22 dezembro, 2011

Crime, Lavagem e Percepcao da corrupcao


IMPRENSA, CRIME & CORRUPÇÃO
Muito barulho, pouca informação

Por Luciano Martins Costa em 22/12/2011 na edição 673

A operação policial que ganhou espaço na mídia nos últimos dias, e que revela a penetração dos chefões do jogo do bicho na complexa estrutura do crime organizado, denuncia também a crônica incapacidade da imprensa brasileira de desvendar as conexões entre o sistema do crime e o sistema da corrupção envolvendo agentes públicos de variados escalões.

O ponto de partida das reportagens foi a ação espetaculosa da polícia do Rio, que em uma operação planejada em conjunto com o Ministério Público estadual prendeu dezenas de acusados em processos por crimes financeiros originados na contravenção.

O resultado da ação policial ganhou manchetes, mas deixou de fora os principais chefões do esquema, os mesmos que periodicamente, alguns há décadas, frequentam as crônicas policiais.

Aquilo que o Globo chamou, há uma semana, de “um duro golpe” na contravenção, acaba se revelando, afinal, apenas mais uma estocada sem grandes efeitos no sistema do crime.

Dinheiro sujo

Ao fixar seu olhar no mundo mais ou menos exótico do jogo do bicho, que já foi glamurizado pela própria mídia em novelas da televisão e costuma ainda ser transplantado para o jornalismo de amenidades no período do carnaval, a imprensa omite do público as graves conexões entre a folclórica contravenção e o mundo dos grandes golpes financeiros, do narcotráfico e da corrupção.

Muito além da ação degenerativa que o poder dos contraventores sempre produziu nas autoridades policiais, falta ao noticiário se aprofundar na análise dos sistemas de lavagem de dinheiro que são comuns ao jogo do bicho, ao narcotráfico, aos grandes estelionatos e ao crime financeiro, ligado ou não a agentes públicos corruptos.

Como a chamada grande imprensa colocou sob suspeição os documentos e as revelações feitas pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr. no livro A privataria tucana, esforçando-se para desqualificar seu trabalho, perdeu-se uma nova e excelente oportunidade para fazer a radiografia do sistema financeiro que permite lavar o dinheiro do crime, seja aquele dinheiro recolhido aos miúdos em quiosques mais ou menos clandestinos pelos chamados apontadores, sejam aqueles volumes grandiosos desviados dos cofres municipais, estaduais e federal pela evasão fiscal e pela corrupção.

Os arquivos de computadores apreendidos nas casas dos chefões do jogo do bicho no Rio, semana passada, devem conter planilhas e programas comuns a todos esses crimes, uma vez que a função desses aplicativos é fazer circular o dinheiro através dos filtros mais ou menos conhecidos que permitem transformar dinheiro sujo em patrimônio mais ou menos legal.

Manchado de sangue

O noticiário sobre o crime comum costuma se mesclar com os escândalos sobre casos de corrupção e grandes golpes financeiros no ponto em que todos os protagonistas precisam processar o dinheiro nas lavanderias internacionais para poderem se beneficiar de suas atividades ilegais.

Em geral, o trabalho da imprensa costuma travar a partir do momento em que se torna essencial analisar as conexões entre o crime e o sistema financeiro internacional. A falta de percepção ou de interesse em vasculhar esse território obscuro se revela, por exemplo, no fato de que os jornalistas, de modo geral, engolem como válido um ranking internacional sobre percepção da corrupção em diversos países no qual a Suíça aparece brilhando entre as nações mais honestas do mundo, quando se sabe que a extrema liberdade para o fluxo de dinheiro nos bancos daquele país é que faz a alegria de criminosos do mundo inteiro.

Esse é o esquema que dá segurança a fortunas feitas pela corrupção, que retornam aos locais de origem para refinanciar grupos políticos em várias partes do mundo.

Da mesma forma, é nos chamados paraísos fiscais que engordam as riquezas processadas nas chamadas lavanderias financeiras internacionais e cuja origem pode ser a escravização de uma nação africana, o contrabando de armas que produzem genocídios, e mesmo ações de terroristas que, no fim das contas, vão colocar sob risco o próprio sistema financeiro.

Durante a cobertura mais intensa da chamada “primavera árabe”, a imprensa deu grande destaque às fortuna acumuladas fora de seus países por tiranos e seus familiares. Mas raramente se produz a reportagem essencial que conta como esse dinheiro manchado de sangue se transforma em milionárias propriedades na Europa, em coleções de diamantes guardados nos cofres de grandes bancos e em participações em empresas da economia formal.

Sem esse aprofundamento, todo o noticiário sobre crimes de colarinho branco e casos de corrupção reais ou inventados e sobre o combate ao narcotráfico ou à contravenção é apenas entretenimento.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/muito_barulho_pouca_informacao_1

11 outubro, 2011

Zizek - Capitalismo nao eh democracia


O filósofo e escritor esloveno Slavoj Zizek visitou a acampamento do movimento Ocupar Wall Street, no parque Zuccotti, em Nova York e falou aos manifestantes. “Estamos testemunhando como o sistema está se autodestruindo. "Quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou".

 Leia a íntegra do pronunciamento de Zizek.

Slavoj Zizek

Durante o crash financeiro de 2008, foi destruída mais propriedade privada, ganha com dificuldades, do que se todos nós aqui estivéssemos a destruí-la dia e noite durante semanas. Dizem que somos sonhadores, mas os verdadeiros sonhadores são aqueles que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente da mesma forma.

Não somos sonhadores. Somos o despertar de um sonho que está se transformando num pesadelo. Não estamos destruindo coisa alguma. Estamos apenas testemunhando como o sistema está se autodestruindo.

Todos conhecemos a cena clássica do desenho animado: o coiote chega à beira do precipício, e continua a andar, ignorando o fato de que não há nada por baixo dele. Somente quando olha para baixo e toma consciência de que não há nada, cai. É isto que estamos fazendo aqui.

Estamos a dizer aos rapazes de Wall Street: “hey, olhem para baixo!”

Em abril de 2011, o governo chinês proibiu, na TV, nos filmes e em romances, todas as histórias que falassem em realidade alternativa ou viagens no tempo. É um bom sinal para a China. Significa que as pessoas ainda sonham com alternativas, e por isso é preciso proibir este sonho. Aqui, não pensamos em proibições. Porque o sistema dominante tem oprimido até a nossa capacidade de sonhar.

Vejam os filmes a que assistimos o tempo todo. É fácil imaginar o fim do mundo, um asteróide destruir toda a vida e assim por diante. Mas não se pode imaginar o fim do capitalismo. O que estamos, então, a fazer aqui?

Deixem-me contar uma piada maravilhosa dos velhos tempos comunistas. Um fulano da Alemanha Oriental foi mandado para trabalhar na Sibéria. Ele sabia que o seu correio seria lido pelos censores, por isso disse aos amigos: “Vamos estabelecer um código. Se receberem uma carta minha escrita em tinta azul, será verdade o que estiver escrito; se estiver escrita em tinta vermelha, será falso”. Passado um mês, os amigos recebem uma primeira carta toda escrita em tinta azul. Dizia: “Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar é tinta vermelha.”

É assim que vivemos – temos todas as liberdades que queremos, mas falta-nos a tinta vermelha, a linguagem para articular a nossa ausência de liberdade. A forma como nos ensinam a falar sobre a guerra, a liberdade, o terrorismo e assim por diante, falsifica a liberdade. E é isso que estamos a fazer aqui: dando tinta vermelha a todos nós.

Existe um perigo. Não nos apaixonemos por nós mesmos. É bom estar aqui, mas lembrem-se, os carnavais são baratos. O que importa é o dia seguinte, quando voltamos à vida normal. Haverá então novas oportunidades? Não quero que se lembrem destes dias assim: “Meu deus, como éramos jovens e foi lindo”.

Lembrem-se que a nossa mensagem principal é: temos de pensar em alternativas. A regra quebrou-se. Não vivemos no melhor mundo possível, mas há um longo caminho pela frente – estamos confrontados com questões realmente difíceis. Sabemos o que não queremos. Mas o que queremos? Que organização social pode substituir o capitalismo? Que tipo de novos líderes queremos?

Lembrem-se, o problema não é a corrupção ou a ganância, o problema é o sistema. Tenham cuidado, não só com os inimigos, mas também com os falsos amigos que já estão trabalhando para diluir este processo, do mesmo modo que quando se toma café sem cafeína, cerveja sem álcool, sorvete sem gordura.

Vão tentar transformar isso num protesto moral sem coração, um processo descafeinado. Mas o motivo de estarmos aqui é que já estamos fartos de um mundo onde se reciclam latas de coca-cola ou se toma um cappuccino italiano no Starbucks, para depois dar 1% às crianças que passam fome e fazer-nos sentir bem com isso. Depois de fazer outsourcing ao trabalho e à tortura, depois de as agências matrimoniais fazerem outsourcing da nossa vida amorosa, permitimos que até o nosso envolvimento político seja alvo de outsourcing. Queremos ele de volta.

Não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que entrou em colapso em 1990. Lembrem-se que hoje os comunistas são os capitalistas mais eficientes e implacáveis. Na China de hoje, temos um capitalismo que é ainda mais dinâmico do que o vosso capitalismo americano. Mas ele não precisa de democracia. O que significa que, quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou.

A mudança é possível. O que é que consideramos possível hoje? Basta seguir os meios de comunicação. Por um lado, na tecnologia e na sexualidade tudo parece ser possível. É possível viajar para a lua, tornar-se imortal através da biogenética. Pode-se ter sexo com animais ou qualquer outra coisa. Mas olhem para os terrenos da sociedade e da economia. Nestes, quase tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco os impostos aos ricos? Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade. Querem mais dinheiro para a saúde? Eles dizem que é impossível, isso significaria um Estado totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos prometem ser imortais, mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados de saúde.

Talvez devêssemos definir as nossas prioridades nesta questão. Não queremos um padrão de vida mais alto – queremos um melhor padrão de vida. O único sentido em que somos comunistas é que nos preocupamos com os bens comuns. Os bens comuns da natureza, os bens comuns do que é privatizado pela propriedade intelectual, os bens comuns da biogenética. Por isto e só por isto devemos lutar.

O comunismo falhou totalmente, mas o problema dos bens comuns permanece. Eles dizem-nos que não somos americanos, mas temos de lembrar uma coisa aos fundamentalistas conservadores, que afirmam que eles é que são realmente americanos. O que é o cristianismo? É o Espírito Santo. O que é o Espírito Santo? É uma comunidade igualitária de crentes que estão ligados pelo amor um pelo outro, e que só têm a sua própria liberdade e responsabilidade para este amor. Neste sentido, o Espírito Santo está aqui, agora, e lá em Wall Street estão os pagãos que adoram ídolos blasfemos.

Por isso, do que precisamos é de paciência. A única coisa que eu temo é que algum dia vamos todos voltar para casa, e vamos voltar a encontrar-nos uma vez por ano, para beber cerveja e recordar nostalgicamente como foi bom o tempo que passámos aqui. Prometam que não vai ser assim. Sabem que muitas vezes as pessoas desejam uma coisa, mas realmente não a querem. Não tenham medo de realmente querer o que desejam. Muito obrigado

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18669

03 outubro, 2011

Liberalismo x Neoliberalismo 

Antonio Lassance


O inferno astral do neoliberalismo


O que está ruim ainda tem a chance de ficar pior. A crise profunda do neoliberalismo tem tido como efeito político a ressurreição do conservadorismo. Se os novos liberais perderam força, os conservadores tomaram muito de seu espaço. A última vez em que isso aconteceu foi após a I Guerra Mundial, com o nazismo e do fascismo.


