28 abril, 2011

Exclusão usando o idioma

Algumas das pessoas mais sábias que conheci são iletradas. E alguns dos maiores idiotas têm doutorado. Às vezes, mais de um.  Significa que os iletrados são melhores que os doutores? Não. Então, o contrário? Também não. 
 
O nível de escolaridade e a forma através da qual uma pessoa se expressa é irrelevante frente ao conteúdo que pode agregar a uma discussão. Se ela conseguiu fazer com que os outros a entendessem, ótimo, fez-se a comunicação.
(Uma minoria dos leitores deste blog não entendeu isso ainda e desvaloriza a opinião de um outro leitor porque este separou sujeito e predicado com vírgula. Mesquinhos, sabe? Ou que oprime quem não sentou em bancos de escola. Para esses, um pedido: faça um favor para si mesmo e leia Patativa do Assaré.)
 
Mas o que esperar de uma sociedade em que pipocam pessoas que desconsideram o interlocutor por não saber acertar uma concordância verbal ou conjugar um verbo? (“Meu Deus! Você não sabe flexionar o verbo “funhunhar” no futuro do subjuntivo? É um ogro!”) E na qual o domínio da norma culta (que, convenhamos, é um porre) é alçado à condição de passaporte para a participação nas discussões sobre o destino da pólis. 
 
A lingua é construída pela boca das pessoas no dia-a-dia e não por meia dúzia de iluminados. É dinâmica, em constante mutação e, para sobreviver, não precisa de formalismos – que são exatamente isso, construções, muitas vezes definidas pelo grupo hegemônico. Como dizer que uma pessoa que nasceu e cresceu falando português está errada ? 
 
Dizer que um pescador, um vendedor ambulante, uma baiana do tabuleiro, uma quilombola ou ribeirinha ou um pedreiro “desconhecem a própria língua” não é um ação pedagógica e sim um ato político. Excludente. Que usa uma justificativa supostamente técnica para manter do lado de fora dos debates sobre o futuro da nação a maior parte da sociedade brasileira.
 
A quem interessa a manutenção desse comportamento? A quem está no poder e, muitas vezes, usa a língua como instrumento de coerção? Certamente bem mais do que a quem não foi chamado para a festinha e acha que política é coisa de gente estudada.
 
Em tempo: Sobre o assunto, sugiro o livro do professor Marcos Bagno: “Preconceito Linguístico – o que é, como se faz”, das Edições Loyola – que já passou da 50ª edição.
 
Fonte: http://blogdosakamoto.com.br/2011/04/18/politica-e-coisa-de-quem-fala-errado-tambem/

16 abril, 2011

Amoques e a Mídia

Prezados(as) senhores(as),

Não sei como definir este e-mail – apelo, protesto, alerta, sugestão. Talvez, a melhor denominação seja apelo. Apelo porque vem de um insignificante cidadão brasileiro.

Poderia começar com este e-mail frases batidas e repetidas: “Vivemos um tempo de violência…”, “Devemos combater a violência que assola nosso dia-a-dia…” ou “A escalada da violência nas escolas…”. Mas…
Mas, após o nariz de cera, começarei com um argumento: “Sobre certos temas, já há a autocensura nas redações brasileiras. Há trinta ou quarenta anos não se publicam notícias sobre suicídios, para evitar que desvairados copiem métodos, ou, atualmente, não falamos nomes de facções criminosas para não propagandearmos suas marcas e incentivarmos seguidores.”

Agora, chego ao meu ponto.

O massacre de Columbine, nos EUA, não posso afirmar que tenha sido o primeiro (pelo menos tornou-se o mais conhecido – filme de Michael Moore), mas, sua divulgação massiva na mídia provocou uma onda sinistra, sangrenta e brutal de imitadores (em inglês, copycats). Foram tantos que o interesse da mídia diminuiu. E em seguida, os massacres perderam intensidade. Se fizermos uma linha temporal, o crescimento destes acontecimentos são acompanhados pelo incremento da cobertura da mídia, que quando arrefece os diminui. Isto nos Estados Unidos. No Brasil, tivemos nossa primeira infeliz experiência.

Não estou, tolamente, acusando a mídia de incentivar atitudes treslocadas com o destaque dado a estes crimes brutais. Mas, a repetição e a espatacularização deles, com infográficos, reconstituições, entrevistas e vídeos exclusivos, passa com certeza uma mensagem, que mentes perturbadas transformam em modelos. Como defesa, jornalistas podem dizer: “Só escrevi uma reportagem…”, “O público precisa saber…” ou “A concorrência não vai deixar de usar…” Será?

Já tivemos três casos de copycat – ameaça de bomba (trote) e jovem preso com faca no RJ e assissanato no Piauí, Precisamos de mais? Precisamos de ideias idiotas como colocar caríssimos detectores de metais na porta de escolas, enquanto alunos não tem carteira e professores ganham salário mínimo? Podemos fazer alguma coisa?

Enquanto, cidadãos podemos valorizar a cortesia, a paciência, a tolerância. E vocês como jornalistas, poderiam evitar a divulgação diária de fotos, textos, vídeos e áudios quando acontecerem outros massacres?
Por isso, peço, sugiro, protesto e alerto: por favor, não publiquem matérias sobre massacres escolares.
Atenciosamente, Cristiano Abud.

