha em que foram massacrados os jovens ativistas políticos. Partilho do medo e da dor do

meu país. Mas a questão continua a ser, por quê, e esta violência não foi cega.

O terror na Noruega não veio de extremistas islâmicos. Nem tão pouco da extrema esquerda,

ainda que ambos tenham sido acusados muitas vezes de constituírem uma ameaça interna ao

“nosso modo de vida”. Até agora, incluindo aquelas horas terríveis da tarde de 22 de julho, o

pouco terrorismo que conheci no meu país veio sempre da extrema direita.

Durante décadas, a violência política neste país foi praticamente um exclusivo dos neo-nazis e

de outros grupos racistas. Nos anos 70, atentaram com explosivos contra livrarias de esquerda

e contra uma manifestação do Primeiro de Maio. Nos anos 80, dois neo-nazis foram

executados sob a suspeita de terem traído o seu grupo. Nas últimas duas décadas, dois jovens

noruegueses não-brancos morreram por causa de ataques racistas. Nenhum grupo estrangeiro

matou ou feriu pessoas em território norueguês, à excepção dos serviços secretos de Israel, a

Mossad, que assassinou por engano um inocente em Lillehammer em 1973.

No entanto, e apesar destes eloquentes antecedentes, quando este devastador terrorismo

agora nos golpeou, as suspeitas recaíram imediatamente sobre o mundo islâmico. Eram os

fundamentalistas islâmicos. Tinham que ser eles.

Prontamente se denunciou um ataque à Noruega, ao nosso modo de vida. Logo que a notícia

foi divulgas, algumas raparigas vestidas com hijabs e de aparência árabe foram perseguidas

pelas ruas de Oslo.

Natural. Durante pelo menos 10 anos disseram-nos que o terror vinha do leste. Que um árabe

é, por natureza um suspeito; que todos os muçulmanos estão contaminados. Regularmente,

vemos como a segurança aero-portuária examina pessoas de cor em salas separadas; há

infinitos debates sobre os limites da “nossa” tolerância. Na medida em que o mundo islâmico

se converteu no “Outro”, começamos a pensar que o que nos distingue a “nós” de “eles” é a

capacidade de matar civis a sangue frio.

Há, é claro, outra razão para que todos estejamos atentos à al-Qaeda. A Noruega participa na

Guerra do Afeganistão há 10 anos, durante algum tempo interviemos também na Guerra do

Iraque e agora atiramos bombas sobre Tripoli. Há um limite de tempo para participar na

guerra antes da guerra nos atingir.

Mas, apesar de todos sabermos disto, apenas se mencionou a guerra quando sofremos o

ataque terrorista. A nossa primeira resposta assentava na irracionalidade: tinham que ser

“eles”. Eu temia que a guerra que travávamos no estrangeiro pudesse chegar à Noruega. E

depois? Que aconteceria à nossa sociedade? À nossa tolerância, ao nosso debate político e,

sobretudo, aos nossos imigrantes e aos seus filhos nascidos na Noruega?

Mas não foi assim. Uma vez mais, o coração das trevas profundamente dentro de nós

próprios. O terrorista era um homem branco e nórdico. Não um muçulmano, mas sim um

muçulmanófobo.

Logo que isso ficou claro, a carnificina começou a ser discutida como obra de um louco;

deixou de ser vista como um ataque à nossa sociedade. Mudou a retórica; as manchetes dos

jornais mudaram o foco. Ninguém fala já de guerra. Fala-se de um “terrorista”, no singular,

não no plural: um indivíduo particular, não um grupo indefinido facilmente generalizável

para incluir simpatizantes ou qualquer outra pessoa. O ato terrível é agora oficialmente uma

tragédia nacional. A questão é: teria acontecido da mesma forma se o autor fosse um louco,

mas de origem islâmica?

Eu também estou convencido que o assassino está louco. Para caçar e executar adolescentes

numa ilha durante uma hora, teve que perder o juízo. Mas, tal como no caso do 11 de

setembro de 2001 ou no caso das bombas no metro de Londres, trata-se de uma loucura com

causa, uma causa que é tanto clínica como política.

Qualquer pessoa que tenha dado uma olhadela às páginas web dos grupos racistas, ou

seguido os debates online dos jornais noruegueses, terá notado a fúria com que se difunde a

islamofobia; o ódio venenoso que escritores anônimos vomitam contra as ideias anti-racistas e

contra a esquerda política. O terrorista de 22 de julho participava nesses debates. Foi um

membro ativo de um dos grandes partidos políticos noruegueses, o partido populista de

direita (Partido do Progresso da Noruega). Abandonou-o em 2006 e procurou a sua ideologia

na comunidade de grupos anti-islamistas da Internet.