O velho liberalismo romântico

O neoliberalismo é uma ideologia, uma visão de mundo. Mais precisamente, é uma visão de mundo adepta do individualismo, da competição, do Estado mínimo e da primazia do mercado, o que justifica sua filiação ao velho liberalismo. O que havia de novo nesse liberalismo?

O velho liberalismo de Adam Smith reservava funções claras ao Estado, mesmo que sumárias, como a defesa do território, a proteção (que hoje preferimos chamar de segurança pública), o recolhimento de impostos e a política monetária. Mas nenhum liberal clássico, ao defender o indivíduo, deixava de olhar a sociedade como um todo. A liberdade individual supostamente promoveria o bem estar da sociedade. Smith externava preocupação com o fato de que seus concidadãos, que vestiam o mundo, estavam em farrapos.

Para o neoliberalismo, porém, não existe sociedade; o que existe são indivíduos (frase de Margareth Thatcher, ex-primeira ministra do Reino Unido). Não existe serviço público que não possa e não deva ser prestado por empresas privadas (frase de David Cameron, atual primeiro ministro britânico).

Para o liberalismo clássico, as corporações eram um problema a ser atacado. “A riqueza das nações”, de Adam Smith, criticava a proteção estatal às companhias comerciais, que exerciam atividades mercantis de forma monopolística, financiadas e escoltadas com recursos públicos. Para o novo liberalismo, as corporações são “a firma” e são equiparadas aos indivíduos. São pessoas jurídicas e têm por trás de si acionistas (indivíduos). Ao contrário da versão original, para o neoliberalismo a riqueza dos indivíduos é apátrida, e não uma riqueza “das nações”.

Outro fator de novidade do neoliberalismo era a globalização, uma marcha tida como inexorável para o domínio absoluto do globo por essas grandes corporações (comerciais, industriais, mas sobretudo financeiras). Bem diferente da ideia de divisão internacional do trabalho, que tinha como base as nações e o trabalho, e não as empresas e os fluxos financeiros. Romanticamente, Smith apontava um caminho para cada país encontrar seu lugar ao sol, produzindo de acordo com sua vocação. Deve-se dar um desconto ao romantismo de Adam Smith, pois ele era contemporâneo da poesia de Lord Byron, da música de Beethoven, da pintura de Delacroix. O mundo respirava romantismo por todos os lados e parecia que o progresso salvaria a todos.

A visão do neoliberalismo não é nada romântica. Os neoliberais são realistas até o último fio de cabelo. Eles são herdeiros da mutação genética introduzida no velho liberalismo pelo darwinismo social de Herbert Spencer, na segunda metade do século XIX. Sua vinculação a Friedrich Hayek tem traços claros que os colocam mais como apóstolos da lei do mais forte do que da lei do livre mercado.

Ascensão e queda do neoliberalismo
A construção do neoliberalismo desenrolou-se aos soluços, com inúmeros sobressaltos. Ele sobreviveu em estado vegetativo por décadas, até ganhar uma dimensão política avassaladora com o tridente formado por Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, nos anos 1980, personificado nas lideranças de Ronald Reagan, Margareth Thatcher e Helmut Kohl.

Sua força política empunhava um ideário econômico agressivo, cuja síntese mais propalada tornou-se conhecida como o “Consenso de Washington”.

O ciclo do neoliberalismo, quase como um ciclo biológico tradicional, durou cerca de vinte e cinco anos. É difícil encontrar hoje em dia algo que não traga sinais dessa herança. Mesmo com seus abalos, ao final dos anos 1990, ele ainda ganhou uma sobrevida por meio de governos da autointitulada “terceira via”. Sob este guarda-chuvas está uma legião composta pelos democratas nos EUA (Bill Clinton), socialdemocratas da Europa (Tony Blair, no Reino Unido; Gerhard Schröder, na Alemanha; Lionel Jospin, na França; Massimo D’Alema, na Itália) e parte da América Latina (como Fernando Henrique Cardoso, no Brasil; Carlos Andrés Perez, na Venezuela; Carlos Menem, na Argentina; e todos os governos da Concertación chilena).

O inferno astral
O neoliberalismo sofreria um profundo abalo e entraria definitivamente em seu inferno astral a partir de 2008, quando se ouviu um dobre de finados não na periferia do sistema, mas na catedral do capitalismo, em Nova York. Era o enterro da Lehman Brothers Holdings Incorporated.

Mas uma das características do neoliberalismo, além da ousadia e do cinismo, é a teimosia. Ele insistia em disputar projetos políticos e em ganhar eleições com seus arautos. Neles residiam as últimas esperanças de dar a volta por cima, recobrar as energias e reinventar formas de acumulação que evitassem que o capitalismo carregasse a pecha de ser um grande prejuízo para a vida da maioria dos mortais.

Para a surpresa dos incautos, o neoliberalismo conseguiu eleger novos garotos-propaganda. Na pátria-mãe, o Reino Unido, David Cameron; no Chile, Sebastián Piñera; na Alemanha, Angela Merkel.

O Reino Unido é o exemplo mais retumbante do fracasso estrutural do neoliberalismo. Sua política econômica tem como eixo a redução de serviços públicos e a tentativa de desmonte de estruturas de Estado, uma retórica persistente, mas pouco efetiva. O inglês mantém um alto grau de prestação de serviços públicos estatais. Conjunturalmente, a inflação está em alta, com as projeções beirando os 5% - pois é, eles não vão cumprir a meta de inflação, que por lá está fixada em 2%. O desemprego não só está em alta, como é o maior dos últimos dois anos.

A Escócia de Adam Smith, em má homenagem ao credo neoliberal, ostenta um grande número de serviços públicos gratuitos à população. Seu Estado de bem-estar social faz inveja ao dos ingleses. Os escoceses já haviam conseguido um parlamento próprio e agora têm ganhado mais adeptos em favor de sua independência. A política de desmonte, do governo Cameron, tem ajudado em muito a aumentar a adesão à proposta de secessão. As receitas da Escócia são suficientes para mostrar que, se alguém pode sair perdendo com a separação, é a Inglaterra.

No País de Gales, a seção local do partido conservador cogita até trocar de nome e reclama de sua associação ao legado de Margareth Thatcher. A má fama do thatcherismo, segundo pesquisas, os prejudica eleitoralmente.

No Chile, Piñera enfrenta as maiores manifestações desde Pinochet. Além dos estudantes nas ruas, grande parte dos moradores das cidades do sul do país, dependentes do gás subsidiado para se proteger do frio, protesta contra o reajuste do produto e o encarecimento do custo de vida.

Na Alemanha, Merkel tem feito pouca coisa que pode ser considerada verdadeiramente neoliberal. Tanto que até seu companheiro de partido, Helmut Kohl, lhe faz críticas sistemáticas. Os socialdemocratas alemães parecem bem mais apegados ao neoliberalismo e dizem que a Alemanha vai pagar caro pelas “vacilações” de Merkel, que deveria ser mais dura em cobrar ajustes rigorosos em toda a zona do Euro.

O conservadorismo e seu contraponto
Mas a hora não é dada a comemorações. O que está ruim ainda tem a chance de ficar pior. A crise profunda do neoliberalismo tem tido como efeito político a ressurreição do conservadorismo. Se os novos liberais perderam força, os conservadores tomaram muito de seu espaço. A última vez em que isso aconteceu foi após a I Guerra Mundial, com o nazismo e o fascismo.

O conservadorismo tem como bandeiras o combate aos imigrantes, o protecionismo, o militarismo e o gasto social seletivo. Quer reduzir a prestação de serviços públicos e trocá-los por cheques, “vouchers” e descontos de imposto de renda, mas não exatamente por razões privatistas. Há um duplo propósito. Torna possível financiar empresas privadas nacionais para prestar serviços públicos essenciais e fecha a porta aos imigrantes, que vivem na ilegalidade e não podem receber esses benefícios focalizados.

O conservadorismo que tem no “Tea Party”, dos EUA, seu movimento mais proeminente, é protecionista, nacionalista, militarista, xenófobo, intolerante Os neoliberais não são a fonte desses cacoetes. Seus vícios originais são outros, embora aceitem compartilhá-los, principalmente o militarismo, se isso justificar vantagens competitivas.

Neoliberais apoiam a imigração como forma de atrair talentos de qualquer parte do mundo e reduzir o custo da mão-de-obra, assim como para manter uma ampla parcela de trabalhadores apartada de direitos sociais. São a favor do direito de mulheres muçulmanas escolherem se querem ou não usar a burka, pois sua proibição desrespeita a liberdade individual. São cautelosos quanto ao militarismo, pois seus gastos são elevados. Henry Kissinger e James Baker escreveram, meses atrás, um artigo condenando a intervenção na guerra da Líbia, com base em um cálculo da relação custo-benefício para os Estados Unidos.

Na crise financeira de 2008, os neoliberais foram, em grande medida, “liquidacionistas”, como o velho Hayek pregava. Disseram que os bancos em dificuldades deveriam ser deixados à sua própria sorte e quebrarem, se preciso fosse.

Se há um contraponto político ao conservadorismo, ele ronda a América do Sul. Está pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Venezuela, Equador e Peru. Com defeitos, limitações, tibiezas e inúmeros problemas. Na Europa e nos Estados Unidos, os movimentos de esquerda são de uma espontaneidade sem luxemburguismo (o da Rosa, não o do Vanderley). Dependem de associações civis pouco conectadas à luta política nacional e têm um profundo descrédito pelos partidos, inclusive os de ultraesquerda, afogados em sua própria retórica e empacados em sua falta de projeto.

Fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5205&boletim_id=1007&componente_id=16198

02 outubro, 2011

O que os economistas NÃO mostram29/11/05
Título: "Morte aos Economistas"
Lula Miranda


 
Das planilhas de cálculo dos economistas não escorre seiva, não escorre sangue (a não ser que pensemos em termos metafóricos). Ali,

não pulsa a vida. Apenas números frios, percentuais e estatísticas em seu gélido pragmatismo. Olhando para os hoje tão propalados

“ajustes” e “superávites” fiscais não se percebe a fome, a exclusão. Não se vê a dor e a tristeza estampadas na face dos idosos nas

quilométricas filas do SUS ou do INSS, madrugadas frias adentro. As planilhas dos economistas e seus ajustes fiscais nada revelam

além de um economicismo perverso e criminoso escamoteado por um discurso que sugere uma pretensa racionalidade no uso do

dinheiro público. Puro engodo e tergiversação. Morte aos economistas.

As planilhas dos economistas não revelam as preciosas vidas perdidas na guerra pérfida e inútil de todos os dias (aliás, todas as

guerras devem ser consideradas inúteis e pérfidas). Ali, nas planilhas dos tecnocratas, o futuro e a esperança são negados aos jovens.

Elas, na sua letra fria, não revelam a calamidade na educação ou na saúde. Não revelam os corpos esquálidos, o sorriso amarelo, que é

quase um não-sorriso, e os olhares sem vida das crianças indígenas e dos filhos dos lavradores do semi-árido que morrem de inanição.

Morte aos economistas.