Nota do Viomundo: O caso de Realengo já mobilizou todas as taras ideológicas existentes na praça. Uma delas diz que o atirador é terrorista islâmico, por ter copiado métodos do terrorismo islâmico. Como assim? Só se for o bin Laden do bulying, armado com um 32 e um 38. Nunca se escreveu tanto as palavras “extremismo”, “islâmico”, “muçulmano”, “mesquita”ou “Alcorão” num contexto a que elas mal pertenciam, já que o atirador, de acordo com a própria família, cresceu frequentando uma igreja cristã. Ou seja, o caso foi usado num contexto de profundo preconceito. De factual, temos que o atirador era solitário, frequentava muito a internet, tinha algum distúrbio mental (dificilmente saberemos exatamente qual, já que o diagnóstico depende de avaliação em pessoa), tinha a percepção de ter sofrido bulying e teve acesso razoavelmente fácil a armas. Talvez a gente consiga tomar medidas quanto a estes cinco pontos. Com certeza, o leitor Cristiano Abud toca num ponto importante: o próprio atirador, num dos vídeos divulgados, elenca como “heróis” outros atiradores que atacaram em escolas. Mas quanto ao ponto levantado por ele, duvido que a mídia será menos irresponsável se a própria polícia se dispõe a alimentá-la.
Artigo:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/o-alerta-do-leitor-sobre-os-crimes-copycat.html

13 abril, 2011

Que sociedade queremos construir?

por Marcelo Salles
A tragédia em Realengo não é apenas mais uma entre tantas que nos atingem – desde desastres aéreos até chacinas como a de El Dourado dos Carajás. O que aconteceu no Rio de Janeiro é um divisor de águas, uma mudança substantiva no modo de o Brasil se relacionar com a escola e um salto sem precedentes em direção ao pânico social.
A partir dessa tragédia, as famílias não terão apenas o receio de que ofereçam drogas a seus filhos nas escolas. Agora elas temerão que algum psicopata entre atirando nas salas de aula.
Acidentes como o da TAM e o da GOL sempre poderão ser compreendidos pela imprevisibilidade inerente ao transporte aéreo, enquanto Carajás é fruto de um conflito social que, infelizmente, sabemos que ainda provoca mortes no país. Mas e as crianças? Abatidas como patos, num ato supremo de covardia? Como classificar a tragédia em Realengo? O que pode vir depois? Alguma coisa poderia ter sido feita para prevenir? Como conviver com essa incerteza mortal?
Difícil responder a tudo isso, mesmo porque não há como uma sociedade criar políticas públicas específicas para impedir que pessoas saiam por aí matando as outras. Mas é possível construir políticas públicas para dificultar o acesso a armas, por exemplo.
Além disso, há outra coisa a se fazer. Rever a forma como tratamos nossas crianças e adolescentes, qual o lugar que lhes reservamos no imaginário social, de que forma elas se inserem e são inseridas nos espaços público e privado.
E mais. Seria bom que começássemos a discutir, seriamente, que tipo de sociedade estamos construindo. E começar a perguntar quais fatores contribuem para que um cidadão cometa um crime como esse. Sim, é preciso traçar o perfil psicológico do criminoso e pesquisar se ele foi mesmo vítima de abusos, assim como é preciso conhecer sua verdadeira inserção em meios fundamentalistas religiosos – tenham estes quaisquer matizes.
Além disso, vale ressaltar que nenhuma análise que se pretenda séria pode deixar de lado a responsabilidade das corporações de mídia, entendidas aqui de modo amplo, desde empresas que fabricam jogos violentos até os meios de comunicação de massa (sobretudo cinema e televisão) que cotidianamente impõem valores individualistas, egoístas, que fazem com que o outro seja visto como um adversário ou inimigo – o tal programa BBB é o exemplo mais bem acabado disso, e aí você pode acrescentar o incentivo à inveja, à superficialidade, à competição desmedida. Vale qualquer coisa para ganhar 1,5 milhão ou 15 minutos de fama.
Não há um estudo a esse respeito, mas o fato é que todos os casos de psicopatas que promovem chacinas em locais de grande circulação de pessoas e depois cometem suicídio são registrados em países capitalistas avançados, a começar pelos EUA. O raciocínio faz todo o sentido numa terra que hiper-valoriza a ideia de “self made man”, que se diz o país das oportunidades para todos e ao mesmo tempo joga a culpa do fracasso sobre aqueles que não conseguiram ganhar dinheiro – medida suprema de sucesso nesse modelo de sociedade.
Sendo assim, o mais provável é que a tragédia de Realengo tenha sido motivada por uma conjunção de fatores, a saber: abuso anterior contra o atirador, inclusive por parte de familiares (uma possibilidade que merece ser investigada), o fundamentalismo religioso, o sucateamento do ensino, o aprofundamento do capitalismo no país e os valores disseminados pelas corporações de mídia.
Não há como trazer de volta os mortos em Realengo, mas é possível que eles sirvam de alerta para pensarmos – e agirmos – na construção de uma sociedade pautada pela busca da harmonia, da paz e da elevação espiritual.

Marcelo Salles, jornalista, atuou como correspondente da revista Caros Amigos no Rio de Janeiro (2004 a 2008), e em La Paz (2008 a 2009).