Quando o mundo acreditava que isto era obra do terrorismo islâmico internacional, todos os

homens de Estado, de Obama a Cameron, disseram que estavam ao lado da Noruega na nossa

luta contra o terrorismo. E agora, em que consiste a luta? Todos os dirigentes ocidentais têm o

mesmo problema dentro das suas fronteiras. Travarão uma guerra contra o crescente

extremismo de direita, contra a islamofobia e o racismo?

Umas horas depois da explosão, o primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, disse que a

nossa resposta ao ataque deveria ser mais democracia e mais abertura. Se se comparar com a

resposta de Bush aos ataques do 11 de Setembro, há razões para nos sentirmos orgulhosos.

Mas no rescaldo da mais terrível experiência que a Noruega conheceu desde o final da II

Guerra Mundial, eu gostaria que se fosse mais longe. É necessário ter em conta este trágico

incidente para lançar uma ofensiva contra a intolerância, o racismo e o ódio crescentes, não só

na Noruega, não só na Escandinávia, mas em toda a Europa.

(*) Escritor norueguês, director da Casa da Literatura em Oslo e ex-dirigente da Aliança

Eleitoral Vermelha da Noruega



(**) Artigo publicado no jornal britânico "Guardian", traduzido para espanhol por Mínima

Estrella para Sin Permiso e para português por Carlos Santos para esquerda.net

Fonte: Carta Maiorhttp://ativistape.webnode.com.br/news/tragedia-da-noruega-deve-levar

-europa-a-agir-contra-extremismo/#.TjAEWprenww.tweet

22 julho, 2011

As vitorias do Socialismo

"O socialismo é uma doutrina triunfante”

Uma entrevista feita com Antonio Candido pela jornalista Joana Tavares, do Brasil de Fato.

Crítico literário, professor, sociólogo, militante. Um adjetivo sozinho não consegue definir a importância de Antonio Candido para o Brasil. Considerado um dos principais intelectuais do país, ele mantém a postura socialista, a cordialidade, a elegância, o senso de humor, o otimismo. Antes de começar nossa entrevista, ele diz que viveu praticamente todo o conturbado século 20. E participou ativamente dele, escrevendo, debatendo, indo a manifestações, ajudando a dar lucidez, clareza e humanidade a toda uma geração de alunos, militantes sociais, leitores e escritores.
Tão bom de prosa como de escrita, ele fala sobre seu método de análise literária, dos livros de que gosta, da sua infância, do começo da sua militância, da televisão, do MST, da sua crença profunda no socialismo como uma doutrina triunfante. “O que se pensa que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele”, afirma.

Brasil de Fato – Nos seus textos é perceptível a intenção de ser entendido. Apesar de muito erudito, sua escrita é simples. Por que esse esforço de ser sempre claro?
Antonio Candido – Acho que a clareza é um respeito pelo próximo, um respeito pelo leitor. Sempre achei, eu e alguns colegas, que, quando se trata de ciências humanas, apesar de serem chamadas de ciências, são ligadas à nossa humanidade, de maneira que não deve haver jargão científico. Posso dizer o que tenho para dizer nas humanidades com a linguagem comum. Já no estudo das ciências humanas eu preconizava isso. Qualquer atividade que não seja estritamente técnica, acho que a clareza é necessária inclusive para pode divulgar a mensagem, a mensagem deixar de ser um privilégio e se tornar um bem comum.

O seu método de análise da literatura parte da cultura para a realidade social e volta para a cultura e para o texto. Como o senhor explicaria esse método?
Uma coisa que sempre me preocupou muito é que os teóricos da literatura dizem: é preciso fazer isso, mas não fazem. Tenho muita influência marxista – não me considero marxista – mas tenho muita influência marxista na minha formação e também muita influência da chamada escola sociológica francesa, que geralmente era formada por socialistas. Parti do seguinte princípio: quero aproveitar meu conhecimento sociológico para ver como isso poderia contribuir para conhecer o íntimo de uma obra literária. No começo eu era um pouco sectário, politizava um pouco demais minha atividade. Depois entrei em contato com um movimento literário norte-americano, a nova crítica, conhecido como new criticism. E aí foi um ovo de colombo: a obra de arte pode depender do que for, da personalidade do autor, da classe social dele, da situação econômica, do momento histórico, mas quando ela é realizada, ela é ela. Ela tem sua própria individualidade. Então a primeira coisa que é preciso fazer é estudar a própria obra. Isso ficou na minha cabeça. Mas eu também não queria abrir mão, dada a minha formação, do social. Importante então é o seguinte: reconhecer que a obra é autônoma, mas que foi formada por coisas que vieram de fora dela, por influências da sociedade, da ideologia do tempo, do autor. Não é dizer: a sociedade é assim, portanto a obra é assim. O importante é: quais são os elementos da realidade social que se transformaram em estrutura estética. Me dediquei muito a isso, tenho um livro chamado “Literatura e sociedade” que analisa isso. Fiz um esforço grande para respeitar a realidade estética da obra e sua ligação com a realidade. Há certas obras em que não faz sentido pesquisar o vínculo social porque ela é pura estrutura verbal. Há outras em que o social é tão presente – como “O cortiço” [de Aluísio Azevedo] – que é impossível analisar a obra sem a carga social. Depois de mais maduro minha conclusão foi muito óbvia: o crítico tem que proceder conforme a natureza de cada obra que ele analisa. Há obras que pedem um método psicológico, eu uso; outras pedem estudo do vocabulário, a classe social do autor; uso. Talvez eu seja aquilo que os marxistas xingam muito que é ser eclético. Talvez eu seja um pouco eclético, confesso. Isso me permite tratar de um número muito variado de obras.