As planilhas dos economistas não revelam o déficit habitacional, os sem-teto que se espojam maltrapilhos, famélicos e sujos pelas

sarjetas. Os moradores de Alagados na Bahia, da Brasília Teimosa no Recife ou do Buraco Quente em São Paulo – ou de qualquer outra

entre tantas favelas – tampouco são contemplados pelo “glamour” cínico dos tecnocratas e sua econometria de resultados ou pelo

rentismo dessa globalitária “financeirização” tão em voga. Ou muito menos o apartheid na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro, onde

estão devidamente apartados os que morrem no morro e os que vivem no asfalto. Não revelam o pavor de todo o dia nas grandes, ou

até mesmo pequenas cidades: a insegurança, o medo do próximo, o medo da violência. Morte aos economistas.

As planilhas dos economistas e seus superávites fiscais nos negam o sonho, o pão, a poesia de cada dia. Nos negam a cidadania. Nos

negam o inalienável direito de construirmos uma nação. Nos negam a soberania. Morte aos economistas.

A “sensatez” bem calculada dos economistas não apazigua o olhar de desalento do pai e/ou mãe de família desempregado(s). Os

economistas nada enxergam para além de “resultados” – mas aí, esclareça-se, esse “resultado” não tem nada a ver com o resultado de

fato (ou, em outras palavras, no que resultam as suas medidas na vida real), é apenas o registro escritural de resultados contábeis,

projeções orçamentárias e de custos. Morte aos economistas.

É bastante revelador que nenhum parlamentar tenha ainda sugerido a criação de uma Lei de Responsabilidade Social, que seria uma

espécie de lei magna, soberana e que se sobreporia às demais leis, inclusive, e principalmente, à Lei de Responsabilidade Fiscal – como a

Constituição se sobrepõe às demais leis ordinárias. A nenhuma gestor seria permitido deixar faltar merenda escolar e um ensino público

de qualidade às crianças e jovens em idade escolar. A nenhum gestor seria permitido deixar de oferecer um serviço de saúde de

qualidade aos habitantes do seu Estado, município ou país. A nenhum gestor seria permitido criar “campos de extermínio” como as

Febem superlotadas ou deixar crianças perambulando sujas e maltrapilhas pelas ruas das cidades, ou mesmo deixar idosos e

desvalidos vivendo na sarjeta. Mas nenhum parlamentar ou economista sugeriu a criação de uma Lei de Responsabilidade Social. Morte

aos economistas.

Esses verdadeiros cientistas da ignomínia que transformaram esse país, que poderia ser uma grande nação, num imenso laboratório de

perversidades e a nós todos em suas cobaias – verdadeiros cordeiros na imolação cotidiana. Morte aos economistas.



Sejam os economistas a serviço do médico Palocci ou aqueles a serviço dessa abominável “nova” leva de políticos que estão na moda, os

chamados “gerentes” ou “super-gerentes” (mas quem dita a moda mesmo?). Hoje, os mais incensados (pela mídia grande, é claro)

representantes dessa categoria são Geraldo Alckmin (SP) e Aécio Neves (MG), que afirmam ter feito um tal de “choque de gestão” –

mais uma falácia, mera grandiloqüência retórica e empulhação para legitimar, e até mesmo legalizar, toda uma sonegação aos direitos

mais básicos do cidadão. Em outras palavras, para justificar o desmonte do Estado, o salário miserável dos professores, a saúde

precária e a falta de reajuste para os servidores de um modo geral. Quem vive em São Paulo ou Minas Gerais sabe a verdadeira

calamidade e incompetência administrativa que são a mais perfeita (e verdadeira) tradução dessas gestões. Morte aos economistas e

seus “super-gerentes”.

Claro, e aí conto com a cúmplice generosidade e benevolência dos leitores, que estão isentos dessa minha sentença capital o meu colega

Paulo Nogueira Batista Jr., o Beluzzo, a Maria da Conceição Tavares, o Eduardo Carneiro e alguns outros poucos economistas que

sabem haver vida para muito além dos números. Para estes, a gente dá um salvo-conduto. Afinal, um ou outro economista a gente

ainda tolera. Até mesmo porque vamos precisar de alguns deles para edificar a nossa utopia. Ou não? Morte aos economistas.



N.E. - Uma informação acessória, a título de curiosidade: Lula Miranda é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade

Católica do Salvador – UCSal.http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=5374

19 setembro, 2011

O  Branqueamento do Brasil

A Caixa Econômica Federal, a política do branqueamento e a poupança dos escravos, por Ana Maria Gonçalves
18 de setembro de 2011 às 16:33 5 Comentários


Uma imagem inédita de Machado

“São tanto mais de admirar e até de maravilhar essas qualidades de medida, de tato, de bom gosto, em suma de elegância, na vida e na arte de Machado de Assis, que elas são justamente as mais alheias ao nosso gênio nacional e, muito particularmente, aos mestiços como ele. [...]. Mulato, foi de fato um grego da melhor época, pelo seu profundo senso de beleza, pela harmonia de sua vida, pela euritmia da sua obra.”

O trecho acima é de um artigo do jornalista, professor, crítico e historiador literário José Veríssimo, em artigo no Jornal do Comércio, um mês depois da morte de Machado. Causou espanto em muita gente, inclusive em Joaquim Nabuco, que lhe enviou uma carta: “Seu artigo no jornal está belíssimo, mas essa frase causou-me arrepio: ‘Mulato, foi de fato um grego da melhor época’. Eu não teria chamado o Machado mulato [itálico no original] e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese. Rogo-lhe que tire isso quando reduzir os artigos a páginas permanentes. A palavra não é literária e é pejorativa, basta ver-lhe a etimologia. O Machado para mim era um branco, e creio que por tal se tornava [sic]; quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só vi nele o grego. O nosso pobre amigo, tão sensível, preferiria o esquecimento à glória com a devassa sobre suas origens”. É interessante perceber que o que causa espanto a Nabuco é Veríssimo ter chamado Machado de mulato, e não ter dito que as qualidades de medida, tato, bom gosto e elegância, na vida e na arte, eram alheias aos mestiços como ele, um neto de escravos. Pensamento condizente com um governo brasileiro que discutia a nossa condenação ao atraso e à pobreza de espírito, adquirida via mestiçagem. A solução seria tentar reproduzir, nos trópicos, a pureza de sangue europeia, sonho de consumo antigo das elites portuguesa, na época do Brasil colônia, e brasileira, pelo que parece, até os dias atuais.


A ideia de embranquecimentos dos brasileiros é antiga, e muitos eram abolicionistas não por questões humanitárias, mas porque acreditavam ser necessário estancar o quanto antes a introdução de sangue negro entre os nacionais. Em um ensaio publicado em Lisboa, em 1821, o médico e filósofo Francisco Soares Filho aponta a heterogeneidade do Brasil como o grande empecilho para o país se tornar um Estado Moderno: “Hum povo composto de diversos povos não he rigorosamente uma Nação; he um mixto de incoherente e fraco”. O livro de Andreas Hofbauer, Uma história do branqueamento ou o negro em questão, transcreve vários trechos do artigo de Francisco Soares Filho, “Ensaio sobre os melhoramentos de Portugal e do Brasil”, entre os quais destaco o que fala da necessidade e das vantagens de se promover a miscigenação controlada:

“Os africanos, sendo muito numerosos no Brasil, os seus mistiços o são igualmente; nestes se deve fundar outra nova origem para a casta branca. (…) Os mistiços conservarão só metade, ou menos, do cunho Africano; sua côr he menos preta, os cabellos menos crespos e lanudos, os beiços e nariz menos grossos e chatos, etc. Se elles se unem depois à casta branca, os segundos mistiços tem já menos da côr baça, etc. Se inda a terceira geração se faz com branca, o cunho Africano perde-se totalmente, e a côr he a mesma que a dos brancos; às vezes inda mais clara; só nos cabellos he que se divisa huma leve disposição para se encresparem. (…) E deste modo teremos outra grande origem de augmento da população dos brancos, e quasi extinção dos pretos e mistiços desta parte do Mundo; pelo menos serão tão poucos que não entrarão em conta alguma nas considerações do Legislador.”

Hofbauer também cita o artigo de António d’Oliva de Souza Sequeira, “Addição ao projeto para o estabelecimento politico do reino-unido de Portugal, Brasil e Algarves”, de 1821, no qual, além de reforçar as ideias do benefício da mestiçagem de seu conterrâneo, aponta a necessidade de promover a imigração: “Como o Brasil deve ser povoado da raça branca, não se concederão benefícios de qualidade alguma aos pretos, que queirão vir habitar no paiz. (…) E como havendo mistura da raça preta com a branca, (…) terá o Brasil, em menos de 100 annos todos os seus habitantes da raça branca. (…) Havendo casamentos de brancos com indígenas, acabará a côr cobre; e se quizerem apressar a extinção das duas raças, estabeleção-se premios aos brancos, que se casarem com pretas, ou indígenas na primeira e segunda geração: advertindo, que se devem riscar os nomes de “mulato, crioulo, cabôco” e “indígena”; estes nomes fazem resentir odios, e ainda tem seus ressaibos de escravidão (…) sejão todos ‘Portuguezes!”.

(Um breve parênteses: não sei se sou apenas eu que consigo ver semelhanças entre o discurso acima, de 1821, com o de “esqueçamos isso de brancos, negros, amarelos etc… somos todos Brasileiros!”, muito comumente encontrados em artigos de Ali Kamel, Demétrio Magnoli e Yvonne Maggie, por exemplo, apoiados pelo requentamento da teoria da mestiçagem, feito por Gilberto Freyre.)

A ideia de que, em 100 anos, os brasileiros seriam todos brancos, foi atualizada em 1911 por João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional. Nessa época o cientificismo já tinha biologizado o conceito de raça, e o racismo brasileiro se dividia entre duas correntes de pensamento. A segregacionista, que dizia que a mestiçagem já nos tinha posto a perder e que nunca seríamos uma nação desenvolvida; e a assimilacionista, que apostava na salvação através do processo de branqueamento, com imigrantes europeus. Apostando sempre no seu povo, essa última tornou-se a posição oficial do governo brasileiro, que tentava vender, no exterior, a ideia de um país com grande futuro à espera dos europeus; ou à espera de europeus, para ser mais exata. Participávamos de feiras e congressos internacionais, disputando imigrantes com Argentina, Chile e Estados Unidos, e o discurso de Lacerda, representante brasileiro no I Congresso Universal de Raças, em Londres, tenta aplacar o medo dos europeus de compartilharem o Brasil com uma raça inferior: “(…) no Brasil já se viram filhos de métis (mestiços) apresentarem, na terceira geração, todos os caracteres físicos da raça branca [...]. Alguns retêm uns poucos traços da sua ascendência negra por influência dos atavismos(…) mas a influência da seleção sexual (…) tende a neutralizar a do atavismo, e remover dos descendentes dos métis todos os traços da raça negra(…) Em virtude desse processo de redução étnica, é lógico esperar que no curso de mais um século os métis tenham desaparecido do Brasil. Isso coincidirá com a extinção paralela da raça negra em nosso meio“.