Fonte: http://www.rodrigovianna.com.br/colunas/ate-a-vitoria-sempre/os-ensinamentos-da-escola-municipal-de-realengo-a-republica.html

10 abril, 2011

Direitos humanos como ferramenta política

"Não mexam conosco e com nossos amigos "
"Para Estados Unidos e países europeus, defesa dos direitos humanos é instrumento político"

27 de Março de 2011 às 14:07
Hélio Doyle

Uma coisa é condenar a violação de direitos humanos, ou abrir uma investigação para
apurar o desrespeito a esses direitos. Outra coisa é a manipulação política do tema para
prejudicar inimigos e adversários e proteger os amigos e aliados. O que os Estados Unidos e
países europeus têm feito, há anos, é manipular o tema em benefício de seus interesses. Os
países que defendem realmente os direitos humanos, como o Brasil, ficam sempre em
situação difícil ao terem de votar resoluções que, embora muitas vezes justas e corretas, são
na verdade instrumentos de política externa dos estadunidenses e seus aliados europeus. Não
foi à toa que aos 22 países que votaram a favor da resolução opuseram-se 21 – sete contra, 14
abstenções, além de 4 ausentes.

Não é difícil explicar. Há acusações sérias contra o Irã, por violações a direitos
humanos em sua acepção mais ampla, que vai além dos direitos políticos e civis. Por isso,
deveria ser encarada com naturalidade (inclusive pelo Irã) a designação, pela ONU, de um
relator para investigar essas acusações. O problema é que não é bem assim que a coisa
funciona e a seletividade de alvos faz com que as resoluções acabam servindo mais como
propaganda e pretextos para ataques do que para ter eficácia.

Há violações de direitos humanos em praticamente todos os países do mundo. Em uns
mais, em outros menos. Se morar decentemente, comer e ter assistência médica forem
considerados direitos humanos – e são -, poucos escapam. Mas, para efeito de raciocínio,
vamos limitar a questão apenas a genocídios, assassinatos e prisões por motivação política,
étnica ou religiosa, torturas e violências físicas e psicológicas. Não vamos nem considerar,
apenas para raciocínio, as condenações à morte como ofensivas aos direitos humanos.

Pois os Estados Unidos e alguns países da Comunidade Europeia só denunciam e
pedem investigações para as violações cometidas por países com os quais não têm boas
relações ou contra os quais pretendem tomar alguma medida política, econômica ou militar.
Ao mesmo tempo, protegem a si próprios e a seus amigos. Não precisamos voltar na História,
para falar no apoio a ditaduras que matavam e torturavam e nos assassinatos políticos na
América Latina, na África e na Ásia. Na repressão sangrenta na Irlanda. Ou no apoio ao
apartheid e no genocídio de timorenses. Os tempos presentes são suficientes.

Desde 1948, a ONU vem condenando Israel pela ocupação e pela implantação de
colônias civis em territórios palestinos, o que, inclusive, é categoricamente proibido pela
Convenção de Genebra. Israel ignora a ONU e há mais civis palestinos assassinados pelas
forças armadas israelenses do que por todas as ditaduras e monarquias árabes. Mas os
Estados Unidos não consideram que Israel viole os direitos humanos e até vetaram, em
fevereiro, resolução contrária a Israel aprovada por 14 a 1 no Conselho de Segurança.

Os próprios Estados Unidos não são investigados, apesar de manter porto-riquenhos e
cubanos como presos políticos e ter presos sem julgamento e torturados em Guantánamo, no

Iraque, no Afeganistão e em prisões clandestinas em outros países. Há inúmeros países que
desrespeitam gravemente os direitos humanos e não são objeto da ira estadunidense – afinal,
são aliados.

Talvez a demonstração mais clara da hipocrisia dos Estados Unidos e de países
europeus esteja relatada por um diplomata britânico que, de 2002 a 2004, foi embaixador no
Uzbequistão. No livro Diplomacia suja, Craig Murray mostra, com relatos circunstanciados,
como os governos do Reino Unidos e dos Estados Unidos fingiam – e, na verdade, ainda fingem
- não ver as atrocidades cometidas pelo governo uzbeque, chefiado, até hoje, pelo sanguinário
Islam Karimov. Havia, por exemplo, presos mortos em água fervente. Os governos dos dois
países sabiam o que acontecia naquela ex-república soviética na Ásia Central, mas relevavam
por considerarem Karimov um aliado na luta contra o “terror”.

Murray deixou a carreira por causa do que viveu e viu no Uzbequistão e no Foreign
Office, em Londres. Ele acusa o Ocidente de “perder suas referências morais de tal forma que
a máquina governamental, e as pessoas que nela trabalham, enveredou por uma espécie de
desprezo pelo indivíduo”. E vai além: “Os nazistas foram mais longe nesse caminho, mas é
inegavelmente o mesmo caminho que os nazistas trilharam. Para mim, o mais espantoso foi
ver meus colegas americanos e britânicos, pessoas comuns e decentes, marcharem, sem
discutir, por essa rota”.

Não há notícias de um relator especial para o Uzbequistão. Entre outros.

Concorrência

A disputa entre Estados Unidos, França e Suécia para vender caças ao Brasil vai perder
a graça. Será muito mais interessante para esses países vender aviões militares à Líbia, cuja
frota aérea foi destruída por eles mesmos a pretexto de defender civis. Como no Iraque e na
Sérvia, para falar de exemplos recentes, também haverá muitos e polpudos contratos para
reconstruir prédios e infraestrutura na Líbia.

Cautela

Algum banco privado contrataria o ex-deputado Geddel Vieira Lima para ser vice-
presidente de Pessoa Jurídica? Há razões para suspeitar que Geddel não seria contratado nem
para caixa de agência. A concessão ao PMDB mostra que, apesar dos maiores cuidados do
governo Dilma, as empresas públicas, com a Caixa Econômica, ainda precisam se livrar das
nefastas influências partidárias.