Teria um tipo de abordagem estética que seria melhor?
Não privilegio. Já privilegiei. Primeiro o social, cheguei a privilegiar mesmo o político. Quando eu era um jovem crítico eu queria que meus artigos demonstrassem que era um socialista escrevendo com posição crítica frente à sociedade. Depois vi que havia poemas, por exemplo, em que não podia fazer isso. Então passei a outra fase em que passei a priorizar a autonomia da obra, os valores estéticos. Depois vi que depende da obra. Mas tenho muito interesse pelo estudo das obras que permitem uma abordagem ao mesmo tempo interna e externa. A minha fórmula é a seguinte: estou interessado em saber como o externo se transformou em interno, como aquilo que é carne de vaca vira croquete. O croquete não é vaca, mas sem a vaca o croquete não existe. Mas o croquete não tem nada a ver com a vaca, só a carne. Mas o externo se transformou em algo que é interno. Aí tenho que estudar o croquete, dizer de onde ele veio.

O que é mais importante ler na literatura brasileira?
Machado de Assis. Ele é um escritor completo.

É o que senhor mais gosta?
Não, mas acho que é o que mais se aproveita.

E de qual o senhor mais gosta?
Gosto muito do Eça de Queiroz, muitos estrangeiros. De brasileiros, gosto muito de Graciliano Ramos… Acho que já li “São Bernardo” umas 20 vezes, com mentira e tudo. Leio o Graciliano muito, sempre. Mas Machado de Assis é um autor extraordinário. Comecei a ler com 9 anos livros de adulto. E ninguém sabia quem era Machado de Assis, só o Brasil e, mesmo assim, nem todo mundo. Mas hoje ele está ficando um autor universal. Ele tinha a prova do grande escritor. Quando se escreve um livro, ele é traduzido, e uma crítica fala que a tradução estragou a obra, é porque não era uma grande obra. Machado de Assis, mesmo mal traduzido, continua grande. A prova de um bom escritor é que mesmo mal traduzido ele é grande. Se dizem: “a tradução matou a obra”, então a obra era boa, mas não era grande.

Como levar a grande literatura para quem não está habituado com a leitura?
É perfeitamente possível, sobretudo Machado de Assis. A Maria Vitória Benevides me contou de uma pesquisa que foi feita na Itália há uns 30 anos. Aqueles magnatas italianos, com uma visão já avançada do capitalismo, decidiram diminuir as horas de trabalho para que os trabalhadores pudessem ter cursos, se dedicar à cultura. Então perguntaram: cursos de que vocês querem? Pensaram que iam pedir cursos técnicos, e eles pediram curso de italiano para poder ler bem os clássicos. “A divina comédia” é um livro com 100 cantos, cada canto com dezenas de estrofes. Na Itália, não sou capaz de repetir direito, mas algo como 200 mil pessoas sabem a primeira parte inteira, 50 mil sabem a segunda, e de 3 a 4 mil pessoas sabem o livro inteiro de cor. Quer dizer, o povo tem direito à literatura e entende a literatura. O doutor Agostinho da Silva, um escritor português anarquista que ficou muito tempo no Brasil, explicava para os operários os diálogos de Platão, e eles adoravam. Tem que saber explicar, usar a linguagem normal.

O senhor acha que o brasileiro gosta de ler?
Não sei. O Brasil pra mim é um mistério. Tem editora para toda parte, tem livro para todo lado. Vi uma reportagem que dizia que a cidade de Buenos Aires tem mais livrarias que em todo o Brasil. Lê-se muito pouco no Brasil. Parece que o povo que lê mais é o finlandês, que lê 30 volumes por ano. Agora dizem que o livro vai acabar, né?