A elite intelectual brasileira, formada por literatos, políticos, cientistas e empresários, indignada com as declarações do diretor do Museu Nacional, foi debater nos jornais e revistas. Alguns clamavam que 100 anos era um absurdo de tempo, que o apagamento do negro se daria em muito menos. Outros debochavam do otimismo de Lacerda, como o escritor Silvio Romero, que acreditava que o processo, que todos concordavam ser irreversível, levaria, pelo menos, uns seis ou oito séculos. Mas todos concordavam que era apenas uma questão de tempo, desde que o Brasil continuasse a promover a entrada de brancos europeus, a não fazer nada para integrar os negros que já estavam no país ou para baixar a taxa de mortalidade entre eles, e a dificultar a entrada de novos africanos. De fato, o governo brasileiro financiou a vinda de imigrantes europeus, não fez absolutamente nada que ajudasse escravos e libertos e proibiu a entrada de africanos. Um decreto de 28 de junho de 1890 diz que estava proibida a entrada de africanos no Brasil, e é reforçado por outros em 1920 e 1930, quando os banidos não necessariamente precisam ser africanos, mas apenas parecer. Em 1945, um decreto lei não mais proíbe, mas diz que:

Art. 1o – Todo estrangeiro poderá, entrar no Brasil desde que satisfaça as condições estabelecidas por essa lei.

Art. 2o – Atender-se-á, na admissão de imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia, assim como a defesa do trabalhador nacional.


Imigração europeia

Tal decreto, me parece que foi revogado apenas em 1980. Mas as “características mais convenientes” da nossa ascendência europeia ainda são as desejáveis e estimuladas pelo governo, como nos mostra, exatamente 100 anos depois do pronunciamento de João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional, esse comercial da Caixa Econômica Federal (ver comercial do mês de setembro.

O fato mais visível é o branqueamento de Machado de Assis. Sobre esse assunto, que é longo e complexo, sugiro a entrevista com o professor Eduardo de Assis Duarte e, para quem quiser se aprofundar um pouco mais, a leitura de seu livro “Machado de Assis Afrodescendente: escritos de caramujo.” Veríssimo, atendendo ao apelo de Nabuco, nunca incluiu o artigo em seus livros; e para acabar com qualquer dúvida quanto à mulatice, a certidão de óbito de Joaquim Maria Machado de Assis diz que o grande escritor, da “cor branca”, faleceu de “arteriosclerose”. Questionada pelo ato falho, a assessoria de imprensa da Caixa se manifestou, dizendo que “o banco sempre se notabilizou pela sua atuação pautada nos princípios da responsabilidade social e pelo respeito à diversidade. Portanto, a Caixa sempre busca retratar em suas peças publicitárias toda a diversidade racial que caracteriza o nosso país”. Mas há também outro fato interessante no universo europeizado do comercial: no Rio de Janeiro de 1908, circulam apenas brancos. O comercial, assinado por “Caixa – 150 anos” e “Governo Federal – País rico é país sem pobreza”, apaga completamente as presenças negra e mestiça da capital federal do início do século. Tais atitudes colocam o governo como propagador e vítima das políticas oficiais de branqueamento da população e de ensino deficiente, voltado para o descaso com e o esquecimento do passado escravocrata brasileiro. Tivessem os profissionais envolvidos na criação, produção e aprovação de tal comercial estudado um pouco mais a vida dos africanos no Brasil, não teriam cometido erros tão banais. E tão graves, porque em nome de um governo e de uma instituição que diz ter uma história construída por todos os brasileiros, mas que parece, nesse caso, retratar apenas aqueles brasileiros que sempre foram mais brasileiros do que os outros. A nossa desigualdade entre iguais.

Tivessem esses profissionais dado uma olhada nos levantamentos demográficos da época (embora “raça” não tenha entrado nas estatísticas entre 1890 e 1940 – porque “éramos todos brasileiros”…) ou nas crônicas publicadas em jornais e revistas da época, ou o interesse de conhecerem um pouco melhor o assunto em questão, saberiam que a população negra e mestiça do Rio de Janeiro deveria ser, no mínimo, 30 e 40% do total, mas aparentava ser muito mais. A então capital federal, onde já era numerosa a presença de escravos e libertos, recebeu grandes contingentes de negros e mulatos após a assinatura da Lei Áurea, chegados das áreas rurais e de diversas partes do Brasil. Eles eram, então, a maioria a circular pelas ruas, em busca de emprego, que não havia, ou fazendo bicos, tentando se adaptar à nova realidade. Uma “sociedade movediça e dolorosa”, como nos contam as crônicas de João do Rio, entre tantas outras tão fáceis quantos de achar, caso houvesse interesse.

E por falar em “movediça e dolorosa”, é interessante também perceber como o governo retrata os escravos em outro comercial (ver mês de maio) referente à comemoração dos 150 anos da Caixa, o “Libertos”.

O comercial nos faz acreditar que a “poupança dos escravos” havia sido uma iniciativa progressista da Caixa quando, na verdade, foi um retrocesso nas “leis informais” que regulavam as iniciativas de compra de liberdade, e uma forma de o governo brasileiro, já no final da escravidão, lucrar um pouco mais com a exploração do trabalho escravo. Há um estudo interessante sobre essa poupança, “A poupança: alternativas para a compra da alforria no Brasil (2a metade do Século XIX)”, da historiadora e professora Keila Grinberg, que vou tentar resumir aqui, em meio a outras informações. É importante entender o cenário em que a “poupança dos escravos” foi lançada.

Após a Revolução Industrial, a Inglaterra buscava novos mercados consumidores para seus produtos e, vendo a escravidão com um dos grandes entraves, promulgou unilateralmente o Slave Trade Suppression Act de 1845, conhecido no Brasil como Bill Aberdeen. O ato considerava como sendo pirataria o comércio de escravos entre a África e as Américas, e a Inglaterra poderia abordar qualquer navio em atividade suspeita e liberar a carga humana. Muitos desses africanos foram levados para colônias inglesas no Caribe, onde trabalharam sob condições bem parecidas com a escravidão. Vários navios brasileiros foram aprendidos e destruídos, gerando uma série de incidentes diplomáticos que, em conjunção com outros fatores, levaram o Brasil a parar com o tráfico. Na verdade, a pressão era para que o Brasil obedecesse a Lei Feijó, também conhecida como “lei para inglês ver”, promulgada em 7 de novembro de 1831, que dizia:

A Regência, em nome do Imperador o Senhor Dom Pedro Segundo, faz saber a todos os súditos do Império, que a Assembléia Geral decretou, e ela sancionou a Lei seguinte:

Art. 1º. Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres.

Essa lei nunca foi obedecida e precisou ser reforçada com a Lei Eusébio de Queirós, aprovada em 4 de setembro de 1850:

Art. 1: As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela lei de 7 de novembro de 1831, ou havendo-os desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades, ou pelos navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos. Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porém que se encontrarem com os sinais de se empregarem no tráfego de escravos, serão igualmente apreendidas e consideradas em tentativa de importação de escravos.

Inicialmente, a Lei Eusébio de Queirós também teve pouquíssimo efeito, fazendo inclusive com que o tráfico se intensificasse. Como a vida útil de um escravo era curta, e as condições dos cativeiros brasileiros nunca foram ideais para a reprodução, como acontecia, por exemplo nos EUA, os exploradores de trabalho escravo trataram de garantir um bom estoque de peças, começando a pensar, inclusive, que a escravidão, algum dia, poderia ter fim. Quando a Inglaterra intensificou o controle nos mares, começou então o aumento do comércio interno, com as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, ancoradas na lucrativa economia cafeeira, importando peças do norte e nordeste. Possuir escravos que se tornavam cada vez mais caros, então, começou a ser coisa de “gente grande”, com a diminuição da entrada de peças de reposição e a crescente demanda da indústria cafeeira, base da economia brasileira da ápoca. O Brasil passava por grandes transformações, e outras duas leis importantes também foram promulgadas em 1850, a Lei das Terras e a lei do Código Comercial, ambas com profundas ligações com a escravatura.

Começando a se pensar pela primeira vez em um Brasil sem escravos, a Lei das Terras defendia os interesses dos grandes latifundiários, garantindo-lhes o direito de regularizar a posse das terras que ocupavam. As terras não ocupadas passaram a ser do Estado e só poderiam ser adquiridas em leilões, com pagamento à vista, impossibilitando que ex-escravos (e possíveis colonos, porque já se discutia uma política de imigrações), quando libertados, se tornassem proprietários através de ocupações.

O Código Comercial regulamentava a criação de sociedades anônimas e comerciais, uma necessidade por causa das reorientações na economia brasileira. Não tendo mais condições de comprar escravos, a gente “média” e “miúda” começou a ter outras necessidades de crédito e a se interessar por outros bens de consumo, aumentando a importação de bens estrangeiros. Em 1851, por exemplo, surgiu no Rio de Janeiro o Banco do Commercio e da Indústria que, junto com outros bancos, passou a receber depósitos e a emprestar dinheiro. Foi esse banco que, em 1853, depois de uma fusão com o Banco Commercial do Rio de Janeiro, deu origem ao Banco do Brasil. Segundo Keila Grinberg, “(…) Com isso, o crescimento das atividades comerciais no país, devido principalmente à prosperidade dos negócios do café, foi facilitado pelo aumento da emissão de moeda, e pela autorização, por parte do governo imperial, da realização de várias operações comerciais pelos bancos”. Em 1857 já havia vários bancos oferecendo esses serviços, mas a crise no setor cafeeiro e o grande número de instituições privadas, levou o governo a centralizar a atividade bancária, principalmente as de poupança e crédito, através da Lei dos Entraves, de 1860. Foi através dessa lei que o Governo Imperial criou a Caixa Econômica, que entrou em atividade em 1861 como o primeiro banco que receberia “as pequenas economias das classes menos abastadas”, nos moldes de várias instituições privadas de grande sucesso nos EUA e na Europa.

As Caixas prestariam os serviços de depósito em poupança e de empréstimos tendo como garantia a penhora de bens. Com isso, o governo buscava “centralizar no Estado as economias dos poupadores, de pequenos a grandes, de modo que o montante arrecadado pudesse contribuir para o desenvolvimento da infra-estrutura do país, como aconteceu nos Estados Unidos, onde a poupança alavancou o investimento em ferrovias, centros de tratamento de água e esgoto e canais”. A princípio, a arrecadação não foi muito grande, ao contrário da procura por empréstimos, e só melhorou um pouco a partir de 1864, com a quebra de várias instituições concorrentes.

A Lei do Ventre Livre, de 1871, reconheceu, entre outras coisas, o direito do escravo formar pecúlio. Na verdade isso já acontecia havia muito tempo. Escravos se reuniam em associações (Juntas ou Irmandades) auto-regulamentadas e contribuiam para um fundo comum que, entre outras coisas, servia para a compra de cartas de alforrias de seus associados. A novidade da lei é que, diferente do que acontecia antes, se o escravo tivesse dinheiro suficiente a carta de alforria não poderia mais ser negada pelo seu dono. A Caixa Econômica então passou a aceitar depósitos de escravos, mas a caderneta de poupança teria que ser aberta em nome dos seus donos, porque o decreto de fundação, de 1861, dizia:

“Não serão admittidos, como depositantes ou abonadores, os menores, escravos, e mais indivíduos que não tiverem a livre administração de sua posse e bens”

E para que o escravo tivesse certeza disso, de que não era dono daquele dinheiro e daquela “poupança do escravo”, Keila Grinberg nos conta que “todas as cadernetas de escravos eram riscadas onde aparecia a palavra ‘senhor’ antes do espaço destinado à redação do nome do poupador. Para que não restasse dúvidas de que poupar não fazia de nenhum escravo, um senhor.”