Falatório

Renomados advogados mais antigos, que convivem ou conviveram com dezenas de
ministros do Supremo Tribunal Federal desde os tempos dos governos militares, lamentam

que a velha norma de que juiz só fala nos autos tenha sido abandonada. Esses advogados são
do tempo em que ministros do STF nunca faltavam às sessões para fazer palestras por todo o
país e viajar ao exterior em período de trabalho. E também não se ofereciam para dar
entrevistas polêmicas.


http://www.brasil247.com.br/pt/247/poder/594/Não-mexam-conosco-e-com-nossos-amigos.htm 
Financiamento Privado e favores públicos

"Financiamento privado de campanhas favorece a corrupção"

07 de Abril de 2011 às 08:03
Hélio Doyle

Todos sabem que há uma relação direta entre empresas que financiam campanhas eleitorais e a atuação dos parlamentares que recebem esse dinheiro. Ninguém imagina que empresas que economizam cada centavo em suas operações diárias dão dinheiro a candidatos porque estão interessadas em fortalecer a democracia. Elas colaboram financeiramente para as campanhas ou para que os beneficiados defendam seus interesses, ou para agradecer-lhes por algum trabalho já feito.

Essa relação direta ficou mais clara em reportagem de Lúcio Vaz e Isabelle Torres publicada no Correio Braziliense. O primeiro parágrafo já diz tudo: a distribuição de deputados e senadores pelas comissões permanentes das duas Casas mostra recorrentes coincidências entre a vaga ocupada pelos parlamentares e área de influência dos financiadores de suas campanhas.

Os exemplos demonstram: na Comissão de Infraestrutura do Senado, 64% dos membros – 14 - receberam dinheiro de empreiteiras. Um senador do PT, Lindbergh Farias, que foi prefeito de Nova Iguaçu, no Rio, recebeu R$ 2,1 milhões de empresas que fazem obras. Já na Comissão de Assuntos Econômicos, sete senadores receberam doações de instituições financeiras. Bancos doaram também para oito dos 33 membros da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.

Ainda segundo a reportagem, a Comissão de Minas e Energia da Câmara tem 11 deputados que receberam doações de mineradoras e siderúrgicas. São 33 membros. Na Comissão de Agricultura do Senado, cinco dos 17 membros foram beneficiados por dinheiro de grandes empresas rurais. Na da Câmara, foram 24 dos 40 deputados.

É o financiamento de candidatos por empresas privadas que dá origem ao famoso caixa dois das campanhas eleitorais. Tomamos conhecimento apenas das contribuições oficiais, as feitas mediante recibos e prestação de contas à Justiça Eleitoral. Mas, a não ser em situações excepcionais, não ficamos sabendo quanto foi dado aos candidatos por baixo do pano, informalmente. Quem conhece o assunto calcula que a média de dinheiro que entra pelo caixa dois é pelo menos três vezes o valor doado formalmente.

As empresas preferem o caixa dois por razões fiscais ou para não se expor publicamente. Para evitar matérias como essa do Correio Braziliense, por exemplo. Se ninguém sabe a quem a empresa deu dinheiro, nenhuma ilação será feita a respeito disso. Doador e receptor evitam problemas.

Contra essa situação é que surgiu a proposta do financiamento público das campanhas. A tese foi aprovada pela comissão de reforma política do Senado por 12 a 5, o que não quer dizer que vingará no final do processo. Mas recebe críticas: o mesmo jornal que publicou a matéria sobre o vínculo suspeito entre doadores e receptores deu a notícia, hoje, em manchete tendenciosa: “Imposto que você paga vai bancar eleição”.

Esse é o argumento rasteiro dos que defendem a continuidade das contribuições privadas. Sem argumentos que possam apresentar em público, recorrem à tese apelativa, de fácil aceitação popular, de que com financiamento público o dinheiro do contribuinte irá para políticos, em vez de ser investido em educação, saúde e segurança.

É claro que o financiamento privado é defendido pelos que têm boas relações com empresários e recebem dinheiro deles nas campanhas. Podem fazer uma campanha com mais recursos – “estrutura” é o termo da moda – como, muitas vezes, ainda têm alguma sobra que acaba indo para os próprios bolsos. Há candidatos que economizam nas campanhas para levar algum para casa.

Mas é óbvio que o financiamento privado, pela diferença de recursos que impõe na campanha, prejudica os candidatos que não recebem, por qualquer razão, o dinheiro das empresas. Ou porque não se dispõem a serem seus “advogados” ou “lobistas”, ou porque não fecham com suas ideias, ou porque ainda são desconhecidos.

O argumento de que dinheiro público não pode ser gasto com eleições, campanhas, partidos e candidatos esconde um fato: já há esse financiamento público. Em 2010, 27 partidos receberam R$ 160.425.649,00 do Fundo Partidário e R$ 36.075.592,96 referentes à participação nas multas cobradas pela Justiça Eleitoral. Ou seja, R$ 196.501.241,96 saíram dos cofres públicos para os partidos políticos.

Além disso, o contribuinte paga às emissoras de rádio e televisão por transmitirem os programas eleitorais e partidários no chamado horário eleitoral gratuito. O tempo destinado pelas emissoras aos partidos e candidatos não é pago por eles, daí o termo “gratuito”. Na verdade, esse tempo é “comprado” pela Receita Federal, que reduz o valor dos impostos a serem pagos pelas emissoras. Quem perde? O contribuinte.

E não é pouco. Em 2010, ano de eleições, a renúncia fiscal em favor das emissoras foi de R$ 851,1 milhões. Para 2011, ano sem eleições, mas com programas partidários, deverá ser de R$ 206,5 milhões. O horário gratuito custa caro.