O senhor acha que vai?
Não sei. Eu não tenho nem computador… as pessoas me perguntam: qual é o seu… como chama?

E-mail?
Isso! Olha, eu parei no telefone e máquina de escrever. Não entendo dessas coisas… Estou afastado de todas as novidades há cerca de 30 anos. Não me interesso por literatura atual. Sou um velho caturra. Já doei quase toda minha biblioteca, 14 ou 15 mil volumes. O que tem aqui é livro para visita ver. Mas pretendo dar tudo. Não vendo livro, eu dou. Sempre fiz escola pública, inclusive universidade pública, então é o que posso dar para devolver um pouco. Tenho impressão que a literatura brasileira está fraca, mas isso todo velho acha. Meus antigos alunos que me visitam muito dizem que está fraca no Brasil, na Inglaterra, na França, na Rússia, nos Estados Unidos… que a literatura está por baixo hoje em dia. Mas eu não me interesso por novidades.

E o que o senhor lê hoje em dia?
Eu releio. História, um pouco de política… mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo. Agora estou querendo reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard Bernstein, aquele que os comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia que o marxismo tem um defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso terrestre. Então ele partiu da ideia do filósofo Immanuel Kant da finalidade sem fim. O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.

O senhor é socialista?
Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.

Por quê?
Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.

O socialismo como luta dos trabalhadores?
O socialismo como caminho para a igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.

Para o senhor é possível o socialismo existir triunfando sobre o capitalismo?
Estou pensando mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola… não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser… o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo, sou um professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem, ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode. No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.

O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?
O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a religião faz isso. Mas faz isso para o que são adeptos dela, o socialismo faz isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está embebido de socialismo. No tempo que meu irmão Roberto – que era católico de esquerda – começou a trabalhar, eu era moço, ele era tido como comunista, por dizer que no Brasil tinha miséria. Dizer isso era ser comunista, não estou falando em metáforas. Hoje, a Federação das Indústrias, Paulo Maluf, eles dizem que a miséria é intolerável. O socialismo está andando… não com o nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima, não máxima. Sou muito otimista. (pausa). O Brasil é um país pobre, mas há uma certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão – e isso é bom. Tive uma sorte muito grande, fui criado numa cidade pequena, em Minas Gerais, não tinha nem 5 mil habitantes quando eu morava lá. Numa cidade assim, todo mundo é parente. Meu bisavô era proprietário de terras, mas a terra foi sendo dividida entre os filhos… então na minha cidade o barbeiro era meu parente, o chofer de praça era meu parente, até uma prostituta, que foi uma moça deflorada expulsa de casa, era minha prima. Então me acostumei a ser igual a todo mundo. Fui criado com os antigos escravos do meu avô. Quando eu tinha 10 anos de idade, toda pessoa com mais de 40 anos tinha sido escrava. Conheci inclusive uma escrava, tia Vitória, que liderou uma rebelião contra o senhor. Não tenho senso de desigualdade social. Digo sempre, tenho temperamento conservador. Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas. Minha grande sorte foi não ter nascido em família nem importante nem rica, senão ia ser um reacionário. (risos).

A Teresina, que inspirou um livro com seu nome, o senhor conheceu depois?
Conheci em Poços de Caldas… essa era uma mulher extraordinária, uma anarquista, maior amiga da minha mãe. Tenho um livrinho sobre ela. Uma mulher formidável. Mas eu me politizei muito tarde, com 23, 24 anos de idade com o Paulo Emílio. Ele dizia: “é melhor ser fascista do que não ter ideologia”. Ele que me levou para a militância. Ele dizia com razão: cada geração tem o seu dever. O nosso dever era político.

E o dever da atual geração?
Ter saudade. Vocês pegaram um rabo de foguete danado.

