02 outubro, 2011

O que os economistas NÃO mostram29/11/05
Título: "Morte aos Economistas"
Lula Miranda


 
Das planilhas de cálculo dos economistas não escorre seiva, não escorre sangue (a não ser que pensemos em termos metafóricos). Ali,

não pulsa a vida. Apenas números frios, percentuais e estatísticas em seu gélido pragmatismo. Olhando para os hoje tão propalados

“ajustes” e “superávites” fiscais não se percebe a fome, a exclusão. Não se vê a dor e a tristeza estampadas na face dos idosos nas

quilométricas filas do SUS ou do INSS, madrugadas frias adentro. As planilhas dos economistas e seus ajustes fiscais nada revelam

além de um economicismo perverso e criminoso escamoteado por um discurso que sugere uma pretensa racionalidade no uso do

dinheiro público. Puro engodo e tergiversação. Morte aos economistas.

As planilhas dos economistas não revelam as preciosas vidas perdidas na guerra pérfida e inútil de todos os dias (aliás, todas as

guerras devem ser consideradas inúteis e pérfidas). Ali, nas planilhas dos tecnocratas, o futuro e a esperança são negados aos jovens.

Elas, na sua letra fria, não revelam a calamidade na educação ou na saúde. Não revelam os corpos esquálidos, o sorriso amarelo, que é

quase um não-sorriso, e os olhares sem vida das crianças indígenas e dos filhos dos lavradores do semi-árido que morrem de inanição.

Morte aos economistas.

As planilhas dos economistas não revelam o déficit habitacional, os sem-teto que se espojam maltrapilhos, famélicos e sujos pelas

sarjetas. Os moradores de Alagados na Bahia, da Brasília Teimosa no Recife ou do Buraco Quente em São Paulo – ou de qualquer outra

entre tantas favelas – tampouco são contemplados pelo “glamour” cínico dos tecnocratas e sua econometria de resultados ou pelo

rentismo dessa globalitária “financeirização” tão em voga. Ou muito menos o apartheid na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro, onde

estão devidamente apartados os que morrem no morro e os que vivem no asfalto. Não revelam o pavor de todo o dia nas grandes, ou

até mesmo pequenas cidades: a insegurança, o medo do próximo, o medo da violência. Morte aos economistas.

As planilhas dos economistas e seus superávites fiscais nos negam o sonho, o pão, a poesia de cada dia. Nos negam a cidadania. Nos

negam o inalienável direito de construirmos uma nação. Nos negam a soberania. Morte aos economistas.

A “sensatez” bem calculada dos economistas não apazigua o olhar de desalento do pai e/ou mãe de família desempregado(s). Os

economistas nada enxergam para além de “resultados” – mas aí, esclareça-se, esse “resultado” não tem nada a ver com o resultado de

fato (ou, em outras palavras, no que resultam as suas medidas na vida real), é apenas o registro escritural de resultados contábeis,

projeções orçamentárias e de custos. Morte aos economistas.

É bastante revelador que nenhum parlamentar tenha ainda sugerido a criação de uma Lei de Responsabilidade Social, que seria uma

espécie de lei magna, soberana e que se sobreporia às demais leis, inclusive, e principalmente, à Lei de Responsabilidade Fiscal – como a

Constituição se sobrepõe às demais leis ordinárias. A nenhuma gestor seria permitido deixar faltar merenda escolar e um ensino público

de qualidade às crianças e jovens em idade escolar. A nenhum gestor seria permitido deixar de oferecer um serviço de saúde de

qualidade aos habitantes do seu Estado, município ou país. A nenhum gestor seria permitido criar “campos de extermínio” como as

Febem superlotadas ou deixar crianças perambulando sujas e maltrapilhas pelas ruas das cidades, ou mesmo deixar idosos e

desvalidos vivendo na sarjeta. Mas nenhum parlamentar ou economista sugeriu a criação de uma Lei de Responsabilidade Social. Morte

aos economistas.

Esses verdadeiros cientistas da ignomínia que transformaram esse país, que poderia ser uma grande nação, num imenso laboratório de

perversidades e a nós todos em suas cobaias – verdadeiros cordeiros na imolação cotidiana. Morte aos economistas.



Sejam os economistas a serviço do médico Palocci ou aqueles a serviço dessa abominável “nova” leva de políticos que estão na moda, os

chamados “gerentes” ou “super-gerentes” (mas quem dita a moda mesmo?). Hoje, os mais incensados (pela mídia grande, é claro)

representantes dessa categoria são Geraldo Alckmin (SP) e Aécio Neves (MG), que afirmam ter feito um tal de “choque de gestão” –

mais uma falácia, mera grandiloqüência retórica e empulhação para legitimar, e até mesmo legalizar, toda uma sonegação aos direitos

mais básicos do cidadão. Em outras palavras, para justificar o desmonte do Estado, o salário miserável dos professores, a saúde

precária e a falta de reajuste para os servidores de um modo geral. Quem vive em São Paulo ou Minas Gerais sabe a verdadeira

calamidade e incompetência administrativa que são a mais perfeita (e verdadeira) tradução dessas gestões. Morte aos economistas e

seus “super-gerentes”.

Claro, e aí conto com a cúmplice generosidade e benevolência dos leitores, que estão isentos dessa minha sentença capital o meu colega

Paulo Nogueira Batista Jr., o Beluzzo, a Maria da Conceição Tavares, o Eduardo Carneiro e alguns outros poucos economistas que

sabem haver vida para muito além dos números. Para estes, a gente dá um salvo-conduto. Afinal, um ou outro economista a gente

ainda tolera. Até mesmo porque vamos precisar de alguns deles para edificar a nossa utopia. Ou não? Morte aos economistas.



N.E. - Uma informação acessória, a título de curiosidade: Lula Miranda é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade

Católica do Salvador – UCSal.http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=5374

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