Portanto, financiamento público para partidos e candidatos já existe. O que se propõe é uma fórmula, como a que existe na Alemanha, para que os partidos recebam exclusivamente dinheiro público para fazer campanha. Com limites de gastos estabelecidos e campanhas mais baratas, graças ao voto distrital ou ao voto em lista fechada, ou a ambos juntos, os recursos públicos não serão abusivos.

E o caixa dois, acabará? Certamente não, pois não há lei que acabe com a corrupção. Mas como será mais difícil aplicar dinheiro não formalizado nas campanhas, os recursos que as empresas entregarem a candidatos serão mesmo para pagar por seus serviços escusos. Sem o disfarce de financiamento de campanha, como hoje.

Trabalho inglório

O Superior Tribunal de Justiça ainda pode corrigir o absurdo perpetrado por um de seus ministros e dois desembargadores convocados para suprir ausências. Esses três juízes anularam todas as provas obtidas em escutas telefonias na Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal. O argumento é de que as escutas foram motivadas por denúncia anônima.

Os acusados e seus caros advogados comemoram. Os policiais federais e promotores veem, mais uma vez, seu trabalho de investigação ser derrubado por juízes que preferem proteger criminosos em nome da Constituição a punir culpados. Anular provas obtidas sob tortura é uma coisa, por gravações autorizadas é outra.

Decisões judiciais devem ser discutidas, sim. Juízes erram.
Fonte: http://www.brasil247.com.br/pt/247/poder/1002/Vale-tudo-por-dinheiro,500631080.htm
Assassinos x segurança nas Escolas
(Entrevista com especialista americano) 
"Não existe perfil padrão dos atiradores"
8 de abril de 2011 às 9:58
por Heloisa Villela, de Washington
 
Os Estados Unidos têm uma longa lista de massacres e incidentes com armas de fogo em escolas. Columbine, no Colorado, ou a Politécnica, da Virgínia, são alguns dos exemplos mais conhecidos e dramáticos com grande número de mortos. A necessidade de evitar que novas mortes aconteçam no lugar que as crianças têm que frequentar todos os dias, e onde devem estar seguras, provocou uma parceria entre o Serviço Secreto e a Secretaria de Educação. Um estudo aprofundado e feito longe do calor do momento.

William Modzeleski, Sub-Secretário de Educação para a Segurança das Escolas, participou do grupo que elaborou o estudo intitulado “Implicações para a prevenção de ataques em escolas dos Estados Unidos”. Ele é taxativo: não existe um perfil padrão dos atiradores e diz que é fundamental ouvir os jovens e crianças. Ele também afirmou que as primeiras avaliações e os relatos da imprensa, no momento da tragédia, sempre contém muitos erros.

O estudo, do qual ele é coautor, se concentrou em incidentes registrados em escolas do Jardim da Infância, de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Entrevistei William Modzeleski no dia em que aconteceu o massacre na escola de Realengo, no Rio. Um pequeno trecho da entrevista foi ao ar no Jornal da Record, no mesmo dia. Aqui, a entrevista completa para o Viomundo:

Heloisa Villela:Quando e por que foi feito esse estudo?

William Modzeleski: O estudo foi feito depois de 1999, depois do que aconteceu em Columbine, no Colorado, como um desdobramento. O Serviço Secreto tinha terminado um estudo sobre tentativas de assassinato das pessoas que eles tem que proteger – o Presidente e o Vice-Presidente. Então, o diretor do Serviço Secreto procurou o Secretário de Educação na época, Richar Riley, e disse que podia nos emprestar o pessoal dele para nos ajudar a fazer um estudo sobre as pessoas que estavam indo às escolas matar crianças. Naquele momento, em 99, tínhamos passado por vários incidentes. Columbine não foi o primeiro nem o último. O Departamento de Educação aprovou a idéia. Então, analisamos 37 casos, 41 indivíduos que entraram em escolas entre 1974 e 1999 e fizeram o que chamamos de ataques que tinham as escolas como alvo. São incidentes em que o indivíduo seleciona a escola alvo. De antemão, quer fazer algo, entrar na escola, atirar ou detonar bombas. Não olhamos apenas os arquivos dos casos mas também entrevistamos 10 das pessoas que participaram desses ataques.E o que aconteceu no seu país, agora, é comum aqui: a pessoa que ataca acaba cometendo suicídio logo depois ou durante o incidente.

Heloisa Villela: Quais foram as conclusões do estudo?

William Modzeleski: Uma das nossas conclusões foi que esses ataques não são impulsivos. Não acontecem num momento de explosão. Começam com um pensamento, depois o atirador desenvolve um plano, o meio de levar ele a cabo: comprar uma arma, ou o que quer que seja que precise. Em geral, existe um prazo de planejamento que pode ser de algumas semanas, alguns meses e, como no caso de Columbine, pode levar mais de um ano. O que nós percebemos é que existe um período de tempo em que podemos interferir e agir.

Heloisa Villela: E o que mais?

Heloisa Villela: A segunda descoberta foi que, em sua maioria, os agressores não eram pessoas isoladas que ninguém conhecia. Eram pessoas conhecidas na comunidade, que os professores sabiam que tinham problemas e que ninguém fez nada. E mais: quase todos contaram a outras pessoas o que íam fazer. Não guardaram segredo. Quase todos os agressores estavam na faixa dos 13 aos 19 anos. E a maioria dos adolescentes têm dificuldade de manter segredo. Eles falam com outras pessoas. Também descobrimos que, mesmo depois de contarem a outras pessoas que íam atirar e matar na escola, essas pessoas não contaram para mais ninguém e simplesmente não acreditaram.