No seu livro “Os parceiros do Rio Bonito” o senhor diz que é importante defender a reforma agrária não apenas por motivos econômicos, mas culturalmente. O que o senhor acha disso hoje?
Isso é uma coisa muito bonita do MST. No movimento das Ligas Camponesas não havia essa preocupação cultural, era mais econômica. Acho bonito isso que o MST faz: formar em curso superior quem trabalha na enxada. Essa preocupação cultural do MST já é um avanço extraordinário no caminho do socialismo. É preciso cultura. Não é só o livro, é conhecimento, informação, notícia… Minha tese de doutorado em ciências sociais foi sobre o camponês pobre de São Paulo – aquele que precisa arrendar terra, o parceiro. Em 1948, estava fazendo minha pesquisa num bairro rural de Bofete e tinha um informante muito bom, Nhô Samuel Antônio de Camargos. Ele dizia que tinha mais de 90 anos, mas não sabia quantos. Um dia ele me perguntou: “ô seu Antonio, o imperador vai indo bem? Não é mais aquele de barba branca, né?”. Eu disse pra ele: “não, agora é outro chamado Eurico Gaspar Dutra”. Quer dizer, ele está fora da cultura, para ele o imperador existe. Ele não sabe ler, não sabe escrever, não lê jornal. A humanização moderna depende da comunicação em grande parte. No dia em que o trabalhador tem o rádio em casa ele é outra pessoa. O problema é que os meios modernos de comunicação são muito venenosos. A televisão é uma praga. Eu adoro, hein? Moro sozinho, sozinho, sou viúvo e assisto televisão. Mas é uma praga. A coisa mais pérfida do capitalismo – por causa da necessidade cumulativa irreversível – é a sociedade de consumo. Marx não conheceu, não sei como ele veria. A televisão faz um inculcamento sublimar de dez em dez minutos, na cabeça de todos – na sua, na minha, do Sílvio Santos, do dono do Bradesco, do pobre diabo que não tem o que comer – imagens de whisky, automóvel, casa, roupa, viagem à Europa – cria necessidades. E claro que não dá condições para concretizá-las. A sociedade de consumo está criando necessidades artificiais e está levando os que não têm ao desespero, à droga, miséria… Esse desejo da coisa nova é uma coisa poderosa. O capitalismo descobriu isso graças ao Henry Ford. O Ford tirou o automóvel da granfinagem e fez carro popular, vendia a 500 dólares. Estados Unidos inteiro começou a comprar automóvel, e o Ford foi ficando milionário. De repente o carro não vendia mais. Ele ficou desesperado, chamou os economistas, que estudaram e disseram: “mas é claro que não vende, o carro não acaba”. O produto industrial não pode ser eterno. O produto artesanal é feito para durar, mas o industrial não, ele tem que ser feito para acabar, essa é coisa mais diabólica do capitalismo. E o Ford entendeu isso, passou a mudar o modelo do carro a cada ano. Em um regime que fosse mais socialista seria preciso encontrar uma maneira de não falir as empresas, mas tornar os produtos duráveis, acabar com essa loucura da renovação. Hoje um automóvel é feito para acabar, a moda é feita para mudar. Essa ideia tem como miragem o lucro infinito. Enquanto a verdadeira miragem não é a do lucro infinito, é do bem-estar infinito.


Antonio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro em 24 de julho de 1918, concluiu seus estudos secundários em Poços de Caldas (MG) e ingressou na recém-fundada Universidade de São Paulo em 1937, no curso de Ciências Sociais. Com os amigos Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e outros fundou a revista Clima. Com Gilda de Mello e Souza, colega de revista e do intenso ambiente de debates sobre a cultura, foi casado por 60 anos. Defendeu sua tese de doutorado, publicada depois como o livro “Os Parceiros do Rio Bonito”, em 1954. De 1958 a 1960 foi professor de literatura na Faculdade de Filosofia de Assis. Em 1961, passou a dar aulas de teoria literária e literatura comparada na USP, onde foi professor e orientou trabalhos até se aposentar, em 1992. Na década de 1940, militou no Partido Socialista Brasileiro, fazendo oposição à ditadura Vargas. Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Colaborou nos jornais Folha da Manhã e Diário de São Paulo, resenhando as primeiras obras literárias. É autor de inúmeros livros, atualmente reeditados pela editora Ouro sobre Azul, coordenada por sua filha, Ana Luisa Escorel.

Publicado originalmente na edição 435 do Brasil de Fato.
http://www.revistaforum.com.br/blog/2011/07/12/brasil-de-fato-antonio-candido-numa-entrevista-deliciosa/