Isso significa que a “poupança dos escravos” criada pela Caixa Econômica Federal não é nenhuma novidade entre as modalidades de se juntar dinheiro para a compra da carta de alforria, e ainda é um retrocesso, no sentido de proibir depósitos em nome de escravos. Caixas Econômicas não estatais, surgidas na década de 1830 na Bahia, em Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro, seguindo o modelo das caixas existente em outros países escravistas das Américas, não tinham essa proibição. Então, o que a Caixa Econômica Federal fez, em 1872, ao oficializar a “poupança dos escravos”, foi permitir e reafirmar que o controle do dono sobre o escravo, com a tutela do Estado, fosse exercido inclusive sobre algo que, de comum acordo entre dono e escravo poderia ficar, anteriormente, sob a responsabilidade do escravo. Antes de oficializar essa proibição, inclusive, a própria Caixa “aceitava” depósitos de escravos, como prova a existência da caderneta de poupança de número 12.729: “mesmo à margem da lei, entre 1867 e 1869, a escrava Luiza depositou religiosamente 5 mil réis por mês com o aval de D. Antonia Luiza Simonsen, sua senhora’, escreve Grinberg. A poupança dos escravos de ganho coloca-os novamente sob a tutela de seus senhores.


Escravos de ganho nas ruas do Rio, por Debret

Luiz Carlos Soares nos dá uma ideia da vida de um escravo de ganho no Rio de Janeiro, em sua tese “Urban Slavery in Nineteenth Century Rio de Janeiro”: “Uma parcela considerável desses cativos [que andavam pelas ruas do Rio] era constituída pelos escravos de ganho. Estes desenvolviam as mais diversas modalidades de comércio ambulante, carregando as suas mercadorias em cestos e tabuleiros à cabeça, ou transportavam, sozinhos ou em grupos, os mais variados tipos de cargas, ou ainda ofereciam os seus serviços em quaisquer eventualidades, até mesmo no transporte de pessoas em seus ombros pelas ruas da cidades nos dias chuvosos ou carregando em suas cabeças barris com os dejetos das residências que à noite eram jogados ao mar.” Profissões mais especializadas, como sapateiros, barbeiros, joalheiros, ou até mesmo mendicância e prostituição, estavam entre as atividades exercidas pelos escravos de ganho. São esses os escravos retratados no comercial “Liberdade” da Caixa, todos saudáveis, “higienizados”, sorridentes e bem tratados. A realidade, no entanto, era bem outra. Alguns realmente conseguiam se dar bem, sendo capazes de juntar boa quantidade de dinheiro; mas eram exceções. O que valia a pena, nessa modalidade, era o escravo ter um pouco mais de liberdade em relação aos escravos rurais ou domésticos, sob maior vigilância. Os escravos de ganho eram mandados para a rua por seus senhores, onde deveriam trabalhar para pagar o “jornal”, ou seja, uma quantia diária, semanal ou mensal estipulada pelo dono. Era o excedente desse jornal, se houvesse, que os escravos poderiam poupar para empregar no que bem quisessem, desde o complemento à alimentação deficiente, roupas, aluguel de um cômodo para morar longe do senhor, ou a carta de alforria. E era esse excedente que, em nome do dono, poderia ser depositado na “poupança dos escravos”, na esperança de, um dia, ser suficiente para comprar a liberdade; o que se tornava cada vez mais difícil.

A partir de 1850, com a venda maciça de escravos para as zonas cafeeiras, o número de escravos diminuiu consideravelmente na cidade do Rio de Janeiro. O recenseamento realizado em 1872, ano de lançamento da poupança de escravos, conta que eles eram, ao todo, 37.567, dos quais 5.785 eram criados (escravos de aluguel para serviços domésticos) e jornaleiros (de ganho). Escravos de ganho já não eram bom negócio. Em alguns setores mais lucrativos, como o de transporte, eles estavam perdendo espaço para trabalhadores livres, melhor organizados e de melhor aparência; em sua maioria imigrantes pobres portugueses. Esse é o cenário quando a Caixa Econômica Federal decide aceitar dinheiro de trabalho escravo – desde que em nome do donos, é sempre bom lembrar -. Com a alta sucessiva do preço, e com seus donos usando métodos legais e ilegais para manter os escravos que possuíam, as compras de cartas de alforria se tornaram raríssimas depois da Lei de 1871. “Que não restem dúvidas: a alforria custava caro. Para se ter uma ideia, entre 1860 e 1865 o preço médio pago por um escravo para ficar livre variou entre 1:350.000 réis e 1:400.000 réis, mas chegou a mais de 1:550.000 réis em 1862. Evaristo, depois de três anos de poupança acumulou irrisórios 8.100 réis. Luiza, aquela que depositava com consentimento da sua senhora Antonia Luiza Simonsen, chegou a pouco mais de 200.000 réis”, lembra Grinberg.

Provavelmente, foram raríssimos os que conseguiram comprar suas cartas de alforria através das cadernetas dos escravos, como a escrava Joana do comercial. Aplicados no banco, os recursos destinados à compra de sonho serviam para aumentar os lucros da Caixa que, segundo o estatuto de criação, podia utilizar o dinheiro das poupanças para fazer empréstimos, a juros, através do Monte de Socorro, com as penhoras. Talvez isso também pudesse ser chamado de exploração de mão de obra escrava. Da qual, hoje, a Caixa de orgulha, a ponto de apresentar como um dos grandes feitos a ser comemorado em seus 150 anos de existência. Ironicamente, ou não – pois realmente quero acreditar que é fruto da profunda ignorância histórica e da falta de sensibilidade -, o confessional foi exibido no mês de maio, para ser potencializado e remetido à Lei Áurea. Coisas da propaganda, que talvez pudesse ser usada para nos responder duas perguntas:

- O que foi feito do dinheiro dessas cadernetas de poupança quando aconteceu a abolição? O dinheiro era dos escravos, o excedente do que tinham que pagar ao dono, mas não estava no nome deles. Eles conseguiram recuperar essas economias?

- Em 1872, quando foi criada a “caderneta dos escravos”, dirigida aos escravos de ganho, já fazia 41 anos que o tráfico atlântico de escravos estava proibido. Visto que a maioria dos escravos de ganho era composta por africanos (Luiz Carlos Soares nos informa que, na segunda metade do XIX, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, dos 2.869 pedidos de concessão de licença para trabalhar ao ganho, 2.195 eram para africanos), a Caixa, antes de aceitar a abertura das cadernetas, checava se tinham entrado legalmente no Brasil (é bom lembrar que, em 1900, a expectativa de vida do brasileiro era de 33,4 anos, sendo a dos escravos bem menor que a dos não-escravos), ou era cúmplice dos que tinham sequestrado, capturado e mantido ilegalmente africanos em cárcere privado e trabalhos forçados, conforme as leis de 1831 e 1850?

Seria bom que a Caixa Econômica Federal investigasse a possibilidade de ter cometido erros e, se for o caso, se retratasse. Pelo branqueamento de Machado e por ter lucrado, talvez ilegalmente, com o dinheiro dos escravos, e fazer disso motivo de orgulho. Se não por toda a população afrodescendente brasileira, pelos seus mais de 14.000 funcionários homenageados em um belíssimo comercial comemorando o Dia da Consciência Negra.

Para que eles não se sintam usados. Para que nós não nos sintamos enganados por meras e belas campanhas de marketing. Para que este país comece a conhecer e respeitar sua História. Para que as palavras de sua assessoria não sejam propaganda enganosa: “O banco sempre se notabilizou pela sua atuação pautada nos princípios da responsabilidade social e pelo respeito à diversidade.” Que assim seja!

Postado em Sem categoria | Tags: branqueamento, Caixa, Freyre, Machado, racismo
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5 Responses para “A Caixa Econômica Federal, a política do branqueamento e a poupança dos escravos, por Ana Maria Gonçalves”
A Caixa, Machado de Assis e o branqueamento do Brasil | Viomundo - O que você não vê na mídia disse:
18 de setembro de 2011 às 17:39

[...] por Ana Maria Gonçalves, no blog do Idelber Avelar, na revista Fórum, indicado pela Conceição Ol… [...]
Responder
Luiz disse:
18 de setembro de 2011 às 19:09

Eu fico besta como a gente não tem acesso à nossa própria história nas escolas. Não se pode nem dizer que “nunca é tarde”, pois nesse caso é tarde sim, muito tarde para se ter um outro sentido de Brasil. Obrigado pelo artigo.
Responder
Cleiton disse:
18 de setembro de 2011 às 19:15

Interessantíssimo! Parabéns pelo texto.
Responder
aiaiai disse:
19 de setembro de 2011 às 4:29

Ana,

que lindo texto. Venho comentar apenas para indicar aos outros leitores que gostaram deste post que leiam – URGENTE – o seu livro “Um defeito de cor”. Nele, além do encantamento da história de uma escrava heroína, há a descrição brilhante e sensível de como era a vida no Brasil da escravatura. Estou lendo as páginas finais, avançando com lentidão, já antecipando a saudade que terei quando chegar à última linha.

http://compare.buscape.com.br/um-defeito-de-cor-ana-maria-goncalves-8501071757.html

muito obrigada!
Responder
marcos nunes disse:
19 de setembro de 2011 às 7:09

Quer dizer que depois de morto tentaram transformar Machado de Assis em Michael Jackson? O mundo gira, a Lusitana roda e a farsa deixa de ser cômica para ser trágica.http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/09/18/a-caixa-economica-federal-a-politica-do-branqueamento-e-a-poupanca-dos-escravos-por-ana-maria-goncalves/

06 agosto, 2011

Racismo teórico do control v


Terrorista critica mistura de raças do Brasil
500 páginas, atirador norueguês diz que miscigenação é responsável pela ”falta de coesão” do País, uma nação ”de segunda classe”
26 de julho de 2011 | 0h 00
José Roberto de Toledo – O Estado de S.Paulo
O Brasil recebe 12 menções no manifesto de exatas 1.516 páginas deixado na internet pelo extremista norueguês Anders Behring Breivik, que matou 76 pessoas na sexta-feira.
Primeiro, o País aparece como exemplo negativo de “mistura de raças”, responsável pela suposta falta de coesão interna, que transformaria o Brasil em um país de segunda classe. Para o terrorista, a variedade de “subtribos” sabota qualquer esperança de se atingir no Brasil “o mesmo grau de produtividade e harmonia” de Escandinávia, Alemanha, Coreia do Sul e Japão.
Em seguida, Breivik diz que o “modelo brasileiro” foi estabelecido após a “Revolução Marxista Brasileira”, responsável pela “mistura de europeus, asiáticos e africanos”. A nuvem de 778 mil palavras do texto (veja ao lado) mostra como o ele é repetitivo. Os termos mais citados (em inglês) são “europeu”, “Europa”, “muçulmano(s)”, “Islã/islâmicos”, “cristão(s)” e “ocidental”.
O manifesto impressiona pelo tamanho, mas não pelo conteúdo. Grande parte foi produzida seguindo os preceitos da escola tecno-filosófica do CTRL+C e CTRL+V. Plágio puro e simples. Do manifesto do Unabomber a blogs de extrema direita, de páginas de malucos em geral à Wikipédia, trechos inteiros foram copiados e colados.
Quanto ao conteúdo, trata-se de um caso radical do que o crítico Roberto Schwarz certa vez chamou de “ideias fora do lugar”. Citações desconexas de autores marxistas misturadas com trechos da revista Economist, estatísticas inventadas e passagens do Alcorão. Tudo para “provar” que a Europa está sob ataque do Islã (uma nova onda de ataque, na sua versão) e precisa se defender militarmente – usando todas as armas que tiver à mão, incluindo o terrorismo.
Antes de atacar os muçulmanos, o terrorista defende ser preciso combater adversários internos que facilitam a penetração do “inimigo” no território europeu. A saber: políticos liberais, marxistas, feministas, defensores do politicamente correto, a academia e todo mundo que discordar de suas convicções racistas. Daí os alvos de Breivik terem sido o governo liberal norueguês e os filhos de seus líderes.
Breivik, que assina Andrew Berwick, tenta valorizar seu esforço intelectual escrevendo logo no começo que a elaboração do documento lhe tomou nove anos e 317 mil. Difícil imaginar como um trabalho de copiar e colar pode ter demorado e custado tanto. Parece ser mais um autoelogio para alcançar reconhecimento entre seus colegas racistas internet afora.
Artigo:
http://www.viomundo.com.br/politica/as-criticas-do-terrorista-noruegues-ao-brasil.html
Reacionarios e o politicamente correto