Heloisa Villela: O que existe de comum entre esses jovens?

William Modzeleski:Vimos que quase todos passaram por algum evento traumático. E não se pode pensar nisso com a cabeça de um adulto e sim com a mentalidade de um jovem porque o que afeta os adolescentes é muito diferente. Alguns perderam a namorada, outros não conseguiram vaga na universidade, tiveram notas baixas. ¾ das crianças atravessaram situações constantes de agressão na escola. Como vítimas e/ou como agressoras. É mais um sinal que deve ser observado. Agora, o que nós descobrimos e surpreende muita gente é que não existe perfil padrão do jovem que faz isso. Muita gente gostaria que disséssemos: “esses assassinos são todos homens, tem uma determinada idade, se parecem com este ou aquele perfil, se vestem assim ou assado”. Mas descobrimos que são todos diferentes. Alguns tem boas notas outros não. Alguns tem problemas de comportamento na escola e outros não.

Heloisa Villela:E são todos homens?

William Modzeleski:Até o momento em que terminamos o estudo, sim. Mas depois que concluímos, houve um caso de uma mulher, na Pensilvânia, e descobrimos, depois, casos envolvendo alunas do sexo feminino que tentaram matar colegas, na escola, em 1970, na Califórnia. Então, não existe perfil. É mais um problema de comportamento do que de aparência e características. Como agem, o que falam, o que fazem? Muitas dessas crianças fizeram ameaças, falaram em atirar, desenharam cenas, tiveram atitudes violentas. Deram vários sinais e nós ignoramos.

Heloisa Villela: Sexo, raça, religião, doenças mentais, nada disso é luz vermelha que dever ser observada? O rapaz da Virgínia Tech, dizem que tinham problemas mentais, por exemplo.

William Modzeleski: É bem mais complexo… Quando falamos de doenças mentais, por exemplo, é preciso ter outros fatores associados a elas. Doença mental é um termo muito genério e existem vários tipos de necessidades na área de saúde mental. Milhões de pessoas têm necessidades na área de saúde mental nesse país. Não é nisso que devemos prestar atenção e sim nos comportamentos relacionados com atitudes violentas: a pessoa tem armas? Tem problemas com álcool e drogas? Têm feito ameaças? E vimos que os atiradores apresentam esses comportamento tenham necessidades na área de saúde mental ou não.

Heloisa Villela: O senhor disse que existe, normalmente, uma janela, um espaço de tempo em que é possível fazer algo. O que pode ser feito para evitar problemas como esse?

William Modzeleski: O primeiro passo é identificar as pessoas que têm esses problemas de comportamento e entender o que são e trabalhar dentro da comunidade para oferecer os serviços necessários. Acompanhar o indivíduo. Acima de tudo, descobrimos que muitas dessas crianças não têm um adulto na vida delas. Alguém com quem possam conversar sobre os problemas que estão enfrentando. Parte do que estamos dizendo no estudo não é apenas identificar as crianças que apresentam esses comportamentos mas também perguntar: existe um adulto ao qual possamos associar essa criança? Pode ser um irmão mais velho… Alguém em quem possam confiar. Isso faz muita diferença.

Heloisa Villela: Além de encontrar um interlocutor adulto para que essas crianças sejam ouvidas, dificultar o acesso a armas não seria importante também?

William Modzeleski:No nosso estudo, a maioria das pessoas que matou nas escolas, usou armas comuns, vendidas em muitos lugares do país. Muitas dessas armas foram obtidas ilegalmente. Foram roubadas de casa, ou da casa do vizinho. Então, é importante descobrir como evitar que as armas caiam nas mãos dos que, legalmente, não deveriam ter armas.

Heloisa Villela: E como fazer para facilitar o contato desses jovens com adultos que os ouçam?

William Modzeleski: Os primeiros adultos na vida das crianças são os pais. É preciso ver se eles estão presentes e se se comunicam. Como acontece em muitos outros países, aqui também, em muitas famílias não existe uma mãe ou um pai que se comunique com os filhos. E quando isso acontece, temos que criar oportunidades. Grupos e organizações civis que estão disponíveis. Se não houver pai ou mãe, é preciso que haja um adulto responsável.

Heloisa Villela: Pode ser um professor?

William Modzeleski:Claro! Em muitos casos, é o professor que faz um trabalho maravilhoso de conversar com as crianças e ir muito além das necessidades acadêmicas, tratando também dos problemas emocionais.

Heloisa Villela: Os Estados Unidos lideram neste tipo de problema, mas já aconteceram casos na Alemanha, na Finlândia, na Nova Zelândia…

William Modzeleski: Deixe-me corrigir uma impressão equivocada de que nossas escolas são lugares perigosos e que esses incidentes acontecem com frequência… Não é o caso. Apenas 1% dos homicídos de crianças na faixa de 5 a 18 anos acontece nas escolas. Então, as escolas são seguras. Mas podem se tornar ainda mais seguras? Podem. E estamos trabalhando muito para que todas as escolas do país sejam seguras porque entendemos que as crianças não podem aprender e os professores não podem ensinar se estiverem em um ambiente no qual sempre sentem medo. E podemos tornar as escolas mais seguras transformando a cultura dentro delas para que as crianças não agridam umas às outras, para que não haja o chamado bullying. Garantindo que toda criança tenha um adulto ao qual possa recorrer em caso de necessidade. Fazendo com que as crianças entendam que uma arma não é o meio para resolver problemas.