17 julho, 2011

Invenção do Oriente

Civilização ou barbárie
por Emir Sader, na Carta Maior
Esse é o lema predominante no capitalismo contemporâneo. Universalizado a partir da Europa ocidental, o capitalismo desqualificou a todas outras civilizações como ‘bárbaras”. A ponto que, como denuncia em um livro fundamental, Orientalismo, Edward Said, o Ocidente forjou uma noção de Oriente, que amalgama tudo o que não é Ocidente: mundo árabe, japonês, chinês, indiano, africano, etc. etc. Fizeram Ocidente sinônimo de civilização e Oriente, o resto, idêntico a barbárie.
No cinema, na literatura, nos discursos, civilização é identificada com a civilização da Europa ocidental – a que se acrescentou a dos EUA posteriormente. Brancos, cristãos, anglo-saxões, protestantes – sinônimo de civilizados. Foram o eixo da colonização da periferia, a quem queriam trazer sua “civilização”. Foram colonizadores e imperialistas.
Os EUA se encarregaram de globalizar a visão racista do mundo, através de Hollywood. Os filmes de far west contavam como gesto de civilização as campanhas de extermínio das populações nativas nos EUA, em que o cow boy era chamado de “mocinho” e, automaticamente, os indígenas eram “bandidos, gestos que tiveram em John Wayne o “americano indômito”, na realidade a expressão do massacre das populações originárias.
Os filmes de guerra foram sempre contra outras etnias: asiáticos, árabes, negros, latinos. O país que protagonizou o mais massacre do século passado – a Alemanha nazista -, com o holocausto de judeus, comunistas, ciganos, foi sempre poupada pelos nortemamericanos, porque são iguais a eles – brancos, anglo-saxões, capitalistas, protestantes. O único grande filme sobre o nazismo foi feito pelo britânico Charles Chaplin – O grande ditador -, que teve que sair dos EUA antes mesmo do filme estrear, pelo clima insuportável que criaram contra ele.

Os países que supostamente encarnavam a “civilização” se engalfinharam nas duas guerras mundiais do século XX, pela repartição das colônias – do mundo bárbaro – entre si, em selvagens guerras interimperialistas.
Essa ideologia foi importada pela direita paulista, aquela que se expressou no “A questão social é questão de polícia”, do Washington Luis – como o FHC, carioca importado pela elite paulista -, derrubada pelo Getúlio e que passou a representar o anti-getulismo na politica brasileira. Tentaram retomar o poder em 1932 – como bem caracterizou o Lula, nada de revolução, um golpe, uma tentativa de contrarrevolução -, perderam e foram sucessivamente derrotados nas eleições de 1945, 1950, 1955. Quando ganharam, foi apelando para uma figura caricata de moralista, Jânio, que não durou meses na presidência.
Aí apelaram aos militares, para implantar sua civilização ao resto do país, a ferro e fogo. Foi o governo por excelência dessa elite. Paz sem povo – como o Serra prometia no campo: paz sem o MST.
Veio a redemocratização e essa direita se travestiu de neoliberal, de apologista da civilização do mercado, aquela em que, quem tem dinheiro tem acesso a bens, quem não tem, fica excluído. O reino do direito contra os direitos para todos.
Essa elite paulista nunca digeriu Getúlio, os direitos dos trabalhadores e seus sindicatos, se considerava a locomotiva do país, que arrastava vagões preguiçosos – como era a ideologia de 1932. Os trabalhadores nordestinos, expulsados dos seus estados pelo domínio dos latifundiários e dos coronéis, foi para construir a riqueza de São Paulo. Humilhados e ofendidos, aqueles “cabeças chatas” foram os heróis do progresso da industrialização paulista. Mas foram sempre discriminados, ridicularizados, excluídos, marginalizados.
Essa “raça” inferior a que aludiu Jorge Bornhausen, são os pobres, os negros, os nordestinos, os indígenas, como na Europa “civilizada” são os trabalhadores imigrantes. Massa que quando fica subordinada a eles, é explorada brutalmente, tornava invisível socialmente.
Mas quando se revela, elege e reelege seus lideres, se liberta dos coronéis, conquista direitos, com o avança da democratização – ai são diabolizadas, espezinhadas, tornadas culpadas pela derrota das elites brancas. Como agora, quando a candidatura da elite supostamente civilizada apelou para as explorações mais obscurantistas, para tentar recuperar o governo, que o povo tomou das suas mãos e entregou para lideres populares.
É que eles são a barbárie. São os que chegaram a estas terras jorrando sangue mediante a exploração das nossas riquezas, a escravidão e o extermínio das populações indígenas. Civilizados são os que governam para todos, que buscam convencer as pessoas com argumentos e propostas, que garantem os direitos de todos, que praticam a democracia. São os que estão construindo uma democracia com alma social – que o Brasil nunca tinha tido nas mãos desses supostos defensores da civilização.
Artigo:
http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/emir-sader-civilizacao-ou-barbarie.html
Publicado em 18/03/2011, 17:35
Celso Amorim diz que EUA querem resolver tudo com “atitude de caubói”
Ex-ministro afirma ser “muito velho” para se sentir frustrado com negativa dos Estados Unidos em torno do programa nuclear iraniano e lembra que Mubarak era modelo para Casa Branca
por João Peres, na Rede Brasil Atual
São Paulo – O ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, revela que acreditava que os Estados Unidos aceitariam o acordo costurado por Brasil e Turquia em relação ao programa nuclear do Irã. Ele confessa, no entanto, não ter sentido frustração quando a negociação foi rejeitada por Washington.
“Estou muito velho para poder ter um momento em que digo que não esperava de jeito nenhum”, afirmou o ex-chanceler durante conversa com a reportagem da Rede Brasil Atual, na quinta-feira (17), dois dias antes da chegada de Barack Obama ao país. “Os pontos essenciais que o presidente Obama tinha posto em carta para nós estavam atendidos. Dava para sentar à mesa. Uma vez sentando à mesa começavam a resolver (os problemas).”
Em maio do ano passado, Amorim e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiram convencer o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, a aceitar as exigências apresentadas pelos Estados Unidos em relação ao programa nuclear. Uma carta enviada antes da reunião por Obama ao Brasil não deixava dúvidas de que os negociadores atenderam aos pontos fundamentais demandados pela Casa Branca, entre os quais figurava o enriquecimento de urânio promovido em território iraniano.
Quando o acordo com Ahmadinejad foi anunciado, Obama e a chefe do Departamento de Estado, Hillary Clinton, rejeitaram o resultado e trabalharam pela imposição de novas sanções contra os iranianos. A suspeita lançada no ar pelas nações mais ricas do mundo era se a nação asiática queria processar o minério para produzir energia ou para fabricar armas nucleares.
Um dia depois do sucesso brasileiro na conversa, uma proposta foi enviada ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para atingir bancos e empresas da nação asiática. Dias depois, a ONU aprovou as medidas, o que levou Lula a afirmar que a decisão era uma “birra” de um pai que precisa distribuir palmadas a qualquer custo.
“A realidade do mundo não é uma realidade só. Você não se dá só com as pessoas que são iguais a você, tem que conviver e tem que tentar resolver. A gente precisa conversar com nossos adversários, conversar com nossos inimigos”, ressalta Amorim.
O ex-ministro considera comprovada a ideia de que a falta de diálogo nas relações internacionais só dá resultados ruins. “Os Estados Unidos têm historicamente como inimigo na região o Irã. Aí faz uma guerra no Iraque, que era um país mais distante do Irã. Hoje, o país com maior influência no Iraque não são os Estados Unidos, é o Irã. Porque os Estados Unidos acham que resolvem tudo numa atitude de caubói.”
Amorim acredita que o acordo costurado pelo Brasil não teria sido um favor para o Irã, mas para as nações ocidentais. “Para a liderança iraniana, ficar mais isolado legitima mais uma atitude radical”, afirmou. “Falando com o Irã não fizemos ameaças, mas advertimos, e advertimos não para o que iríamos fazer, mas para o que iria acontecer. E isso ajudou a aceitarem um acordo que não estavam aceitando.”
O ex-chanceler acredita que as mudanças na ordem mundial levam à formação de um quadro no qual a voz dos países emergentes não poderá ser ignorada. Ele pondera que o fato de Brasil, África do Sul e Índia não falarem “de cima para baixo” é um fator que facilita as negociações e defende que o Itamaraty tenha um papel importante na solução da crise nos países árabes.
“Hoje em dia, todos falam que (o líder egípcio Hosni) Mubarak era um ditador, mas para Israel e para Washington era um líder árabe moderado, era o modelo. Não vou discutir se era ou não era. O povo egípcio disse o que pensava sobre ele, e é isso o que interessa”, alfineta.
Artigo:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/celso-amorim-eua-acham-que-resolvem-tudo-numa-atitude-de-cauboi.html
O Dia do Homem