...mirar no politicamente correto, acertar na dignidade humana....
Ficou moderno combater o ‘politicamente correto’; mas na toada, vão debulhar a dignidade humana






A entrevista que segue foi concedida ao Portal Sul 21, após a publicação do artigo "Moderno reacionário é porta de entrada para o velho fascismo", aceitando a sugestão da Vivian Virissimo, para explicitar certos pontos:





Vivian Virissimo

Juiz de Direito em São Paulo e ex-presidente da Associação de Juízes para a Democracia (AJD), Marcelo Semer vem alertando que a incorporação de direitos civis no Brasil, como a recente aprovação da união civil entre pessoas do mesmo sexo, vem sendo acompanhada pelo aumento do preconceito. Ele alerta para uma aparente tendência, entre colunistas de jornal, humoristas e políticos, de combater o chamado “politicamente correto”.

“Ficou moderninho combater o ‘politicamente correto’; mas na toada, vão debulhar a dignidade humana”, afirma.

Semer concedeu uma entrevista por e-mail ao Sul21, na qual amplia a discussão trazida em seu artigo publicado nesta semana pelo Terra Magazine, com o título “O moderno reacionário é a porta de entrada do velho fascismo”. “A ideia de que sou livre em pensamento, quando não devo tributo a nada, é perigosa. Em alguns casos, por imprudência, fazem a defesa do racismo; em outros por má-fé assentam o caminho para o autoritarismo”, diz o juiz.

Semer também é escritor e blogueiro. Além da coluna no Terra Magazine, ele atualiza o blog Sem Juízo.

Sul21 – Em artigo de sua autoria, o senhor aborda a tendência crescente de reacionarismo e fascismo na sociedade brasileira. Poderia exemplificar e comentar fatos que se tornaram públicos recentemente e que atestam sua tese?

Marcelo Semer – O que se tem percebido é o aumento do preconceito, em resposta à incorporação de direitos civis (exemplo típico da homofobia), como uma forma de reação. O mesmo ocorre com a ascensão social: a reação de quem quer ser o porta-voz da classe média. Então vem essa conversa de que aeroportos são como rodoviárias, o trânsito aumentou porque pobres compram carro fácil e etc. No limite, é o mesmo reclamo da xenofobia europeia: os imigrantes querem tomar nossos empregos. Em São Paulo, um movimento chamado “São Paulo para os Paulistas” lançou documento que poderia, em quase tudo, ser atribuído à pregação hitlerista. Nas depressões aumenta o preconceito, na ascensão social idem. A reação do sul-sudeste aos resultados da eleição, como se nordestinos fossem “culpados”, é um exemplo claro.

Sul21 – Esses traços estão sendo apropriados por alguns políticos que parecem ter encontrado um “nicho” de eleitores conservadores e têm propagado preconceitos que desrespeitam preceitos constitucionais. Como o senhor avalia esta questão?

Marcelo Semer – A intromissão da questão religiosa no debate eleitoral foi uma senha. Como nos Estados Unidos, setores ultraconservadores abrem mão de discutir política para discutir moral, com o que é mais fácil disseminar o medo. A porta foi aberta e dentro dela navegam os extremistas, que flutuam melhor no arcaico debate moral. Abrir espaço para o extremista, como se ele fosse um folclórico (desejo de audiência) ou garantir a todos o direito ao racismo é um equívoco brutal. A Constituição não é feita de um único artigo e não se restringe à liberdade de expressão. O ministro Celso de Mello explicou muito bem isso no voto do julgamento da Marcha da Maconha: estimular o ódio e o racismo não está garantido pela Constituição.

Sul21 - Na sua avaliação, quais seriam as conseqüências para o Estado laico quando ocorre a instrumentalização do discurso religioso por políticos?

Marcelo Semer – A instrumentalização do debate religioso na política é um duro golpe ao Estado laico. É dizer que as pessoas devem fazer suas escolhas políticas baseadas nas crenças (sobre as ações de governo); no limite, tende ao preconceito (não aceito quem não tem a mesma crença) e depois a perseguição. É algo que certamente não precisamos em um país com histórico de tolerância religiosa. Digo mais: é um caminho sem volta.

Sul21 – Qual sua opinião a respeito dessa tendência de que a liberdade de expressão fique acima do respeito ao outro, autorizando qualquer tipo de desrespeito aos direitos humanos? Quais seriam as conseqüências desta postura para a banalização da violência?

Marcelo Semer – Um erro sem precedentes. Liberdade de expressão não é ilimitada. O respeito à dignidade humana e o princípio da igualdade não podem ser fulminados. Democracia não é só governo da maioria; é também respeito irrestrito às minorias, ao ser humano, enfim.

Sul21 - No artigo o senhor comenta rapidamente sobre os “neo-machistas intelectuais”, que traços são reconhecidos nestes tipos?

Marcelo Semer – O combate à ideia da igualdade que duramente vem sendo conquistada. Ficou moderninho combater o ‘politicamente correto’; mas na toada, vão debulhar a dignidade humana. Dizer que amamentar em público é como defecar; ou que a mulher precisa ser tratada como objeto, dito por intelectuais representa o quê?

Sul21 - Gostaria também que o senhor falasse mais sobre o “intelectual sem amarras”. Que tipo de comportamento teria esse intelectual?

Marcelo Semer – Tipo que está virando tendência: fulmina o que afirma ser o senso comum, como pretexto de liberdade e serve à destruição dos patamares mínimos de convivência e dignidade. Se tudo é permitido, nada deve ser preservado, tampouco a democracia vai se mostrar imprescindível. A ideia de que sou livre em pensamento, quando não devo tributo a nada, é perigosa. Em alguns casos, por imprudência, fazem a defesa do racismo; em outros por má-fé assentam o caminho para o autoritarismo.
Fonte: http://blog-sem-juizo.blogspot.com/2011/07/mirar-no-politicamente-correto-acertar.html
Igualdade entre desiguais e farsa

Publicado em 05/08/2011

Jean Wyllys e Kassab: tratar os diferentes de forma igual



O Conversa Afiada recebeu a seguinte carta aberta do deputado Jean Wyllys:

Exmo. Sr. Prefeito Gilberto Kassab


Eu, Jean Wyllys, como cidadão brasileiro homossexual e deputado federal que defende a causa de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros (LGBT), entre outras venho por meio desta dizer que me sinto afrontado com o projeto de lei 294/2005, do vereador Carlos Apolinário (DEM), que institui o Dia do Orgulho e, nessa condição de parlamentar que tem como função representar os interesses da comunidade LGBT argumentar em favor do veto dessa Lei, que deturpa, e, por que não, viola o princípio constitucional da igualdade.


O senhor sabe, prefeito, que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil reduzir as desigualdades sociais, conforme está expresso no inciso III do artigo 3º da Constituição Federal. Sabe também que, entre os brasileiros, é garantida a plena igualdade (artigo 5º, caput, da mesma Constituição).


Ocorre que a igualdade não é concebida apenas do ponto de vista formal, senão também do ponto de vista material. Já vem de Aristóteles a idéia de igualdade associada à de justiça. Por isso, ensina o constitucionalista José Afonso da Silva, a equidade só é concebida junto com a outra desigualdade que lhe é e que deve lhe ser complementar: aquela que só será “satisfeita se o legislador tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais”. Por isso se diferencia a igualdade formal, segundo a qual os seres da mesma categoria devem ser tratados da mesma forma, da igualdade material, que significa que cada um deve ser tratado de acordo com suas necessidades, méritos e peculiaridades. Nesse sentido, estimado Kassab, o Supremo Tribunal Federal veda a discriminação baseada em critérios arbitrários, mas considera legítimo e necessário o tratamento desigual dos desiguais.


Ou seja, com a igualdade material se busca equalizar condições desiguais. Para tanto, além de superar as injustiças socioeconômicas entre as diferentes classes sociais, é necessário romper com estigmas que pesam contra determinados grupos culturais e de identidade que compõem a sociedade brasileira, que por vezes padecem de exclusão simbólica. Como tal desiderato demanda políticas públicas para sua efetivação, a proposição em comento não pode ser aceita.


O sistema global de proteção dos direitos humanos corrobora a necessidade de proteção específica a grupos peculiares.


A primeira fase do desenvolvimento desse sistema foi a da afirmação da igualdade entre todos os indivíduos. Foi marcada pela promulgação do que se chama de Carta Internacional de Direitos Humanos, composta pela Declaração Universal de 1948, pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966. Pesava aqui o trauma da experiência de diferenciação do nazismo.


A segunda fase foi aquela da “multiplicação dos direitos”, na expressão do filósofo do Direito Norberto Bobbio.Trata-se de um processo em que a noção abstrata de indivíduo dá lugar aos indivíduos concretos, de carne e osso, com posições sociais, identidades e necessidades específicas. Por isso se construiu o sistema especial de proteção dos direitos humanos, que dá tutelas especiais aos diferentes grupos econômicos, sociais e identitários, que culminou nas convenções dos direitos das mulheres, das crianças, contra a discriminação racial, etc.


Assim, na expressão da jurista Flávia Piovesan, o reconhecimento e proteção do indivíduo social e historicamente situado faz com que, ao lado do direito à igualdade, nasça o direito à diferença: importa “assegurar igualdade com respeito à diversidade”. A igualdade material, assim, passa pela busca de justiça social e distributiva, orientada por critérios socioeconômicos, e também pelo reconhecimento de identidades, tratando-se, nesse último caso, de igualdade orientada pelos critérios de gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia, etc.


Não é por outro motivo que o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou, em 15 de junho deste ano, Resolução sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero. O Conselho, na Resolução, recorda que a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos, sem distinção de qualquer natureza, como raça, cor, sexo, língua, religião, política, nascimento ou outro status. A Resolução expressou, ainda, grave preocupação com atos de violência e discriminação contra indivíduos devido à sua orientação sexual e identidade de gênero.


Diante de tal conjuntura internacional, caro prefeito Gilberto Kassab, qual não seria o retrocesso brasileiro caso vossa excelência sancione a lei aprovada pela Câmara de São Paulo. O Dia do Orgulho LGBT (assim como o Dia da Consciência Negra ou o Dia da Mulher) correspondem a políticas públicas que visam construir a equidade por meio de um tratamento desigual para os desiguais e, ao mesmo tempo, contrapor os discursos que historicamente posicionam os homossexuais (assim como os negros ou as mulheres) como subalternos e descartáveis, destruindo sua autoestima. Sem mais, agradeço sua gentileza em receber esta minha carta já que uma conversa entre nós não foi possível por motivos de agenda.