Heloisa Villela: Então, não é instalando detectores de metais…

William Modzeleski: Os detectores tem seu lugar em algumas escolas. Não devem ser a única medida porque as crianças não podem conversar com detectores de metais. Mas depende muito das condições e dos problemas que a escola enfrenta. Se é uma escola que nunca teve problema com armas, por que ter um detector de metais? Mas se você fez um levantamento e viu que muitos alunos têm problemas com drogas, você precisa de um programa de drogas. Muitos adolescentes tem problemas sociais, tem problemas com namorados… É o fator humano!

Heloisa Villela: E por que esses atiradores fazem a escola de alvo?

William Modzeleski:De acordo com as entrevistas que fizemos, é porque foi na escola que sofreram algo. Onde se sentiram provocados, agredidos, onde estão as pessoas que, na cabeça deles, os estavam perseguidos. É uma escolha lógica.

Heloisa Villela: Que medidas estão sendo tomadas para tornar as escolas americanas mais seguras?

William Modzeleski:Antes de mais nada, reconhecer e entender qual é o problema. Há 20 anos achávamos que as escolas precisavam de programas e começamos a fazer vários. Prevenção de violência, de drogas. Mas não tínhamos uma compreensão do problema. Agora, estamos empurrando as escolas para que tenham um entendimento melhor dos problemas. Que façam pesquisas, falem com as crianças e levantem informações porque enquanto não fazem isso, não podem desenvolver programas. Uma coisa que encorajamos muito é para que re-examinem suas políticas para ver se são muito punitivas. Você expulsa a criança por qualquer motivo ou oferece alternativas? Pedimos a todas as escolas do país que desenvolvam parcerias com a comunidade. Com os serviços de saúde mental, com a polícia local. Se o principal problema da escola é bullying, é preciso mudar a cultura da escola.

Heloisa Villela: No caso do Brasil, considerando que cada país é um país e cada cultura é uma cultura, o que o senhor diria às autoridades brasileiras, que tipo de alerta ofereceria?

William Modzeleski:Não sei muito sobre o caso do Brasil. É difícil falar. Mas acho que devem fazer o mesmo que fizemos aqui: primeiro, tentar entender o que está acontecendo. Depois vai poder desenhar algum programa. Mas acho que não é por causa de um incidente que você vai traçar política. Pode ser apenas uma aberração. Antes de pensar em criar qualquer política, é preciso entender melhor o que aconteceu.

Nota: Nos casos analisados pelo estudo, 76% dos atiradores eram brancos, 12% Afro-Americanos, 5% hispânicos, 2% Native-Alaskans, 2% Native-Americans e 2% Asiáticos.
Fonte: http://www.viomundo.com.br/entrevistas/william-modzeleski-as-autoridades-brasileirasantes-de-pensar-em-criar-qualquer-politica-e-preciso-entender-melhor-o-que-aconteceu.html 

06 abril, 2011

Trafico de Armas no Brasil e no Mundo

Wálter Maierovitch: o Brasil é protagonista no tráfico internacional de armas
por Bruno Huberman, da Carta Capital

O jurista ainda afirma que não é possível levar a sério qualquer pesquisa sobre a origem do armamento do crime organizado nativo que não seja feito por quem o deveria controlar: o Estado
Para o colunista e especialista em crime organizado internacional, Wálter Maierovitch, não há discussão sobre o tráfico de armas no Brasil e a origem do armamento do crime, enquanto não entendermos que fazemos parte de uma conjuntura mundial liderada pelas máfias transnacionais que abastecem todos os conflitos armados no planeta: desde os revoltos líbios até os narcotraficantes cariocas. “O que interessa é que o crime organizado tem armas e consegue as armas que quiser”.
Na entrevista à CartaCapital, o jurista traça um panorama sobre o tráfico internacional de armas, a política de segurança pública e criminal nativa e a ineficiência do controle do comércio de armas local.


CartaCapital: Como você vê a questão das armas no Brasil e no mundo?

Walter Maierovitch: A primeira imagem que me vêm quando falamos sobre a questão das armas, é um filme em que o saudoso Alberto Sordi fazia o papel de traficante de armas. Esse filme é de 1974. Ele saia para vender armas pela África, por vários países, evidentemente ilegalmente. Toda vez que o secretário dele se aproximava e dizia que estava tendo uma revolução na África ou algo parecido, ele soltava a seguinte frase: “enquanto houver guerra, há esperança”, que vem a ser o título original do filme em italiano.

CC: E como funciona esse mercado ilegal internacional de armas?

WM: O comércio ilegal de armas movimenta 290 bilhões de dólares todos os anos e 35% dessas movimentações são feitas por uma criminalidade organizada. Para se ter ideia, a Convenção de Palermo de 2000 foi a primeira sobre crime organizado sem fronteiras da ONU. Houve um protocolo sobre armas e munições, mas não houve quorum para sua aprovação. Os lobbies fizeram com que os países interessados caíssem fora porque não querem nenhum controle sobre as armas. Nós temos dados preocupantes, como por exemplo, o Iraque, que de 1965 a 90 comprou 93 bilhões de dólares em armas e munições. Há três blocos sólidos da indústria bélica: em primeiro lugar os EUA e a Rússia, em segundo França, Grã-Bretanha e China e em terceiro Brasil, Argentina, Áustria, Suíça e Itália.

CC: Qual é o ponto mais sensível do tráfico de armas?

WM: A ONU estabeleceu por convenção a necessidade de toda exportação ser condicionada a expedição de um certificado de destinação final. Imagine se do Brasil sai um barco com armas e munições com destino final a Angola. Digamos que seja um navio de bandeira eslovena, só que ao invés de Angola vai parar em outro lugar. Quem controla esse certificado? Ninguém.