Carta aberta aos machos

por Rodolfo Viana
em 15/07/2011 às 12:07 | Artigos e ensaios, Debates
88 comentários





Prezado companheiro de macheza, como está sua mulher hoje?

Perdoe-me começar esta carta assim, falando da sua patroa. Ainda mais hoje, Dia do Homem aqui no Brasil. É tempo de celebrar nosso gênero, de pensar na gente. Alguns comemoram o dia adotando práticas emblemáticas do macho. Um amigo jurou que passaria o dia todo zanzando pelo apartamento usando apenas cueca – do avesso, pois ele não a troca há três dias. Outro camarada está celebrando a data com a sua grande paixão: a cerveja. Há quem coce o saco apenas por coçar, para lembrar aos demais presentes “sou homem e hoje é meu dia”. Há quem deixe o bigode.

São todos babacas.

O Dia do Homem não deveria existir. É isso mesmo, meu nobre camarada de macheza. A data é uma aberração que se propõe a celebrar um gênero tão mesquinho e egoísta como o nosso. Apenas o fato de termos criado tal dia mostra como somos pequenos. A data nasceu para que nós nos conscientizássemos em relação à saúde, mas a coisa descambou. Hoje, temos este dia apenas para afrontar mulheres. “Já que elas têm o Dia Internacional das Mulheres, por que não temos o nosso dia?”