Jean Wyllys
Deputado Federal PSOL-RJ
Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2011/08/05/jean-wyllys-enfrenta-kassab-sobre-orgulho-hetero/

29 julho, 2011

A Extrema Direita Domina

Por Walter Hupsel . 26.07.11 - 16h48
Eles venceram

Há algum tempo muitos analistas vêm falando do crescimento da extrema-direita na Europa e no mundo. Eu mesmo já escrevi aqui neste espaço algumas vezes sobre o tema.

Como em todo discurso de ódio, que a caracteriza, a nova extrema-direita precisa encontrar seu inimigo. Se antes este era encarnado nos judeus apátridas, que “vagavam” pela Europa prontos a “pilhar” os recursos dos cristãos, hoje o inimigo atende pelo nome de muçulmano. São seres esquisitos, que às vezes usam uma espécie de turbante, que não acreditam no verdadeiro filho de deus, e que, algumas vezes, interpretam literalmente o que seu deus teria dito através do profeta Maomé.

Este crescimento não é nem tão novidade assim, e tem sua origem no fim do Bloco Soviético. Por um lado, os europeus “ocidentais” se viram ameaçados com aquela massa de pessoas procurando empregos, ansiosos em entrar no modo de vida capitalista. Isso levou a uma depreciação do valor do trabalho. Os novos bárbaros vinham do leste para destruir o sonho da Europa Cristã capitalista.

Por outro lado, os que viviam dentro da cortina de ferro se viram órfãos, jogados num mundo que desconheciam, e por isso temiam. Muito do movimento de completar o círculo e se voltar à extrema-direita foi feita por estes europeus do leste, numa curiosa contradição. Os ocidentais se sentiam invadidos e queriam proteção contra os invasores. Os orientais, novatos no mundo da competição, queriam o mesmo.

Em comum apenas o ódio contra aquele passageiro que chega no ônibus já cheio, cuja presença vai encher ainda mais o veículo, e que, por isso, é  visto com desconfiança pelos “nativos”. Estes, os mais recentes, são aqueles que não conseguem ser abarcados pela definição de Europa, os muçulmanos. Os ódios se juntam contra o terceiro.

Mas isso não interessa tanto. Interessa como a mídia repercutiu os atentados na Noruega na semana passada. Todos os veículos “ocidentais”, sem nenhuma exceção, correram para dizer que seriam obras de…. muçulmanos. As razões beiravam a esquizofrenia coletiva: desde a Líbia (com Kadafi relembrando os tempos da PanAm), até mesmo o Acordo de Paz de Oslo, que deveria por fim ao conflito Israel-Palestina, assinado por Yitzhak Rabin (Israel) e Yasser Arafat (OLP), mediado pelo então presidente dos EUA, Bill Clinton.

Os “especialistas”, atônitos com o ocorrido, tentaram, de toda e qualquer maneira, encaixar uma explicação qualquer que remetesse aos muçulmanos. Qualquer coisa, naquele momento, servia a eles, nos seus delírios, nas suas elucubrações. Diria eu que estavam estado de êxtase hipnótico, apontando o dedo rua afora e vendo fantasmas em todos os lugares.

Desde os primeiros momentos já estava claro, pra qualquer pessoa que tentasse entender o que se passava, que o alvo dos atentados não era a Noruega, ou mesmo o governo, mas sim um partido, uma posição política. Era claro, logo, que o atentado fora levado a cabo por razões internas.

O alvo, o modus operandi, tudo indicava solidamente pra nacionalistas noruegueses, para extrema-direita. Mas a mídia olhou, e não viu. Não quis ver.

Quando finalmente enxergou, as características “religiosas” do assassino, do terrorista norueguês, foram esquecidas. Ele tornou-se uma radical louco, um homem perturbado aos olhos dos jornais. Afinal era um de nós.

A mídia, seus intérpretes, seus analistas com doutorado em grandes universidades, especialistas em Relações Internacionais, em terrorismo, compraram acriticamente o discursos da extrema-direita do inimigo da Europa.

Neste quesito, tristemente posso falar: ela venceu. Pautou a mídia, espalhou o medo do outro e, como demonstrou, conquistou mentes.http://colunistas.yahoo.net/posts/12608.html
publicada sexta-feira, 29/07/2011 às 10:44 e atualizada sexta-feira, 29/07/2011 às 11:24



A era do preconceito
Por Celso Amorim, da CartaCapital

Nesta era da internet a informação é instantânea. A desinformação também. A notícia sobre os trágicos atentados de Oslo chegou-me enquanto eu navegava pelos sites que costumo frequentar para me atualizar sobre o que ocorre no mundo. Pus-me imediatamente em busca dos detalhes. Abri a página de uma respeitada revista internacional. Além de alguns pormenores, obtive também a primeira explicação, que veria em seguida nas versões eletrônicas dos jornais brasileiros, segundo a qual o perpetrador dos atos terríveis era alguém a serviço de um movimento fundamentalista islâmico. Dois dias depois do acontecido, quando ficou claro que, na verdade, se tratava de um extremista de direita que pertenceu a movimentos neonazistas, ainda é possível encontrar, mesmo com ressalvas (porque a internet comete essas “traições”), a mesma interpretação apressada, baseada no preconceito contra muçulmanos.

No caso da revista internacional, a interpretação não se limitou a essa caracterização genérica. Deu “nome e endereço” do facínora, que seria um iraquiano curdo ligado a sunitas fanáticos, vivendo no exílio desde 1991. O articulista foi mais longe. Apontou as possíveis motivações do crime hediondo, que estariam relacionadas com a presença de tropas norueguesas no Afeganistão e com a percepção, por parte dos tais fundamentalistas, da cumplicidade da imprensa norueguesa com caricaturas ofensivas ao Profeta.

Evidentemente, tudo isso era muito plausível, à luz do ocorrido no 11 de Setembro, descartando-se as hipóteses conspiratórias sobre aquele trágico episódio. Mas era igualmente plausível a hipótese, que acabou confirmada, de que se tratasse de outro tipo de fundamentalista, do gênero “supremacista branco”. O alvo do ataque era um governo da esquerda moderada, visto como tolerante em relação a imigrantes e aberto ao diálogo com as mais diversas facções em situações conflituosas, inclusive no Oriente Médio. Para sublinhar a natureza ideológico-religiosa do ato de violência, o terrorista visou também a juventude do partido, pacificamente acampada em uma ilha.

Algo semelhante havia ocorrido seis anos antes do atentado contra as Torres Gêmeas, quando outro fanático havia feito explodir um prédio público na cidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. Daquela feita, o Estado – e tudo o que ele simboliza como limitação ao indivíduo, percebido como independente e antagônico em relação à sociedade – foi o objeto da ira destruidora. Também naquela época, quando a Al-Qaeda ainda não havia ganhado notoriedade, as primeiras análises apontaram para os movimentos islâmicos.

Não ponhamos, porém, a culpa na internet. Ela apenas faz com que visões baseadas em preconceitos, que não deixam de refletir certo tipo de fundamentalismo, se espalhem mais rapidamente, com o risco de gerarem “represálias” contra o suposto inimigo. Felizmente, neste caso, a eficiente ação da polícia norueguesa impediu que isso ocorresse. Mas o risco existe de que, em outras situações, as tragédias se multipliquem, por vezes com o apoio de movimentos marginais inconsequentes, que buscam tirar partido dos eventos, assumindo responsabilidade por algo que não fizeram.

Não é possível ignorar que, no caso da invasão do Iraque, o preconceito, e não apenas a manipulação deliberada (que também existiu), estava por trás de vinculações absurdas, usadas para justificar decisões que causaram centenas de milhares de vítimas (há quem fale em 1 milhão). O suposto elo entre Saddam Hussein e o terrorismo nunca se comprovou, da mesma forma que eram falsas as alegações quanto à posse por Bagdá de armas de destruição em massa. Num primeiro momento, contudo, essas justificativas foram aceitas pela maioria da população norte-americana.

Não sejamos inocentes. Interesses econômicos e políticos, e não apenas preconceitos, motivaram a decisão de atacar o Iraque. Mas o pano de fundo de uma visão particularista do mundo, em que “diferente” se torna sinônimo de “inimigo”, ajuda a criar o caldo de cultura de que se valem os líderes para obter, das populações que governam, o indispensável apoio às suas custosas aventuras bélicas.


A Noruega não corre esse risco. Como disse o primeiro-ministro Stoltenberg, o terrorismo insano não destruirá a democracia do país nórdico, que, ademais, se tem notabilizado por importantes iniciativas em favor da paz. Aliás, é o ódio às pessoas que promovem a paz e o entendimento, além da intolerância e do fanatismo, que está na raiz desse bárbaro atentado. Infelizmente, não só o orgulho, como queria a romancista inglesa, mas também o ódio costuma ser um companheiro inseparável do preconceito.


Leia outros textos de Outras Palavrashttp://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/a-era-do-preconceito.html

27 julho, 2011

O Terror da Extrema-Direita

Tragédia da Noruega deve levar Europa a agir contra extremismo
2011-07-27 09:27


Quando o mundo acreditava que isto era obra do terrorismo islâmico internacional, todos os homens de Estado, de Obama a Cameron, disseram que estavam ao lado da Noruega na nossa luta contra o terrorismo. E agora, em que consiste a luta? Todos os dirigentes ocidentais têm o mesmo problema dentro das suas fronteiras. Travarão uma guerra contra o crescente extremismo de direita, contra a islamofobia e o racismo? O artigo é de Aslak Sira Myhre, escritor norueguês.

Aslak Sira Myhre (*)

Como qualquer outro cidadão de Oslo, vagueei pelas ruas e os edifícios atacados. Visitei até a ilha em que foram massacrados os jovens ativistas políticos. Partilho do medo e da dor do meu país. Mas a questão continua a ser, por quê, e esta violência não foi cega.

O terror na Noruega não veio de extremistas islâmicos. Nem tão pouco da extrema esquerda, ainda que ambos tenham sido acusados muitas vezes de constituírem uma ameaça interna ao “nosso modo de vida”. Até agora, incluindo aquelas horas terríveis da tarde de 22 de julho, o pouco terrorismo que conheci no meu país veio sempre da extrema direita.

Durante décadas, a violência política neste país foi praticamente um exclusivo dos neo-nazis e de outros grupos racistas. Nos anos 70, atentaram com explosivos contra livrarias de esquerda e contra uma manifestação do Primeiro de Maio. Nos anos 80, dois neo-nazis foram executados sob a suspeita de terem traído o seu grupo. Nas últimas duas décadas, dois jovens noruegueses não-brancos morreram por causa de ataques racistas. Nenhum grupo estrangeiro matou ou feriu pessoas em território norueguês, à excepção dos serviços secretos de Israel, a Mossad, que assassinou por engano um inocente em Lillehammer em 1973.

No entanto, e apesar destes eloquentes antecedentes, quando este devastador terrorismo agora nos golpeou, as suspeitas recaíram imediatamente sobre o mundo islâmico. Eram os fundamentalistas islâmicos. Tinham que ser eles.