CC: Nem a Interpol?

WM: A Interpol é uma piada, assim como a Europol. Não há uma autoridade brasileira que consulte Angola para ver se o carregamento chegou lá.

CC: Isso dentro do comércio legal de armas, sem considerar os barcos que nem sabemos que vão transportando armamento ilegal.

WM: A ONU criou esse certificado e apenas a criminalidade organizada o aproveita. O certificado é uma porta aberta à exportação. Essa proposta que se está estudando nos EUA de armar os rebeldes líbios, já aconteceu na guerra entre o Irã e o Iraque por meio do então maior traficante de armas do mundo. A própria CIA usou um traficante internacional de armas para, por baixo do pano, jogar armas para o Iraque, que a época era aliado.

CC: Talvez isso já esteja acontecendo, mas ainda não sabemos disso.

WM: O mercado das armas já aponta para isso. O Paraguai é o grande depósito ilegal de armas a fim de traficá-las. Antes da Primavera Árabe, podia-se comprar facilmente uma AK-47, a Kalashnikov. Vê se consegue agora? Não consegue mais porque os rebeldes da Líbia sabem usar esse tipo de arma. Já há uma mudança no mercado. Isso mostra que o Paraguai é apenas um entreposto para o tráfico. No Brasil, que está no terceiro bloco exportador de armas, e a correta chave de leitura é “exportador de violência”, tem também um mercado informal de armas muito forte. Armas que são fabricadas aqui, vão para o Paraguai e depois voltam de maneira ilegal. É um bumerangue.

CC: E as munições? O Brasil fabrica munições até para as armas que a sua própria indústria não produz.

WM: Esse é o grande problema. Se tiver dificuldade de reposição de munição não vai ter o objetivo do crime organizado que é o enfrentamento. Todas essas munições brasileiras são exportadas com o certificado de destinação final e a polícia brasileira não se importa em investigar. É uma grande farsa internacional.

CC: Quanta a origem do armamento dos criminosos brasileiros, é melhor acreditarmos na pesquisa da ONG Viva Rio que diz que a maioria das armas ilegais são de produção nacional ou da RCI First Security and Intelligente Advising, empresa de Segurança Privada sediada em Nova York, especializada em análise e gestão de risco, que diz exatamente o contrário?

WM: Esse tipo de debate mostra outra falha. Qual a origem das armas e munições apreendidas pela polícia de acordo com o banco de dados brasileiro? Não há esta estatística. Se tivesse um centro especializado em estatísticas e uma política mínima de segurança pública, haveria com facilidade um número com base nas apreensões. Mas não há, essas pesquisas são todas bobagens. Não há confiabilidade nessas estatísticas de organizações não-governamentais e de empresas privadas de segurança.

CC: Mas, de qualquer forma, é importante levar em conta essas estatísticas, como a da Viva Rio, que são reconhecidas pelo Ministério da Justiça.

WM: Vejamos o caso Castelinho (quando 12 criminosos foram massacrados por 100 policiais na rodovia Castello Branco, no interior de SP, em 2003). As armas que os membros do crime organizado tinham e que iam enfrentar a polícia, antes, estavam em depósito judicial. Alguém fez carga das armas, todas quebradas e arrebentadas, e entregou para os criminosos. Aquilo tudo foi orquestrado. Como se descobriu isso? As munições que eles utilizavam eram da polícia. Veja, essas discussões não geram nada. O que interessa é que o crime organizado tem armas e consegue as armas que quiser. Haja vista o fato de haver vários organizações do Paraguai que fazem entrega a domicílio aqui no Brasil. Uma vez que o Estado tem o monopólio da repressão policial, apenas se pode considerar os dados do Estado. No Rio de Janeiro, proteção à testemunha é feito por ONG, o que deveria ser dever do Estado defender a vida da testemunha. Está na lei brasileira de 1999 que é feita por ONG. O Brasil erra nesses pontos mais importantes.

CC: Então não podemos falar da questão das armas sem considerar uma nova política de segurança pública?

WM: E de política criminal, não apenas de segurança pública. E vem num contesto mundial de armas, que está inserido num mercado problemático. O Brasil tem uma Secretaria Nacional Pública que deveria ter o cuidado de fazer esse tipo de considerações e avaliações. O Brasil deveria lutar internacionalmente pela fiscalização desse registro de destinação final, essa é a grande porta aberta.

CC: O que você acha da hipótese de que quanto mais armas em circulação, menos crimes?


WM: Essa é a ideia americana, que está absolutamente equivocada. Arma é sinônimo de violência. Para se ter ideia da fragilidade da política brasileira nesse sentido, nós já vimos o secretário de segurança pública de São Paulo, no governo Paulo Maluf, recomendar a população, em função da fragilidade da polícia, que se armasse.

CC: Você acha que a fiscalização do transporte e do comércio de armas deve continuar nas mãos do Exército?

WM: No Brasil, nós temos que pensar o seguinte: funciona ou não? O problema não é se está na mão do Exército ou não, o problema é que não funciona. O Brasil mete o foco num assunto, mas não percebe que está tudo relacionado: armas, drogas… é tudo crime organizado. Mais do que isso, é uma geopolítica de nações. Fala-se quem armou os revoltosos líbios foram os franceses por meio de traficantes. O mundo tem que consumir as armas que fabrica e nós não apenas fazemos parte desta geopolítica, mas como somos um dos protagonistas.
Fonte: http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/brasil-e-protagonista-no-trafico-internacional-de-armas.html