18 outubro, 2012

A saída para a crise
Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo
18 de outubro de 2012 | 3h 11

O presidente francês, François Hollande, teve uma ideia e a confiou numa entrevista coletiva concedida aos seis maiores jornais europeus.

"Estamos perto, muito perto da saída da crise do euro... O pior ficou para trás." Nada mal...

Sob esse título retumbante, Hollande explicou. Está se conseguindo resolver de maneira definitiva a situação da Grécia que fez muitos esforços e deve ter assegurada sua permanência na zona do euro. Ao mesmo tempo, responderam-se às demandas dos países que fizeram as reformas esperadas e devem poder se financiar com taxas razoáveis.

Enfim, a Europa criou a União Bancária.

E para os que poderiam duvidar do otimismo de Hollande, este prosseguiu dando garantias. Essas garantias, na verdade, são o próprio Hollande. Ele  fala com frequência, na primeira pessoa, como se fosse madame Angela Merkel: "Quero que todas as questões relativas à União Bancária sejam acertadas até o fim do ano (...) Eu quis que a Europa assumisse a prioridade do crescimento, sem recolocar em questão a seriedade orçamentária...".

No embalo, ele deu suas instruções aos dirigentes dos países da zona do euro: "Os países que estão com superávit devem estimular sua demanda

interna com um aumento dos salários e uma redução das deduções". E, ao contrário, teve um pensamento para os países que sofrem com a austeridade:

"Não se deve infligir uma pena perpétua a nações que já fizeram sacrifícios consideráveis se os povos não constatarem, em algum momento, o  resultado de seus esforços". Não é difícil perceber, por trás desses "retratos falados", primeiro a Alemanha, e depois a Grécia, a Espanha, a Itália, a Irlanda...

Aqui e ali, percebem-se críticas à Alemanha, mas sem acrimonia. Sobre a chanceler Merkel, ele disse: "Ela é clara. Ela diz as coisas. Isso faz  ganhar tempo. Eu tenho a mesma abordagem. Em seguida, de nossos pontos de partida, nós procuramos encontrar o melhor ponto de chegada. É mais fácil com esses pontos de partida explícitos do que com pontos de partida ambíguos. E ninguém pode dizer que madame Merkel é ambígua."

Essas declarações são duplamente importantes. De um lado, Hollande se mostra um belo otimista. Ele é o primeiro "vigia" que nos anuncia que o céu se desanuviará e que um dia os bons tempos voltarão. De outro, esse homem que, com frequência, pintamos como indeciso, um pouco apagado, se apresenta como um chefe. E como um dos arquitetos da Europa. "Eu quero..., eu quis... eu decidi..., etc." O otimismo de Hollande será partilhado?

No mesmo jornal Le Monde (consagrado à Europa), o ministro brasileiro da Fazenda, Guido Mantega, foi mais prudente. "Não vimos uma compra de  dívida pelo Banco Central Europeu (BCE). O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef) não funciona, embora essa medida tenha sido anunciada há um ano. Os problemas persistem de maneira muito grave na Grécia e na Espanha.

"As soluções propostas dizem respeito apenas aos problemas visíveis, em outras palavras, à possibilidade de crash dos bancos e ao refinanciamento  da dívida soberana. As medidas anunciadas podem pôr fim ao estresse desses dois mercados, mas não resolverão a questão central da retomada."

"... Trata-se de saber se essa iniciativa, que consiste em dizer às populações que os salários continuarão a baixar e o trabalho continuará a  faltar durante dois ou três anos, ainda é politicamente viável. É uma estratégia temerária." O ministro brasileiro falou depois de Hollande que também desejou colocar a ênfase no retorno do crescimento.

"Sim", disse Mantega, "mas mesmo concordando com Hollande, não vejo essas questões na ordem do dia. A proposta consiste em fazer uma economia de  30 bilhões aumentando impostos e reduzindo despesas.

Mas onde está o programa de investimentos? O banco europeu para o desenvolvimento já existe, mas não funciona. É preciso pensar com urgência em uma estratégica que abrevie a crise. O tempo passa..." E Mantega terminou com a bela frase "Como disse John Maynard Keynes, no longo prazo, estaremos todos mortos". / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-saida-para-a-crise-,947228,0.htm

09 outubro, 2012

Neutralidade e Status Quo

Menalton Braff
Ex-professor, é contista, romancista (com 18 obras publicadas) e cronista.
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Tenho de começar declarando que isto aqui é uma crônica, não um ensaio. Não estou, portanto, obrigado a citar minhas fontes ou fornecer uma bibliografia como certos textos de que, por sua natureza, exigem-se.

E, como cronista, afirmo que toda neutralidade é uma ingenuidade. Se alguém assiste a um marmanjão massacrando uma criancinha e se diz neutro, é  difícil entender que ele está beneficiando o marmanjão? Usando a terminologia hegeliana, se não interfiro em um processo qualquer e me mantenho neutro (posição admitida como hipótese), estou reforçando a tese em luta contra a antítese. E não existe movimento que não seja em luta.  


De umas leituras antigas me lembro de uma afirmação que me norteou a vida toda. A falácia da neutralidade esconde, sempre, um apoio implícito ao statu quo, isto é, a concordância, ou pelo menos a aceitação, da situação vigente.

Ora, seres humanos, que somos, estamos condenados à liberdade (Sartre), que, por sua vez, implica responsabilidade. Sujeitos de nossa própria

história, abdicar de uma tomada de posição não é só covardia, muito mais que isso, é declarar-se satisfeito com o existente. Ou, em outras  palavras ducor non duco.

Este assunto me ocorre porque neste fim de semana fui acusado de, em meu último romance, O casarão da rua do Rosário, ter assumido uma posição  política de um grupo de personagens em detrimento de outro. O autor da acusação me queria neutro. Ah, meu caro, nem o Roland Barthes acreditava mais no “grau zero da escrita”. A pretensa neutralidade da arte é pura escamoteação. Não existe, a não ser no pensamento ingênuo de algumas pessoas.

Mas preciso dizer mais. Não sou a favor da arte como panfleto, não sou a favor da arte utilizada pelo poder seja ele qual for. Mas não existe  arte que não seja a cosmovisão do artista. Caravaggio foi barroco porque não viu o mundo como este era visto por Leonardo da Vinci. Ele pintou como entendeu o mundo. Castro Alves não vituperou a escravidão apenas como desfastio. Mas que digo eu, isso já é radicalizar o argumento. A poesia de Lord Byron, por acaso, não é a expressão de sua visão do mundo? Alguém já fez arte contra seus princípios (morais, políticos, religiosos)? A leitura profunda de qualquer objeto artístico vai sempre encontrar uma maneira especial de encarar o mundo.

Então, para finalizar, o que não pode, meu caro leitor, isto sim, é que a moral, a política ou a religião estejam como objetivo primeiro do  objeto de arte. Se o plano da expressão perde espaço para o plano do conteúdo, aí sim, aí nós temos uma arte falhada em seu princípio. Acho que fui acusado de um pecado por erro de leitura do acusador, só isso.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/cultura/da-neutralidade/?autor=958