Prontamente se denunciou um ataque à Noruega, ao nosso modo de vida. Logo que a notícia foi divulgas, algumas raparigas vestidas com hijabs e de aparência árabe foram perseguidas pelas ruas de Oslo.

Natural. Durante pelo menos 10 anos disseram-nos que o terror vinha do leste. Que um árabe é, por natureza um suspeito; que todos os muçulmanos estão contaminados. Regularmente, vemos como a segurança aero-portuária examina pessoas de cor em salas separadas; há infinitos debates sobre os limites da “nossa” tolerância. Na medida em que o mundo islâmico se converteu no “Outro”, começamos a pensar que o que nos distingue a “nós” de “eles” é a capacidade de matar civis a sangue frio.

Há, é claro, outra razão para que todos estejamos atentos à al-Qaeda. A Noruega participa na Guerra do Afeganistão há 10 anos, durante algum tempo interviemos também na Guerra do Iraque e agora atiramos bombas sobre Tripoli. Há um limite de tempo para participar na guerra antes da guerra nos atingir.

Mas, apesar de todos sabermos disto, apenas se mencionou a guerra quando sofremos o ataque terrorista. A nossa primeira resposta assentava na irracionalidade: tinham que ser “eles”. Eu temia que a guerra que travávamos no estrangeiro pudesse chegar à Noruega. E depois? Que aconteceria à nossa sociedade? À nossa tolerância, ao nosso debate político e, sobretudo, aos nossos imigrantes e aos seus filhos nascidos na Noruega?

Mas não foi assim. Uma vez mais, o coração das trevas profundamente dentro de nós próprios. O terrorista era um homem branco e nórdico. Não um muçulmano, mas sim um muçulmanófobo.

Logo que isso ficou claro, a carnificina começou a ser discutida como obra de um louco; deixou de ser vista como um ataque à nossa sociedade. Mudou a retórica; as manchetes dos jornais mudaram o foco. Ninguém fala já de guerra. Fala-se de um “terrorista”, no singular, não no plural: um indivíduo particular, não um grupo indefinido facilmente generalizável para incluir simpatizantes ou qualquer outra pessoa. O ato terrível é agora oficialmente uma tragédia nacional. A questão é: teria acontecido da mesma forma se o autor fosse um louco, mas de origem islâmica?

Eu também estou convencido que o assassino está louco. Para caçar e executar adolescentes numa ilha durante uma hora, teve que perder o juízo. Mas, tal como no caso do 11 de setembro de 2001 ou no caso das bombas no metro de Londres, trata-se de uma loucura com causa, uma causa que é tanto clínica como política.

Qualquer pessoa que tenha dado uma olhadela às páginas web dos grupos racistas, ou seguido os debates online dos jornais noruegueses, terá notado a fúria com que se difunde a islamofobia; o ódio venenoso que escritores anônimos vomitam contra as ideias anti-racistas e contra a esquerda política. O terrorista de 22 de julho participava nesses debates. Foi um membro ativo de um dos grandes partidos políticos noruegueses, o partido populista de direita (Partido do Progresso da Noruega). Abandonou-o em 2006 e procurou a sua ideologia na comunidade de grupos anti-islamistas da Internet.

Quando o mundo acreditava que isto era obra do terrorismo islâmico internacional, todos os homens de Estado, de Obama a Cameron, disseram que estavam ao lado da Noruega na nossa luta contra o terrorismo. E agora, em que consiste a luta? Todos os dirigentes ocidentais têm o mesmo problema dentro das suas fronteiras. Travarão uma guerra contra o crescente extremismo de direita, contra a islamofobia e o racismo?

Umas horas depois da explosão, o primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, disse que a nossa resposta ao ataque deveria ser mais democracia e mais abertura. Se se comparar com a resposta de Bush aos ataques do 11 de Setembro, há razões para nos sentirmos orgulhosos. Mas no rescaldo da mais terrível experiência que a Noruega conheceu desde o final da II Guerra Mundial, eu gostaria que se fosse mais longe. É necessário ter em conta este trágico incidente para lançar uma ofensiva contra a intolerância, o racismo e o ódio crescentes, não só na Noruega, não só na Escandinávia, mas em toda a Europa.

(*) Escritor norueguês, director da Casa da Literatura em Oslo e ex-dirigente da Aliança Eleitoral Vermelha da Noruega



(**) Artigo publicado no jornal britânico "Guardian", traduzido para espanhol por Mínima Estrella para Sin Permiso e para português por Carlos Santos para esquerda.net

Fonte: Carta Maiorhttp://ativistape.webnode.com.br/news/tragedia-da-noruega-deve-levar-europa-a-agir-contra-extremismo/#.TjAEWprenww.tweet

Tragédia da Noruega deve levar Europa a agir contra extremismo
2011-07-27 09:27


Quando o mundo acreditava que isto era obra do terrorismo islâmico internacional, todos os

homens de Estado, de Obama a Cameron, disseram que estavam ao lado da Noruega na nossa

luta contra o terrorismo. E agora, em que consiste a luta? Todos os dirigentes ocidentais têm o

mesmo problema dentro das suas fronteiras. Travarão uma guerra contra o crescente

extremismo de direita, contra a islamofobia e o racismo? O artigo é de Aslak Sira Myhre,

escritor norueguês.

Aslak Sira Myhre (*)

Como qualquer outro cidadão de Oslo, vagueei pelas ruas e os edifícios atacados. Visitei até a

ilha em que foram massacrados os jovens ativistas políticos. Partilho do medo e da dor do

meu país. Mas a questão continua a ser, por quê, e esta violência não foi cega.

O terror na Noruega não veio de extremistas islâmicos. Nem tão pouco da extrema esquerda,

ainda que ambos tenham sido acusados muitas vezes de constituírem uma ameaça interna ao

“nosso modo de vida”. Até agora, incluindo aquelas horas terríveis da tarde de 22 de julho, o

pouco terrorismo que conheci no meu país veio sempre da extrema direita.

Durante décadas, a violência política neste país foi praticamente um exclusivo dos neo-nazis e

de outros grupos racistas. Nos anos 70, atentaram com explosivos contra livrarias de esquerda

e contra uma manifestação do Primeiro de Maio. Nos anos 80, dois neo-nazis foram

executados sob a suspeita de terem traído o seu grupo. Nas últimas duas décadas, dois jovens

noruegueses não-brancos morreram por causa de ataques racistas. Nenhum grupo estrangeiro

matou ou feriu pessoas em território norueguês, à excepção dos serviços secretos de Israel, a

Mossad, que assassinou por engano um inocente em Lillehammer em 1973.

No entanto, e apesar destes eloquentes antecedentes, quando este devastador terrorismo

agora nos golpeou, as suspeitas recaíram imediatamente sobre o mundo islâmico. Eram os

fundamentalistas islâmicos. Tinham que ser eles.

Prontamente se denunciou um ataque à Noruega, ao nosso modo de vida. Logo que a notícia

foi divulgas, algumas raparigas vestidas com hijabs e de aparência árabe foram perseguidas

pelas ruas de Oslo.

Natural. Durante pelo menos 10 anos disseram-nos que o terror vinha do leste. Que um árabe

é, por natureza um suspeito; que todos os muçulmanos estão contaminados. Regularmente,

vemos como a segurança aero-portuária examina pessoas de cor em salas separadas; há

infinitos debates sobre os limites da “nossa” tolerância. Na medida em que o mundo islâmico

se converteu no “Outro”, começamos a pensar que o que nos distingue a “nós” de “eles” é a

capacidade de matar civis a sangue frio.

Há, é claro, outra razão para que todos estejamos atentos à al-Qaeda. A Noruega participa na

Guerra do Afeganistão há 10 anos, durante algum tempo interviemos também na Guerra do

Iraque e agora atiramos bombas sobre Tripoli. Há um limite de tempo para participar na

guerra antes da guerra nos atingir.

Mas, apesar de todos sabermos disto, apenas se mencionou a guerra quando sofremos o

ataque terrorista. A nossa primeira resposta assentava na irracionalidade: tinham que ser

“eles”. Eu temia que a guerra que travávamos no estrangeiro pudesse chegar à Noruega. E

depois? Que aconteceria à nossa sociedade? À nossa tolerância, ao nosso debate político e,

sobretudo, aos nossos imigrantes e aos seus filhos nascidos na Noruega?

Mas não foi assim. Uma vez mais, o coração das trevas profundamente dentro de nós

próprios. O terrorista era um homem branco e nórdico. Não um muçulmano, mas sim um

muçulmanófobo.

Logo que isso ficou claro, a carnificina começou a ser discutida como obra de um louco;

deixou de ser vista como um ataque à nossa sociedade. Mudou a retórica; as manchetes dos

jornais mudaram o foco. Ninguém fala já de guerra. Fala-se de um “terrorista”, no singular,

não no plural: um indivíduo particular, não um grupo indefinido facilmente generalizável

para incluir simpatizantes ou qualquer outra pessoa. O ato terrível é agora oficialmente uma

tragédia nacional. A questão é: teria acontecido da mesma forma se o autor fosse um louco,

mas de origem islâmica?

Eu também estou convencido que o assassino está louco. Para caçar e executar adolescentes

numa ilha durante uma hora, teve que perder o juízo. Mas, tal como no caso do 11 de

setembro de 2001 ou no caso das bombas no metro de Londres, trata-se de uma loucura com

causa, uma causa que é tanto clínica como política.

Qualquer pessoa que tenha dado uma olhadela às páginas web dos grupos racistas, ou

seguido os debates online dos jornais noruegueses, terá notado a fúria com que se difunde a

islamofobia; o ódio venenoso que escritores anônimos vomitam contra as ideias anti-racistas e

contra a esquerda política. O terrorista de 22 de julho participava nesses debates. Foi um

membro ativo de um dos grandes partidos políticos noruegueses, o partido populista de

direita (Partido do Progresso da Noruega). Abandonou-o em 2006 e procurou a sua ideologia

na comunidade de grupos anti-islamistas da Internet.

Quando o mundo acreditava que isto era obra do terrorismo islâmico internacional, todos os

homens de Estado, de Obama a Cameron, disseram que estavam ao lado da Noruega na nossa

luta contra o terrorismo. E agora, em que consiste a luta? Todos os dirigentes ocidentais têm o

mesmo problema dentro das suas fronteiras. Travarão uma guerra contra o crescente

extremismo de direita, contra a islamofobia e o racismo?

Umas horas depois da explosão, o primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, disse que a

nossa resposta ao ataque deveria ser mais democracia e mais abertura. Se se comparar com a

resposta de Bush aos ataques do 11 de Setembro, há razões para nos sentirmos orgulhosos.

Mas no rescaldo da mais terrível experiência que a Noruega conheceu desde o final da II

Guerra Mundial, eu gostaria que se fosse mais longe. É necessário ter em conta este trágico

incidente para lançar uma ofensiva contra a intolerância, o racismo e o ódio crescentes, não só

na Noruega, não só na Escandinávia, mas em toda a Europa.

(*) Escritor norueguês, director da Casa da Literatura em Oslo e ex-dirigente da Aliança

Eleitoral Vermelha da Noruega



(**) Artigo publicado no jornal britânico "Guardian", traduzido para espanhol por Mínima

Estrella para Sin Permiso e para português por Carlos Santos para esquerda.net

Fonte: Carta Maiorhttp://ativistape.webnode.com.br/news/tragedia-da-noruega-deve-levar

-europa-a-agir-contra-extremismo/#.TjAEWprenww.tweet