Porque não merecemos, pois somos todos babacas.

E orgulhosos demais para perceber a legitimidade da luta das mulheres e de quão vazio é o nosso dia. Qual o nosso discurso para hoje? O que temos a reclamar ou celebrar? Elas, por outro lado, buscam igualdade, palavra que negamos a cada uma das mulheres durante toda a nossa história. Palavra que ainda hoje não conhecemos. Tome, por exemplo, alguns dos comentários do artigo “7 mitos machistas que eu e você reproduzimos” e você perceberá o quanto subjugamos as mulheres.
Macho: o rei do castelo

Nosso pau é o nosso poder. Nós, os machões babacas, acreditamos ser superiores às damas. Afinal, temos uma pica. Nada além de uma pica e muita testosterona para vociferar nosso poderio. Até mesmo e principalmente em casa, onde elas deveriam se sentir protegidas, nós impomos nossa força. Sentimo-nos os reis do castelo – e trancafiamos nossas rainhas e princesas no calabouço. Nove dias antes do infame Dia dos Homens, a ONU Mulheres divulgou um relatório sobre a situação feminina no mundo contemporâneo. Nele, há um estudo conduzido em 11 países que aponta: até 16% das mulheres sofreram violência pelo menos uma vez na vida. Aqui no Brasil, a situação é ainda mais grave. Números do Anuário das Mulheres Brasileiras 2011, do DIEESE, revelam que, em todo o País, 46,2% das mulheres afirmam já terem sido agredidas de alguma forma.

Mulheres apanham. Esta é a realidade. Enquanto isso, nós nos preocupamos apenas em vociferar a nossa macheza e nossa soberania, uma falácia que forjamos às custas daquelas a quem deveríamos devotar amor e respeito.

Talvez agressões não aconteçam na sua casa. Talvez nem na sua família. Mas tente enxergar fora dessa bolha de ignorância e perceberá que, ainda que alguns de nós não se atrevam a cometer atos hediondos contra as mulheres, exercemos outros tipos de dominação. É comum a gente ouvir que elas ganham menos e, por mais que isso soe batido, é uma verdade vergonhosa. Segundo o Cadastro Central de Empresas divulgado pelo IBGE, o salário mensal médio recebido pelas mulheres é 20% menor que o dos homens. Mesmo aquelas com ensino superior são preteridas: 28,5% ganham até dois salários mínimos – entre os homens, o número cai para 13,5%. São minoria nos cargos de chefia.

Lamento levantar esses números tão vexatórios logo hoje, Dia do Homem. Mas o motivo é bastante claro: a culpa desses índices é toda nossa. Nós, ignorantes, que gostamos de fazer piadas sobre mulheres no volante sem imaginar que elas se envolvem em apenas 11% do total de ocorrências no trânsito, segundo o Denatran. Nós, machistas, que enxergamos nas mulheres apenas um objeto sexual. Nós, babacas barbudos.
Jogo de poder

Eu me lembro de uma crônica de Fabricio Carpinejar na coletânea Borralheiro. Me escapa o nome do texto específico, mas recordo o enredo. O talentoso escritor aponta que, hoje em dia, os homens estão mais propensos a ficar em casa, cuidando dos afazeres, enquanto as mulheres vão à luta no ambiente profissional. Ele comenta que ser este borralheiro nos dá poder, pois organizamos a vida no lar: sabemos onde tudo está e somos senhores da situação. A quem a mulher correrá quando quiser saber onde está guardado aquele sapato que ela tanto adora?

Eu discordo de Carpinejar. Não devemos buscar poder. A relação entre homens e mulheres não é campo de batalha. Não deve haver guerra dos sexos. Por que queremos essa superioridade? Por que inferiorizamos as mulheres? Para que possamos estufar o peito peludo e dizer “sou macho”?

Afinal, por que temos de ter um dia só nosso? Do que raios nos orgulhamos?

E, a pergunta mais importante de todas, a que abre esta carta: como está a sua mulher?

Espero que pondere, meu caro confrade de macheza, se devemos bater no peito e bradar nosso orgulho masculino ou se devemos abaixar a cabeça em sinal de culpa. Enquanto optarmos pelo orgulho, não somos merecedores de um dia como este.

Tapa nas costas (porque macho que é macho não dá abraços),

Rodolfo Viana, editor do PdH

Rodolfo Viana

Jornalista, editor do PdH e cover do Pablo (aquele do programa "Qual é a música"). Se Rodolfo te deve dinheiro, você pode encontrá-lo no Twitter e no Facebook.

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